Doutor José Jagodes (JJ), atalhando de imediato –
Olha, pequeno: se te pões com excelências temos o caldo entornado.
Pensas que estás a falar com algum ministro, um desses sacripantas
pedantes que estás habituado a ver na santa TV? Tira o cavalinho da
chuva e fala como deve ser, como um português de lei, sem fosquinhas
blandiciosas que aliás nem me parecem fazer o teu estilo, pois até tens
um saudável ar de pirata. Mas ias tu dizendo?... AS - Ia eu dizendo
que já me estranhara que o Doutor…andando ultimamente o país tão cheio
de factos palpitantes…estivesse singularmente calado!
JJ – Isso é o que tu pensas, meu passarinho. O que tu não sabes é que
eu, seguindo aliás os salutares ensinamentos de alguns políticos muito
competentes e de uns outros intelectuais idem, tenho escrito com vários
pseudónimos aqui e acolá, além de que por vezes mando dizer por amigos e
companheiros esta ou aquela coisa que me interessa ver reproduzida sem
que…nos blogs mais destacados…e tal…
AS – Entendo. Não deixa de ser bem pensado…É um belo truque!
JJ – No meu caso é mais por instinto de sobrevivência. Confesso-to
lealmente. É que eu não tenho, como certa gente que por aí anda, magist…até
me custa dizer o nome…guardados na carteira para quando faz falta, para
me safarem o couro (passe o vernáculo) se me meto em trapalhadas
daquelas que trazem o país a salivar. Ainda não me esqueci do que me ia
sucedendo só porque disse, numa roda de amigos, numa tasca muito gira,
que um mano que eu conheço e que tem andado nisso dos bancos era um
perito em aumentar os seus réditos de maneira um pouco…
AS, interrompendo de chofre – Pois…Mas no que respeita à actividade
intelectual propriamente dita, às coisas da res pública, do quotidiano
mais importante…
JJ – Tenho marcado a minha posição, até me estranha que não tenhas
reparado…Olha, por exemplo fui eu que num conhecido programa radiofónico
felicitei vivamente a actual senhora ministra educacional, aquela
simpática cidadã de rostinho juvenil, risonho e com olhos de porcelana
azulínea, por irem finalmente arranjar forma de os professores e os
alunos evitarem escaqueirar-se por já não poderem aguentar as
filmagens…
AS – As filmagens ???!!!
JJ – Eu chamo-lhe as filmagens…não faças caso…Aquelas coisas de um
prof ser xingado até à exaustão final, ou um puto levar umas coças para
espevitar…o que o suscita a ir tomar banho em qualquer rio das
redondezas. Eu acho esse ambiente académico muito no enfiamento dos
programas do Fox Life – daí a minha expressão simbólica…tás a ver?
AS – Hum, hum…Mas não lhe parece que o meio escolar tem melhorado
imenso com as medidas gerais postas em vigor por este e principalmente o
outro governo que a providência nos ofertou?
JJ – Claro! E estou mesmo em crer que se continuarem a eleger o
homem, como muitos esperam com ansiedade, virá o dia em que já nem será
necessário frequentar os estabelecimentos de ensino…Bastará preencher
uma ficha nos centros de (des)emprego, aliás muito multiplicados, e tudo
será resolvido automaticamente, com tecnologia adequada, arriscando
mesmo dizer que nessa altura as crianças nascerão já ensinadas – o que
irá poupar uns milhões em escolas à nação, permitindo dess’arte que se
propaguem estabelecimentos bancários, assessorias, etc… Tudo, em suma, o
que poderá fazer deste país um lugar progressivo, moderno, sem corantes
nem conservantes, com os papéis todos em regra!
AS – Yá… E no que diz respeito às próximas eleições presidenciais…
JJ – O mais giro está já a ser os maravilhosos contorcionismos
verbais daquele moço com uma fala de epopeia…o poeta de gabarito…O que
está sem estar e o que sem estar está…O que é contra os que enchem a
saca e simultaneamente é a favor dos que lho possibilitam…sem
possibilitarem, claro…Falo por ouvir dizer, por ler nas folhas-de-couve,
que eu cá por mim…E o nosso estimado mais alto magistrado da Nação?
Desmeco com ele – aquelas chamadas de atenção, verdadeiras orações de
sapiência quando pede calma ao povo, como se este andasse mergulhado em
zaragatas e escaramuças como as claques desportivas dos finalistas da
Taça…E quando ele nos diz, bondosa e melifluamente, que tenhamos
confiança, que acreditemos em nós próprios? Que não nos deixemos abater
pelo desânimo? Eu fico logo empolgado, Começam a passar-me logo em
frente dos olhos figuras como as do Gama (não é o Jaime), do
Albuquerque, do Zarco e outros heróis…Olvido logo o défice e as
cangalhadas do Fraiport, os praticamente 11 por cento de gente em férias
não programadas… Deliro com o grande homem!
