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MAJORES DE INFANTARIA
CONCEIÇÃO ANTUNES, CAMILO MONTEIRO, BRITO TEIXEIRA, JORGE BASTO, PROENÇA GARCIA & SANTOS MARTINS |
CONTRIBUTOS PARA O EMPREGO DO BATALHÃO DE INFANTARIA
NA LUTA CONTRA-SUBVERSIVA ACTUAL (1) |
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Nota prévia |
Este artigo resulta da adaptação de um trabalho de grupo apresentado pelos Capitães de Infantaria, Conceição Antunes, Camilo Monteiro, Brito Teixeira, Jorge Basto, Proença Garcia e Santos Martins (coordenador) na disciplina de Táctica de Pequenas Unidades, no âmbito do Curso de Promoção a Oficial Superior, realizado no Instituto de Altos Estudos Militares no ano lectivo 2001/2002. A sua publicação, também feita na Revista Militar, deve-se à sugestão dos Docentes da disciplina (Tenentes-Coronéis Marco Serronha e Contente Fernandes) e à autorização da Direcção do mesmo Instituto. |
O contexto mundial tem vindo a sofrer contínuas alterações e profundas mudanças que se reflectem em todos os campos da vida humana. O campo de batalha como parte integrante desta realidade reflecte a influência destas variáveis, sofisticando-se e criando ambientes onde imperam as comunicações, o avanço tecnológico, a letalidade dos meios, a utilização de processos cada vez mais complexos e a crescente consciencialização da importância do Soldado e da sua actuação neste mesmo ambiente. O Batalhão de Infantaria como elemento fundamental que opera no campo de batalha tem que estar preparado para este tipo de evolução, mas sem nunca descurar outros tipos de ambientes, como os que resultam de contextos relativamente pouco sofisticados mas que possuam forças ligeiras bem equipadas, tais como movimentos de insurreição, ou mesmo grupos de terroristas, apoiados ou não pelo exterior, visando a corrosão dos Poderes formais. Neste estudo pretendemos reflectir sobre a actuação do Batalhão de Infantaria na luta contra-subversiva actual. Assim, após uma breve análise de conceitos, abordaremos a doutrina portuguesa e a sua tradição na luta contra a subversão, para posteriormente procurarmos enquadrar as Crisis Response Operations (CRO) / Peace Support Operations (PSO) num ambiente subversivo. Por fim apresentamos algumas propostas para o treino e constituição de uma Unidade tipo Batalhão na luta contra-subversiva. |
Importa introduzir alguns conceitos fulcrais para o entendimento da doutrina de contra-subversão. Assim, definiríamos a subversão como uma técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo. Existe também uma confusão frequente entre o conceito de guerra subversiva e o de subversão. Por guerra subversiva, entende-se a “(...) luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção (...)” (1). A subversão, como aqui é definida e adoptada por nós, nem sempre conduz à guerra subversiva, mas temos por certo que ela antecede e/ou acompanha a guerra subversiva. No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-se 2 períodos e 5 fases (2), de limites mal definidos, frequentemente indistinguíveis, e que são o período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a fase de agitação, e o período insurreccional, que compreende a fase armada (de terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final. O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente, pois a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea, na totalidade do território-alvo, procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na transição do estado pré-insurreccional para o insurreccional. Assim, normalmente no 1º período, em segredo, numa organização ainda embrionária, a manobra é estudada e planeada. Nesta fase, o movimento subversivo deve compreender um órgão de direcção e alguns elementos para enquadrar a população, outros para ligações e recolha de Informações e outros ainda para acções de agitação/propaganda. Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente subversivo, ainda se permanece na clandestinidade; todavia, como os resultados se começam a tornar visíveis, abandona-se o segredo. A propaganda de agitação, com o propósito de “ganhar” o apoio dos neutros, elevar a moral entre os subvertidos e seus apoiantes, minar a confiança no Poder instituído e enfraquecer a moral das suas forças, está ligada à ideia de revolução como levantamento popular contra um poder opressivo ou repressivo, ideia que procura empolar ou canalizar os descontentamentos, de os modificar em indignação e cólera, transformando-os rapidamente em agressão àqueles que são considerados os responsáveis da situação insustentável (3). Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem e cria-se um clima de medo, visando a desmoralização do Poder, o descrédito da autoridade, a ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas. A fase armada (de terrorismo ou guerrilha) aparece já no 2º período, o insurreccional. Aqui, a guerrilha emerge como técnica de tomada do Poder e, se necessário ou útil, usa o acto do terror. A subversão armada, através das suas actuações, que na maioria das vezes são espectaculares, procura instaurar o clima psicológico, fomentar a agitação geral, mantendo a excitação emocional, e, se possível, a anarquia, tentando também provocar a reacção repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar a unidade defensiva dos grupos visados. Tais situações, se retransmitidas ampliadamente pelos media numa engenharia de opinião, podem criar a convicção pública de que, na generalidade, o Poder é impotente, que a guerrilha atingiu a impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é impotente...). Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em superioridade sobre as forças da ordem constituída. Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as acções violentas, completa-se o estabelecer de estruturas político-administrativas e procura-se dominar algumas áreas do território. Uma quarta fase foi típica, quer em Moçambique, quer na Guiné, onde, respectivamente, a FRELIMO e o PAIGC reclamaram a existência de áreas libertadas, alegando que o território e a população estavam cingidos pela sua organização político-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado Revolucionário”. Por fim, a fase final. Nesta, a máquina subversiva acciona um exército, que procurará, a partir de bases, dominar todo o território, recorrendo já a operações convencionais, reclamando, frequentemente, durante o desencadear desta fase, o direito ao estatuto de combatente, nos termos previstos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais. São bom exemplo de guerra subversiva, entre as múltiplas e encadeadas situações de afrontamento ocorridas após o final da II Guerra Mundial, os conflitos em África, como os de Angola, de Moçambique e da Guiné. Estes conflitos (no conjunto dos muitos anos, que, em qualquer dos casos, antecedeu as partes envolvidas e mesmo, as ultrapassou) são manifestações divergentes da mesma realidade, a conflitualidade regional ou “por procuração”, apenas porque se encontram relativamente circunscritos em termos geográficos, ou porque as grandes potências se defrontavam interpostamente. Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza social, ideológica, política e económica, susceptíveis de conquistar a adesão de variados sectores da população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução de problemas ou contradições. Partindo do princípio de que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, seriam estas que, face a uma primeira observação, se encontrariam particularmente vulneráveis à subversão de qualquer sinal e procedência. Porém, são as democracias ocidentais que se encontram mais atreitas ao fenómeno, visto que as reacções à violência limitam-se ao horizonte ético, cuja violação afectaria um conceito que moldou o próprio Estado. Os tempos de resposta são lentos, na medida em que os aparelhos jurídicos o são, por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver); “(...) as limitações na montagem e funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumida) dos repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a ausência de estruturas de propaganda e contra-propaganda, a vincada dualidade civil/militar, não capacitam as democracias ocidentais à contra-subversão em termos de isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação verdade» (para obtenção de crédito por parte da opinião pública), evitar a situação de «tribunal popular» (onde o Poder aparece réu face à colectividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias, por exemplo) locais (...)” (4). Acreditamos que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reacção passará forçosamente pelo recurso a um eficaz sistema de Informações internas/externas que preste um apoio isento e esclarecido a órgãos de soberania, sem complexos nem má