Fui, até há quatro meses, o funcionário responsável pelo Centro de Estudos que lhe está anexo.
Devido a este facto – acrescentado à minha condição de publicista –, tenho-me debruçado ao longo dos anos sobre a vida deste excelso Poeta, nomeadamente as relações epistolares e literárias que manteve com escritores brasileiros como Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Ribeiro Couto (que o visitou numa noite sobre que há relatos), José Paulo Moreira da Fonseca, Murillo Mendes, Herberto Sales, Álvaro Lins, Mauro Mota, etc. Também na sua biblioteca brilham diversos autores de Cabo Verde.
Nesse contacto que estabeleci com a figura de Régio, um caso avultou a partir de dada altura a meus olhos: a sistemática ocultação que certas gentes têm tentado efectuar sobre a relevância de ter tido José Régio uma filha de uma senhora com quem se relacionou quando ainda era estudante em Coimbra, em cuja Universidade se licenciou em Filologia Românica. Apesar de citado por destacados estudiosos da vida e da obra regiana, nunca este facto – que Régio jamais esqueceria e considerou (veja-se o seu poema “Obsessão”, dado adiante) como o mais importante da sua vida – recebeu uma atenção específica de vulto. Alguns tentaram mesmo obscurecê-lo, mediante o silêncio que se nos antolha provir da hipocrisia mais marcada.
E isso considero-o caracterizador de certa gente da cena intelectual lusitana onde, a par dum ambíguo amiguismo e dum arrivismo de pequenos jogadores, existe ainda uma hipocrisia conservadora mesmo da parte de indivíduos que se enroupam com vestes aparentemente progressistas. Muitos deles, tentando apoderar-se do manuseio da vida e da obra de certas personalidades – como tem sucedido com Régio –, não recuam mesmo em utilizar a calúnia, a injúria e a difamação, como ocorreu há tempos com indivíduos castigados legalmente.
Para ilustrar, aqui deixo aos leitores que o não conheçam o poema citado, para que se veja o quanto ele revela da verdade interior que subjazia ao autor de “Poemas de Deus e do Diabo” – e que de igual modo dá também sinal claro do seu estro de excepção:
Sobre umas pobres rosas desfolhadas,
Vestidinha de branco, imóvel, fria,
Ela estava ali pronta para o fim.
Eu pensava: ”De tudo, eis o que resta!”
E entre as palpebrazinhas mal fechadas,
(Como um raio de sol por uma fresta)
O seu olhar inda me via,
E despedia-se de mim.
Despedir-se, porquê?, se nunca mais,
Sobre essas pobres rosas desfolhadas,
A deixei eu de ver…, imóvel, fria.
Pois eu, acaso vivo onde apareço?
Lutas, ódios, amores, sonhos de glória, ideais,
Tudo me esqueceu já! Só não esqueço,
Entre as palpebrazinhas mal fechadas,
Aquele olhar que inda me via.