AS, sem conter um riso sibilino – O Nobre vai ter que dar corda aos
sapatos…
JJ – Aos sapatos e às meias…E se ele não fosse muito conhecido no
estrangeiro e não tivesse uma vida impoluta…Havias de ver, moço…Haveriam
de “descobrir” coisas horríveis sobre ele…e tal…
AS, com um ar muito esquisito no rosto barbado – Mesmo
assim…espere-lhe pela pancada. É só chegar a altura das grandes decisões
e vai ver se ele se safa de um par de campanhazitas de difamação…à boa
maneira democrática de cá…
JJ – Com o fizeram em tempos ao Sá Carneiro, aquele que depois teve
um problemazito aerotransportável? Talvez…Porque aqui entre nós o Nobre
está já a despertar anti-corpos…Aquelas declarações de que propõe uma
cidadania sem golpes baixos…Uma democracia impoluta, para as
pessoas…Onde é que já se viu este desaforo?
AS – Este desaforo…Talvez seja esse o termo, Doutor. Mas numa
democracia moderna…
JJ, interrompendo logo – Ó filho, não me venhas com essas cantigas
please. Democracia moderna? A que te referes? A uma democracia que
permite que em certos hospitais um gajo que entrou com reumático saia de
lá com uma perna a menos? Ou mesmo defunccionado? Ou onde um fulano pode
dar uma topada não digo numa pedra mas numa empresa estatal e saia de lá
debaixo um pacotinho com 27 mil euritos por mês de prémio de gestão? Ou
onde um tipo, para se safar a uma dívida ou outra coisinha assim muda de
residência para Espanha, na região transfronteririça, ficando os
credores de rabo ao léu porque segundo se diz o sistema judicial não dá
resposta apropriada? Ou um brasileiro, apalpado em Portugal, vai para a
mesma Espanha perdendo-se-lhe o rasto sem que as autoridades se
interessem pelo caso? Sou capaz de apostar que o Anes não sabe disto…!
AS, com uma voz bem marcada, de actor teatral – Uma democracia onde
existe liberdade de expressão, seja nos jornais todos seja nas rádios,
televisões, restaurantes, cafés-concertos, conselhos de min…
JJ, atalhando – Cala a caixa, já percebi. Faltou-te dizer se calhar:
onde há um partido de oposição que até tem 3 candidatos credíveis e se
fosse necessário mais uns quantos folclóricos, onde a despeito de umas
presuntivas leis da rolha o élan dos militantes vai dar cabo da tola ao
engenh…
Desatam os dois a rir irreprimivelmente durante um minuto.
AS – Ai a nossa vida…Mas adiante. E diga-me Doutor: tem lido muito
ultimamente? Tem seguido as artes e as letras, o teatro?
JJ, franzindo alegremente o cenho – Não tanto quanto desejaria, às
vezes por causa do meu vizinho de cima, que leva uma boa parte da noite
em rezas e cantorias em voz muito alta, com duas ou três visitas (estão
a treinar-se para as cerimónias da próxima vinda do Papa), outras devido
às discussões (fazem parte dum colectivo católico-progressista e então
desunham-se em rixas verbais, ou seja diálogos sobre a necessidade ou
não do celibato, da ultimamente divisada após dezenas de anos de
observação cuidada, pedofilia eclesial e tal). Um chinfrim, asseguro-te,
que me tem posto em papas a serenidade da moleirinha e que só me tem
permitido ler, vê lá tu, os poemas do…refresca-me lá a memória…Aquele
que recebeu o prémio…
AS – Ah, esse…O do cabelo estilo Marlon Brando…
JJ – Quais Marlon Brando?... Não, o careca…Aquele que…
AS – Careca? Tá a reinar, Doutor…?
JJ, com uma carinhosa palmada no joelho do entrevistador – Olha, ó
meu plantígrado, já me baralhaste…Já meti os pés pelas mãos. E, afinal,
careca ou com uma linda popa…nesse campo vai tudo a dar no mesmo…É tudo
coisas de primos inter pares, como diz a expressão grega…
AS – Ó Doutor…Grega??!!
JJ – Não é uma expressão grega???!! Iria jurar…É que juro-te me
baralhaste mesmo, filhote!
AS - E o Doutor a mim, se vamos a isso. Quando ouço falar em gregos,
Grécia…Fico logo perfeitamente assim assado, carago!
JJ, rindo suavemente – Não estarás só, meu rebeubéu! Olha que outros
ainda ficarão pior. A Grécia é que os lixa, rapaz! Vai por mim!
(Riem os dois fervorosamente a princípio. Depois, pouco a pouco, o
riso assume um tom de queixume muito engraçado de ver e ouvir).
AS – Para finalizar, Doutor: vai ficar cá por muito tempo?
JJ – Ná! Daqui vou para a Madeira, passar uns dias de ócio e, afinal,
colaborar na reconstrução. E confesso-te que sempre tive um certo fraco
pelo Al João. Gajo firme e que diz o que se impõe nos momentos próprios.
E tem senso de humor – não te recordas do que ele disse a propor como
reunificador do partidão o jovial Marcelo?
AS – Óquei, então. Obrigado por estes minutos a Vossa Excelencia!...
JJ – Ah patife, tu tinhas de me jogar essa piada final! Mas está bem,
até sempre a ti… e aos devotados leitores!
(Trabalho vectorizado ns/as) |