Conde d’Abranhos - Mas não acha você, Rabecaz, que esta evangelização das massas tem que ser conduzida com jeitinho? Apelando aos sentimentos de brio do nosso bom povo e sendo discretos...habilidosos? Eu lá com os meus economistas era assim...E, se algum fulano levantava cabelo, era sem barulho que o transferia de serviço...que lhe dava uma tarefa inócua, estilo pontapé p'la escada acima... como se dizia nos tempos do compadre Salazaref.
Rabecaz - Ó Abranhos, valha-o deus! Isso são métodos de sacrista, homem! Eu nesta minha herdade, como dizia a filha do primo Francisco Franco, aprendi que com a malta só a porrete. É o que eles entendem, além disso lá dizia o conselheiro Acácio que este povo precisa de sentir a mão dum homem de brios no cachaço...senão desatam a querer descanso...e tal...e lá se nos vai a obra que tanto custou a erguer. Dá-me cá um ferro! É cascar-se-lhes, p'ra bem deste belo “sitio” (como dizia o nosso inventor) que queremos continuar a ter!
Dâmaso Salcede - Pois eu não concordo nem com um nem com outro! Quanto a mim isto vai ao lugar com umas palavrinhas sedutoras apropriadas. Lábia, meninos! Conversa de afagar corações, o que não significa que não se metam, se fizer falta, umas ferroadas...umas insinuaçõezinhas torpes ao gosto da maltosa! Como é que pensam que eu consigo o que quero na minha função? Ponho os ajudantes a tarimbar…suavemente. E para os trabalhos mais baixos, se tivermos precisão, mete-se o Tónho Tranquetas do OSAE (Operacionais Sedutores Apelativos Especiais) com a sua enxurrada de boa lábia a cair em cima da cabeça dos que não queiram as sopas. Chegou-me aos ouvidos que anda por aí uma rapaziada subversiva na Trotinet...
Rabecaz – Eu já não acredito que as palavras salvem, como diz aquele letrista premiado. Independentemente disso, estão comigo para o que der e vier, não é assim? Ai a pena que eu tenho que aqui não seja a minha região meio-beirôa! Haviam de comer poucas naquela lombeira... Dava-lhes pr'ó tabaco! Nenhum desses negregados se safaria de comer no côco umas berlaitadas, que é para aprenderem como elas mordem. Ou mandava-os para o deserto da margem sul... Comigo vai tudo raso!
Conde d’Abranhos – Você é sem dúvida um homem de sucesso, mas muito empolgado. Nestas coisas é preciso calma e tecnologia e falar-se-lhes ao sentimento de fidalguia…Um povo que andou nos mares, Rabecaz, não é lá qualquer coisa, seja-se da sua Beira ou do meu Entre Douro natal. Temos de aproveitar os salutares sentimentos de contestação e, mansamente, com habilidade televisiva encaminhá-los na direcção certa… O que eles não podem congeminar, podia fazer-lhes mal à enxaqueca, é que no fim quem deve ficar com o superavit é cá a bela panelinha, hein?!
Dâmaso Salcêde – Não deixa de ter razão...Mas como dizia o nosso inventor, a malta fica fula se lhe vão aos víveres... Como é que podemos ultrapassar essa, chamemos-lhe assim, pequena dificuldade?
Rabecaz – Bem visto, mas não perturbe a sua digestão. Na momento próprio o Alpedrinha, aquele nosso criado lá dos orientes que agora está nos audiovisuais, arranja aí um escândalo da bola em termos, ou uma festarola estilo Expo qualquer coisa...e o panorama ficará uma delícia, vai ver. Além disso não se esqueça que nessa altura já terá regressado o Servidão Pomposo...e ele tem cá uma experiencia que lhe inculcaram lá fora!
(Fragmento único da única peça que até ao momento se conhece do grande Essa de Quelroz, aqui transcrita por um pesquisador de atónitas literaturas actuais).
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