As conjeturas de James acabam por desembocar naquilo que ele denominou de 'minha tese', qual seja, a de que a peculiaridade de nossas experiências (em que as qualidades conscientes são invocadas comumente para explicá-la) é melhor discernida por intermédio das relações entre experiências, ou seja, pela relação de uma dada experiência com as demais experiências havidas.
Não há, entretanto, nas palavras do filósofo, 'um estofo geral' do qual a experiência possa ser constituída. De fato, "existem tantos estofos quantas 'naturezas' nas coisas experienciadas." (1). Se se indaga do que a experiência pura se constitui, dir-se-á que "é constituída de aquilo, exatamente do que parece", ou seja, de uma infinidade de elementos, como peso, uniformidade, coloração, espaço, ou de qualquer outra coisa (em itálico no original) (2).
Um dos principais contributos de William James é seu exame das relações conjuntivas e o seu posicionamnto na dinâmica da experiência humana.
O siginificado das relações conjuntivas, sobre as quais tanto se falou aqui, é corrente, de domínio público. Relações conjuntivas são, como sabemos, aquelas designadas por palavras tais como 'perto de', 'com', 'próximo a', e muitas outras. Nossa experiência nos adverte, também, que as relações (no mundo da experiência) são de graus diversos de intimidade. A mais exterior é a que a proximidade de seus termos não leva a ulteriores conseqüências; é a relação de 'estar com'.
Seguem [como observa James,] as relações de simultaneidade e intervalo de tempo, depois adjacência de espaço e distância. Depois destas, acarretando a possibilidade de muitas interferências, as relações de similitude e diferença. A seguir, conectando termos em séries envolvendo mudança, tendência, resistência e a ordem causal em geral, as relações de atividade. Finalmente, as relações experienciadas entre termos que formam estados da mente e que estão imediatamente conscientes de uma continuar a outra. A organização do Eu como um sistema de memórias, propósitos, esforços, satisfações ou desapontamentos é incidental para aquela que é a mais íntima de todas as relações, cujos termos parecem, em muitos casos, [...] cobrir mutuamente seu ser. [...] [Mas a] relação conjuntiva que mais dificuldade deu à filosofia é a transição consciente [...] pela qual uma experiência passa a outra quando ambas pertencem ao mesmo eu. Acerca dos fatos não existe problema algum. Minhas experiências e suas experiências estão umas 'com' as outras de várias maneiras exteriores, mas minhas experiências passam para outras experiências minhas e as suas experiências passam para outras experiências suas de uma maneira em que as suas e as minhas nunca passam uma para a outra. Em cada uma de nossas histórias, temas e objetos pessoais, interesses e propósitos são contínuos ou podem ser contínuos . Histórias pessoais são processos de mudança no tempo e a mudança em si mesma é uma das coisas imediatamente experienciadas. 'Mudança', neste caso, significa transição contínua oposta à transição descontínua. Mas a transição contínua é uma espécie de relação conjuntiva; e ser empirista radical significa ater-se decididamente a essa relação conjuntiva [...], este é o ponto estratégico (3) (em itálico no original).
Embora Eliot tenha dito, em seu ensaio sobre Bradley, que uma das grandes fraquezas do pragmatismo é a de que este acaba sendo de nenhuma utilidade (4), declarou dois anos depois que a obra mais importante de James viera a lume (5), em conferência promovida pela Harvard Philosophical Society, que a borrasca do pragmatismo estava tornando o homem a medida de todas as coisas (6). Com o passar do tempo, e sobretudo em sua sistemática prospecção sobre o cíclico reaparecimento da poesia metafísica ao longo das épocas, bem como no desenvolvimento de sua tese sobre a desintegração do intelecto, que correu sempre em paralelo, e intimamente ligada aos ciclos da poesia metafísica, parece-nos que Eliot acolheu a filosofia de James de maneira menos defensiva (7). E existe ao menos uma razão para que isso tenha acontecido. É que o conhecimento das teses centrais do empirismo radical refinaram muito provavelmente a análise de Eliot acerca da poesia metafísica de todos os tempos.Tal hipótese justifica-se haja vista que a matéria expressiva que a lírica da segunda revela (e aqui incluem-se seu método de construção, o desenvolvimento estrutural-temático, a engenhosidade empregada, o tratamento formal e conteudístico, etc.) poderia, sem aparente dificuldade de adequação -- o que não deixa empolgar a curiosidade --, ser uma conseqüência natural do desenvolvimento das primeiras, independentemente da cronologia dos eventos. Se tal hipótese carece de suficiente lastro, quando se examina a poesia metafísica do trecento , ganha contudo consistência quando, partindo de Donne, nos afastamos de seu tempo em direção ao presente. Com efeito, o pragmatismo e o empirismo radical de James parecem ter sido construídos a caráter para subsidiar a poesia metafísica a partir do século XVII.
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(1) Cf. ibid ., p. 110.
(2) Loc. cit.
(3) Cf. ibid ., p. 117-8.
(4) Cf. ELIOT, T. S. -- "Francis Herbert Bradley". Em sua: Selected prose of T. S. Eliot . Op. cit ., p. 204.
(5) Essays in radical empiricism foi impresso em 1912.
(6) Cf. Schuchard , Ronald. -- "Editor's introduction". In : ELIOT, T. S. The varieties of metaphysical poetry. Op. cit ., p. 49.
(7) Nas conferências de Eliot sobre a poesia metafísica James ressurge inúmeras vezes, inclusive assinalando seu contributo para a compreensão das relações conjuntivas. "Construída sobre filosofias empiristas anteriores, nas quais todo conhecimento é em última instância derivado de impressões disparatadas de reflexões e sensações, James declarou em seu Essays in Radical Empiricism (1912) que todo conhecimento deriva das relações conjuntivas da 'pura experiência', nome que ele confere ao 'campo instantâneo do presente', fluxo imediato de vida o qual fornece o material para nossas reflexões posteriores [...]". Ao examinar, nessas mesmas conferências, a paráfrase poética de Crashaw ao Vexila Regis de Fortunatus, que por sua vez foi composto para a consagração de uma igreja em Poitiers (França), no séc. VI, e liot afirma acerca do poema ulterior: "observe 'o ninho de amores', a 'torrente amorosa', o noivado entre a água e o sangue, a relação pessoal do Senhor e do devoto. E observe ( sic ) a tendência para uma seqüência de emoções, cada uma em uma imagem separada, ao invés de [encontrá-las] em uma estrutura [encapsulada] de emoção. Posto que é a tendência do sensacionalismo fazer seguir uma impressão após outra, ao invés de construir uma dentro da outra; o que nos leva ao Empirismo Radical de William James" (em itálico no original). Cf. ELIOT. T. S. -- The varieties of metaphysical poetry . Op. cit ., p. 169-70. |