consciência. Estes, que têm por obrigação manter a integridade do território e das suas fronteiras, estão portanto sempre carentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das ameaças ou actividades hostis, para poderem orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa e, assim, manter o “status quo”, evitando atempadamente o desenvolvimento da manobra subversiva. Favorecem ainda a subversão os factores de ordem social, onde podemos incluir as diferenças étnicas, religiosas e culturais, sendo uma das condições favoráveis a quebra das bases sociais tradicionais (5). As sociedades locais sofrem, e por vezes chocam-se com uma influência cultural intensa devido à presença dos funcionários das Organizações Internacionais, de ONG e de outras Organizações, o que determina, em parte, a sua desagregação sem, contudo, se assistir a uma correlativa assimilação da cultura dos novos Poderes instituídos. Estes fluxos e refluxos culturais provocam, dependendo das circunstâncias, uma “desintegração” ou então a coexistência forçosa do “desintegrado” com a sociedade original. A posição do desintegrado, nas sociedades provoca um sentimento de vácuo pela falta/diminuição das estruturas tradicionais que o explicam perante si mesmo. Nascem, então, as hierarquias de compensação (6), por forma a preencher o vazio e insegurança resultantes da desagregação das instituições tradicionais. A insegurança resultante da desintegração, acrescida da fissura entre as respectivas elites, e da inexistência de uma classe média autêntica e de um sentimento de frustração, face a uma cultura que por vezes é manifestamente diferente, dificulta a sua integração e, em consequência, o seu progresso social, vulnerabilizando estes homens a propagandas aliciantes e conduzindo ao reagrupamento, feito sob novas formas, para readquirir a segurança perdida. Acrescido a este fenómeno, emerge uma outra tendência, a de lutar contra a situação de inferioridade social, emergindo então as mais diversas formas associativas de cariz reivindicativo (7). Tais associações que tendem a organizar-se com base étnica/regional/ideológica, comportam, nomeadamente, jovens e representam assim um esforço dos marginais ou dos que estão prestes a ingressar nessa categoria para se adaptarem aos novos tipos de condicionalismos sociais em que têm de viver. Estas massas de proletariados suburbanos, vivem à margem da disciplina dos respectivos grupos étnicos e das comunidades originárias, transformando-se num perigo para aquela que era encarada como a paz social. Estes "gangs" dedicam-se a actividades como a extorsão, o contrabando, os assaltos, o câmbio ilegal de divisas e a outras actividades ilegais perturbadoras da Lei e Ordem. A subversão como técnica que visa não só o Poder como também atingir subtilmente a opinião pública, utiliza os conhecimentos das leis da psicologia e da psicosociologia. Assim, a subversão, sejam ou não violentos os processos utilizados, visa sempre: “(...) desmoralizar ou desintegrar, desacreditar a autoridade, neutralizar e/ou arrastar as massas para impedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da ordem estabelecida (...)” (8). A subversão destina-se a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade. Os processos podem nem sempre recorrer à violência física, mas apenas à manipulação frequentíssima das vontades. A subversão, utilizando uma estratégia que é total, que actua ao nível interno/externo através de uma manobra indirecta e por lassidão, não necessita de travar batalhas decisivas. Alastra lentamente e, procurando convencer da sua razão e equidade e do inverso da contra subversão, absorve, como o fenómeno do mercúrio derramado, a população que é o seu factor de sucesso determinante. Assim, procurando controlar/ocupar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo, as populações aderentes, desgastando ao mesmo tempo as restantes e os meios da contra-subversão, dirige-se ao seu objectivo final: a capitulação da autoridade. A análise clausewitziana, de que a guerra se baseia no confronto de Estados, com exércitos disciplinados e campanhas militares cuidadosamente preparadas, parece hoje em dia mais do que inadequada. Nos conflitos actuais predominam as características subversivas, onde se visa sobretudo a destruição ou no mínimo o desgaste das estruturas de um Estado ou a criação de um novo Estado. A melhor forma de a autoridade legítima combater nestas situações passa pela montagem/criação de uma estrutura contra-subversiva que seja capaz de dar uma resposta global, através de uma acção coordenada, nas vertentes política, sócio-económica, psicológica e militar. Na resposta militar devem ser incluídas unidades capazes de desencadear o mais diverso tipo de operações no complexo ambiente criado pela subversão. |
