A PAISAGEM DAS LUZES EM PORTUGAL (1)
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Castle Howard (Inglaterra): Templo dos Quatro Ventos
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As sofisticadas e complexas soluções adoptadas, que compatibilizaram paraísos, arcádias e paisagens rurais romanas, garantiram a unidade conceptual de cenários idealizados em torno das múltiplas ruínas e fabriques. Quadros justapostos, distintos pelos pontos de vista privilegiados e pelo respectivo enquadramento, permitiram a coexistência de estruturas de épocas, estilos, origens e dimensões diversas, por vezes controversas.
Durante este período trasladaram-se as mais significativas ruínas então conhecidas, integrando-se as respectivas réplicas em cenários arcadianos e utópicos, adaptações tridimensionais de célebres obras de Nicolas Poussin e de Claude Lorrain. Os jardins de Méreville, propriedade de Joseph de Laborde, banqueiro de Luís XVI de França, acolheram as cópias do Templo da Sibila em Tívoli e da coluna de Trajano. O parque de Hohenheim recebeu as Termas de Diocleciano, a Pirâmide de Caio Cestio e as três Colunas de Júpiter Tonante, imitações das ruínas do Templo de Vespasiano e de Tito em Roma (BUTTLAR, A., 1989, p.168-169).
Nestas superfícies modeladas, parcialmente alagadas, plantadas e semeadas, praticava-se a agricultura, a silvicultura e a pastorícia. Construíam-se templos e ruínas que dissimulavam paisagens subterrâneas onde se apelaria ao mistério e à iniciação, evidenciando discretamente as afinidades filosóficas dos seus promotores. Denunciava-se comportamentos de uma sociedade inovadora, por vezes contestatária.
No parque de Luisenlund, propriedade do princípe Carlos de Hesse, construiu-se um cenário de características peculiares no qual se integraram estruturas aparentemente desconexas e insólitas: Câmaras subterrâneas, um lago em forma de Lua, um laboratório alquímico e um monumento de pedras dedicado a Hermes Trimegistus (1) . Em muitos outros jardins e parques proliferaram grutas e túneis misteriosos. Refira-se Arlesheim, ermitério suíço no qual se delineou um percurso aproveitando um labirinto natural de grutas (2), em torno das cavernas de Apolo e de Prosérpina e, ainda, os fantásticos subterrâneos egípcios traçados por Jean Jacques Lequeu que interligariam terraços e estruturas arquitectónicas num jardim.
Studley Royal (Inglaterra): Lago da Lua e Templo da Piedade
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Contudo, o recurso a esta gramática decorativa e a este vocabulário simbólico não é exclusivo deste campo artístico, destacando-se também noutras áreas como expressão dissimulada de grémios, corporações e sociedades (quase que secretos). Reconheça-se na Flauta Mágica, de Schikaneder e Mozart, o enredo e na vasta obra de Piranesi a iconografia, ambos de apropriação maçónica.
É nesta conjuntura idealista, crítica e moralizadora que se explora a pedagogia das viagens míticas e se evidenciam descidas literárias às profundezas como veículos morte, purificação e renascimento. Nos finais do século XVIII, obras fantasiosas excedem esta atitude pedagógica exaltando ritos e mistérios, sendo concretizadas de forma óbvia na concepção dos labirintos, túneis, criptas, grutas e cascatas ruídosas de muitos parques e jardins paisagistas. Denote-se a sinergia desenvolvida entre literatura e paisagem que se reflecte tanto na criação de parques e jardins, como nas muitas publicações e outras obras de cariz social e alegórico efectuadas ao longo do século XVIII.
(1) Mercúrio, Deus do Hermetismo. Alusão alquímica a uma das fases da Obra na procura do Ouro dos Filósofos. Recurso simbólico maçónico.
(2) A reutilização de grutas naturais ou a construção de grutas e túneis subterrâneos em parques e jardins não se restringe ao século XVIII: Na concepção da gruta renascentista e maneirista destaca-se a individualização cultural, a erudição de uma classe dominante e o interesse pelos antigos habitáculos destinados a deuses e musas . Nestas estruturas niveladas a partir de uma das plataformas do jardim e profusamente decoradas integravam-se por vezes autómatos que realçariam aspectos recreativo, lúdicos e muitas vezes jocosos; Do século XVIII subsistem construções distintas baseadas quer nesta tradição quinhentista e seiscentista da gruta de embrechados (palco para as actividades de uma sociedade galante), quer nas novas correntes de pensamento (espaços onde se criam ambiências propícias à meditação ou iniciação). Distinguem-se estas últimas pela sua decoração naturalista e pela respectiva construção extensiva e em profundidade, afastando-se dos níveis superficiais do jardim.