Lá passei o guarda-costas, o porteiro matulão e calado que logo cerrou o matacão daquela porta pesada como um portão de herdade. Levantei os ombros, não ia deixar ficar mal a minha gente. Assim como assim, eu, um descendente do Vimioso…do Marceneiro…
O Al, com o seu charutão ao canto da beiçola quase nem me deixou ambientar.
- E então cá estamos nós, rapazes! - disse com o seu jeito de boss - E não vamos perder mais tempo: é preciso que tudo corra nos conformes, muito há em jogo nesta nossa reuniãozinha! Pois o caso é que concluí haver necessidade de elevar o nível do nosso meio. E que melhor para isso que entrarmos na…literatura? Parece que tem muita saída e dá notoriedade. Por isso, artilhei umas ideias que o primo Spillane me suscitou e vou editar o buque quanto antes!
- Cá por mim - adiantou logo o Floyd Três Dedos - nem era preciso tanto trabalho... Combinava-se de antemão o assunto a partir do Hammett e depois, se o Chandler se pusesse com tretas...a minha rapaziada dava-lhe o arroz! Compreendeu, Capone?
- Aguenta! - vociferou o Babyface Nelson, com a mão no lado esquerdo do casaco assertoado - Também tenho alguma coisa a dizer, Floyd... As coisas já não são o que eram, temos de ter cuidado. Não penses lá agora que com esta onda de simpatia pelo ensaio que o Lucky Luciano elaborou inspirando-se em páginas do Jack Ripper já podemos andar a fazer tudo. As massas são imprevisíveis, não viste como foi com o Landru? Eu por mim opino que nos devemos ficar por um volume de sonetos ajudados pelo Petrarca.
- E eu punha como modelo, limpinho e sem osso e para não falharmos, um Don das fotonovelas ou mesmo um romancista do Bronx com palheta e acabava-se a confusão. Ou se fizer falta a valer, um do meio intelectualchinês, que têm experiência em sociedades secretas e biografias...É coisa de futuro - relinchou o Floyd com rudeza.
O Al, ponderadamente, abanou a cabeçorra poderosa e riu um pouco.
-Eu hoje estou muito paciente, Floyd. Não fôsse isso e já tinhas a caixa dos pirolitos amolgada. Capici? Vamos mas é deixar-nos de tretas e inspirar-nos, quando muito, na Agatha Christie, que é de um ambiente mais nosso conhecido. E está dito: o cartapácio tem de vir a lume ainda nesta rentrée e mai’nada!
A intervenção dele despoletou uma algaraviada do caneco. Um dizia, outro replicava... Eu estava a ficar algo chateado.
E foi então que, lisboeta de lei que sou, me empolguei e rapando da automática escaquei um tirázio para o ar.
Calaram-se todos, pois então.
E no breve silêncio pesado que se seguiu eu disse, na minha voz bem timbrada de lírico do Bairro Alto, de descendente de letristas de fados dos tempos da Severa, arrumando a questão:
- Ouçam, rapazes: não quero ser desmancha-prazeres mas arre! Eu acho que hoje por hoje só há uma escolha como deve ser: artilhar-se, com fidalguia e ripanso, o nosso grande “Os Lusíadas”, mas com recorrências modernas!
E, para reforçar o meu breve discurso, pronto para o que desse e viesse, coloquei sugestivamente a mão esquerda, apesar de não ser canhoto, na outra algibeira da minha gabardina.
À Bogart, claro.
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