Em "A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico", Pessoa teceu comentários acerca da poesia dos poetas correliginários de Pascoais, encontrando nela características muito especiais. Chegou mesmo a entender a religiosidade expressa nessa poesia como " uma religiosidade nova , que não se parece com a de nenhuma outra poesia" (1). Seu arcabouço espiritual deriva de uma ideação vaga, sutil e complexa. A ideação vaga é a que tem o que é vago ou indefinido por seu objeto; sutil é a ideação que traduz uma sensação simples por outra sensação que a intensifica sem a alargar; complexa é a ideação "que traduz uma impressão ou sensação simples por uma expressão que a complica acrescentando-lhe um elemento explicativo" que lhe dá novo sentido.
A expressão sutil intensifica, torna mais nítido; a expressão completa dilata , torna maior. A ideação sutil envolve ou uma direta intelectualização de uma idéia ou uma direta emocionalização da emoção: daí o ficarem mais nítidas, a idéia por mais idéia, a emoção por mais emoção. A ideação complexa supõe sempre ou uma intelectualização de uma emoção, ou uma emocionalização de uma idéia: é desta heterogeneidade que a complexidade lhe vem (em itálico no original)(2).
A nova poesia portuguesa, a par o fato de se ocupar com o espírito, com a alma, é também uma poesia ocupada com a natureza, nela encontrando inspiração. "Por isso [...] que ela é também uma poesia objetiva" (3). Em outras palavras, é objetiva por força de apresentar três características: nitidez ("revelada na forma ideativa do epigrama "), plasticidade ("fixação expressiva do visto ou ouvido com exterior ") -- como por exemplo a poesia grega e romana, a de Hugo, e a de Cesário Verde; a terceira característica dessa poesia é a imaginação (no "sentido de pensar e sentir por imagens"), gerando "rapidez" e "deslumbramento". Adverte, no entanto, que esse deslumbramento, em alto grau, quando não surge consorciado com "elemento de pura espiritualidade" acaba deixando o que considera ser "uma inquietante impressão de grandeza oca". Como exemplo disso, cita Hugo -- que a alguns, em vista disso, dá "uma impressão de máxima grandeza e a outros de uma oca grandiosidade".
Na poesia portuguesa esse grau máximo de objetividade ainda não teve lugar; "prova-o ao ouvido o seu movimento geralmente lento, quando a imaginação imprime sempre ao verso uma rapidez inignorável [ sic ]"(4).
É famosa a seqüência em que Pessoa vislumbra em futuro próximo o surgimento do grande poeta, o Super-Camões, que irá concretizar uma poesia com o "máximo equilíbrio da subjetividade e da objetividade" (5). Será uma poesia metafísica, imaginativa, diz ele, "uma poesia subjetiva e objetiva, poesia de alma e de natureza", voltada para a manutenção de uma aparente contradição, qual seja, a espiritualização da matéria, lado a lado com a materialização do espírito (6).
Não seria oportuno rever alguns conceitos, aqui assinalados, acerca da poesia denominada metafísica?
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(1) PESSOA, Fernando -- "A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico". Em sua: Obras em prosa. Org., introd. e notas de Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1993 (Biblioteca Luso-Brasileira; série portuguesa), passim .
(2) Cf. Ibid ., p. 382-3.
(3) Cf. loc. cit.
(4) Cf. ibid ., p. 384-5.
(5) Cf. ibid. , p. 386, et passim.
(6) Cf. loc. cit. |