3. A doutrina portuguesa de contra-subversão e a sua actualidade |
Segundo John Cann a singularidade do esforço de guerra português em África de 1961 a 1974, resultou de duas vertentes fundamentais: uma a capacidade de utilizar a doutrina e as experiências de guerra contra-subversiva dos países que no séc. XX tinham adquirido essa experiência (britânicos, franceses e americanos); a outra derivada de uma compreensão das semelhanças e diferenças de cada um dos teatros de operações e acima de tudo o esforço desenvolvido para compreender o que em cada um deles estava em causa: o conhecimento das populações, as suas motivações e anseios, entendendo que este tipo de guerra se ganha com e não contra as populações, que são o canal logístico em recursos materiais e humanos assim alimentando a guerra subversiva. Com escassez de recursos e inicialmente sem exército preparado para este tipo de luta, Portugal foi forçado a improvisar, ao mesmo tempo que iniciava treinos nas práticas operacionais padrão de contra-insurreição, procurando também inovações que pudessem ser aproveitadas flexivelmente no terreno, com as características demográficas dos três cenários. Assim, podem-se caracterizar os desafios e soluções do modo de Portugal lutar contra a insurreição como:
John Cann considera ainda que apesar do estado de atraso da economia, dos enormes desafios geográficos e de FA´s sem preparação, Portugal desenvolveu o seu próprio tipo de campanhas de contra-insurreição baseado na experiência adquirida, aplicando sistematicamente este modo de pensar à ameaça colocada pelos movimentos nacionalistas, numa perspectiva de estratégia enleante gerindo com sabedoria os pequenos avanços a que não é alheio a perspectiva de abordagem feita em cada um dos TO´s. O facto de Portugal não ter conseguido encontrar uma solução política para o conflito não nega as suas proezas militares, nem a lição que pode constituir para outros conflitos futuros. O esforço português de aprendizagem da luta contra-subversiva inicia-se no final da década de cinquenta do século XX, com o envio de militares sobretudo para a Argélia e para a escola de Intelligence inglesa, Maresfield Camp. Deste esforço reultam em 1963 o Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva”, reeditado em 5 volumes (os famosos livrinhos de capa azul) em 1965. Ali reuniam-se informações recolhidas no período de 1958-60, incluindo os elementos essenciais das doutrinas britânicas e francesa, versando as experiências na Indochina, Argélia, Malásia e Quénia, constituindo as últimas duas, referências-chave, incorporando os princípios da violência mínima, da cooperação civil-militar, da coordenação das informações e das operações com pequenas unidades que tanto sucesso demonstraram na política colonial britânica. Estes princípios serviam o desejo do exército português de uma abordagem eficaz e pouco dispendiosa à contra-subversão, apropriada quer nos seus meios, quer às circunstâncias das suas colónias. Segundo o Gen. Espírito Santo (9) a missão que o Batalhão Português enviado para a Bósnia Herzegovina (BiH), foi fundamentalmente uma missão de quadrícula com uma finalidade múltipla. O Batalhão nas Campanhas de África tinha exactamente a mesma missão de quadrícula de finalidade múltipla, sendo a primeira “a protecção das populações e recursos na sua ZA”, assim como nosso Batalhão no corredor de Goradze tinha por primeira linha de missão, garantir integridade da Inter-Entity Boundary Line, outras missões surgiam como a defesa de pontos sensíveis, a liberdade de movimentos, similares às desenvolvidas nas Campanhas em África. Se nas operações contra-subversivas desenvolvidas em África a manobra militar visava ganhar tempo para a actuação política resolver os problemas, nas CRO/PSO, também a actuação militar procura ganhar tempo para uma solução política dos conflitos, seja através da imposição dessa solução, seja pela criação de um clima de estabilidade que permita que a seu tempo os problemas no mínimo se atenuem; mas em ambas as situações, a acção militar surge em proveito das Autoridades Administrativas. Em África procurávamos afirmar a soberania nos territórios em disputa no jogo de influência dos grande poderes mundiais, hoje, as intervenções militares em Teatros exteriores colaboram na afirmação de soberanias definidas pelos acordos e com a vontade expressa pela Organização Internacional que cumpre um mandato para estabelecer a paz. Em ambas as situações a actuação militar subordina-se à vontade e decisão política. Nas lutas contra subversivas em África, as Forças Armadas, nomeadamente o Exército Português assentavam o seu dispositivo com base naquilo que se designa por quadrícula, onde existiam depois forças de intervenção para fazer face a contingências e realizar acções punitivas contra “rebeldes” e “sublevados”. Hoje, nas CRO/PSO, o dispositivo das forças, por norma, também assenta numa quadrícula e em forças de reserva para fazer face a contingências. As acções mais regulares, em qualquer das situações, assentam no marcar presença junto das populações. Uma das bases de actuação contra-subversiva assenta nas acções sócio-económicas em proveito da promoção da vida das populações, visando a sua conquista e adesão; também nas missões em que as nossas Forças Armadas participam no exterior se desenvolvem actuações civil-militar, procurando-se ir ao encontro das necessidade das populações, melhorar as suas condições de vida e transmitir-lhes um clima de paz e de confiança, conquistando o consentimento. Durante as campanhas desencadeadas ao longo de catorze anos desenvolveu-se uma doutrina própria de guerra contra-subversiva, fruto das lições aprendidas, foi-se evoluindo no âmbito técnico-táctico criando escola. A participação portuguesa em missões no exterior forçou também a uma adaptação na doutrina convencional ensinada. Enviaram-se militares para a frequência de cursos ou como observadores em vários Teatros, depois, foram-se escrevendo relatórios das operações e realizando palestras por forma a transmitir experiências, e hoje, com os ensinamentos aprendidos nas missões em que participámos e com o saber adquirido em África, podemos dizer que temos uma escola própria com doutrina em constante consolidação. No período de 1961-1974, a preparação para a guerra era primordial, hoje no aprontamento das forças essa preparação não é descurada, contudo incide muito numa resposta gradual conforme as regras de empenhamento definidas para cada situação. O soldado é preparado para assumir uma atitude “policial” de alertar que vai empregar o uso da força, atitude que é gradual até efectivamente, e se necessário, empregar a força para conseguir cumprir a sua missão. O aprontamento operacional das forças inicia-se sempre por uma instrução individual e depois colectiva. Nas CRO/PSO, procura-se criar um clima de estabilidade e uma transferência de responsabilidades gradual para os Poderes locais, o substituir das forças internacionais por forças locais. Nas lutas para afirmação da soberania em África também se procurou envolver as populações locais na guerra, desencadeando-se aquilo que ficou conhecido pela africanização do confronto, onde os locais, com mais propriedade poderiam defender os seus interesses. Em África o cenário de emprego das Forças Armadas foi o da defesa da integridade territorial constitucionalmente definida. Hoje, apesar de aquela ser a missão prioritária, a grande probabilidade de actuação dos militares portugueses (também em cumprimento de um preceito constitucional, o apoio à política externa do Estado), deverá residir num cenário CRO/PSO e por razões humanitárias, pois, cada vez mais, a Segurança e a Defesa asseguram-se na fronteira dos interesses e num quadro colectivo. Apesar de as conjunturas para o empregos das Forças Armadas e das finalidades políticas serem diferentes, a experiência e ensinamentos adquiridos ao longo da nossa história, conferem-nos uma tradição de guerras em ambiente irregular, e mais recentemente, a luta conduzida nos territórios africanos de 1961 a 1975, muito tem contribuído para o sucesso das nossas Operações de Apoio à Paz, na Europa, em África e em Timor. Assim, não esquecendo o passado, no aprontamento das Forças deve-se ter sempre em conta de que não há militares para as missões de paz e militares para a guerra, o soldado é treinado acima de tudo para fazer a guerra, pode no entanto efectuar operações de paz (10). |
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