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NICOLAU SAIÃO |
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AS CRÓNICAS EVENTUAIS
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O macaco e a essência |
Tempos atrás vi na TV uma
cena que me esclareceu para sempre sobre as misérias e as grandezas da
actividade pública – política, religiosa, militar, desportiva, judicial.
Com um famoso condutor de massas, um desses seres excepcionais que movem
multidões?
Nem por sombras!
O protagonista que me
elucidou foi um humilde vigarista de bairro…
Melhor dizendo: modesto,
insinuante. Com uma forma de estar na vida que depressa conquistou –
pois participava num talk shaw posto a correr por uma esbelta serigaita
das nossas tardes televisivas – a assistência que o ouvia quase
fascinada.
O inspector da polícia
que em tempos o prendera, também presente no programa, bem se fartou de
prevenir os espectadores de que era mesmo aquela a técnica de que o
indivíduo se servia para perpetrar os seus golpes. E que propiciava que
um simples mortal, depois de o ouvir, lhe entregasse tudo o que ele
queria. “Já vos conquistou a todos!” - dizia o pobre chui (polícia) em
desespero de causa – “ Digam lá se agora não entravam no negócio que ele
vos propusesse…”. E o simpático vigarista, com um sorriso fraternal no
rosto aberto e franco, saiu do cenário coroado por uma enorme salva de
palmas.
Eu e milhares como eu,
decerto, acolhêmos com proveito a inapreciável lição que ali nos fôra
dada.
Lembrei-me disto e
recordei também uma notícia referente ao ex-ministro Alain Joupé, que
tinha tempos atrás sido condenado a 18 meses de prisão com pena suspensa
(é sempre pena suspensa a que estes ilustres cidadãos apanham) para além
de 10 anos de impedimento de se candidatar a qualquer cargo – por ter
cavilosamente manipulado uns dinheiriros chegados aos seus bolsos de
forma esquisita.
Ora o Supremo Tribunal,
instado a pronunciar-se, reduziu para catorze meses a pena aplicada,
além de considerar que lhe bastava um aninho de travessia do deserto.
Em 1999, num encontro
sobre Literatura Policial numa cidade francesa, defendi a tese de que “o
sistema judicial é o cancro que está a destruir a Democracia”, a qual
foi bem acolhida pela assistência que me quis ouvir. E disse ainda que o
sistema judicial politicamente correcto, éticamente corrompido até à
medula, não o era devido a magistrados receberem dinheiros desta ou
daquela entidade mas sim por no seu coração e no seu cérebro – com as
naturais excepções - aceitarem o jogo de que os poderosos são seus
irmãos de cena e portanto credores de cuidados especiais, aliás
generosamente dispensados.
Mediante o estatuto
granjeado pelas suas qualificações pessoais – companheirismo de
formatura, de família (pessoal ou política), lábia poderosa e poderoso
desembaraço, preparação e cultura – o homem público cai no goto do
vulgus pecus e daí em diante praticamente tudo lhe é consentido.
Passou-se com Joupé como se tem passado com outros simpáticos safardanas
europeus e mundiais, que quais sempre-em-pés logo se erguem e seguem
triunfantes ou pelo menos perdoados mal os atira a terra uma vigarice ou
um acto assacanado. Ou o simples desprezo que acalentam pelo povo, sobre
o qual tripudiam com o beneplácito dum universo societário podre e
complacente para com esses irmãos naturais, que aliás lhe pagam com
juros deixando os seus próceres bem ancorados no seu específico conforto
corporativo.
E tudo isto é mais eficaz
– e muito mais inquietante - que a simples vigarice dum tratantezito de
bairro… |
O coração do Mundo |
Tempos atrás, numa clínica
americana, uma criança recebeu um coração novo.
O facto não causaria estranheza não
fôsse dar-se a circunstância de a criança ser um bebé de tenra idade.
Agora, com o seu coraçãozinho batendo serenamente, a pequenita - pois
trata-se de uma menina - irá pela vida fora.
Esperemos que vá. De acordo com os
médicos que procederam ao transplante a pouca idade da garota favorece o
resultado da operação. Com o seu pequenino coração tiquetaqueando,
Philipa enfrentará o mundo e as suas tristezas e alegrias. Com esse
coraçãozinho de empréstimo – que será todavia muito seu – conhecerá tudo
o que uma criança do quotidiano ocidentalizado usa experimentar: o
despertar lento para a vida de relação, o progressivo descobrir da
existência, a surpresa das brincadeiras e o esforço controlado do
trabalho. Conhecerá outras crianças, outras vidas: outros corações.
Conhecerá um dia o amor e a amargura – embora, prosaicos que todos
somos, bem saibamos que não é no coração que residem os sentimentos.
Mas, como referia Richard Lewinson (esse mesmo, o excelente historiador
francês que, curiosamente, foi também o criador de uma das figuras mais
conhecidas do moderno relato policiário, o Tenente Columbo) “prestemos
homenagem à fantasia secular de situar no coração a morada desse mar que
sempre agitou a humanidade”.
A possibilidade de receber em termos
o coração estranho deveu-se aos melhoramentos introduzidos em certo
mecanismo de apoio por um cientista-inventor. Aliás, de acordo com as
notícias que diariamente se cruzam sobre os diversos sectores da
actividade humana, os inventos estão a conhecer ultimamente como que uma
idade de ouro. Os inventores, esses curiosos Ulisses da ciência
aplicada, se desde sempre foram apreciados pela lenda e pela literatura
de imaginação só nos últimos tempos estão recebendo uma atenção
profunda: na Bélgica, em França, nas Américas, em Espanha e até nos
actuais países de Leste, a acção desses homens granjeia o apoio e o
apreço das entidades científicas e mesmo das empresas com alta
capacidade de manejo. No fundo, é delas o benefício; e, finalmente, de
todos nós. Porque a existência é uma componente rica e articulada, nos
melhores casos, entre o espiritual e o material.
Jules Verne, que aliás morreu
desiludido com o excessivo materialismo do seu tempo e o que este tinha
por ciência definitiva, disse-o com propriedade, tal como o têm feito
outros autores que equacionaram e debateram nos seus escritos esses
temas candentes. A talhe de foice: Ray Bradbury, Fritz Leiber, Clifford
Simak, Isaac Asimov...
Mas em Portugal (como noutros
lugares…) não é, com efeito, assim. Já vai sendo conhecido nos diversos
países que um inventor, cá no jardim, passa as passas-do-Algarve para
conseguir afirmar-se. Dispondo de um poder de imaginação relativamente
limitado, formado frequentemente por homens públicos mazorros ou de
espírito bronco e politicão, o Estado português não tem tido pelos
inventores portugueses o desvelo que estes merecem. Aqui há dias um
destes homens teve ocasião de relatar na televisão a sua odisseia de
pessoa criativa num país onde a imaginação é por vezes mais bem vista a
inventar aldrabices mediáticas, cenários políticos e outras baldrocas.
Sabia o leitor que muitos dos
inventos mais úteis e comuns que aí andam p’lo mundo foram congeminados
por inventores portugueses?
Pois é verdade. O que acontece é que
tiveram de ir para as franças e araganças dar seguimento prático às suas
invenções. Cá no portugalinho tinham de se quedar como se nada tivessem
descoberto. Nem facilidades para registarem os seus trabalhos lhes eram
dadas!
Pelo que, fique então sabendo: se
acaso inventar algo e for lusitano, perca um bocado as ilusões. E
encha-se de paciência…
E se quiser ter o quotidiano
facilitado, dedique-se antes – será muito apreciado pela doce gente
politiqueira que vive um pouco em todo o lado – a artilhar uma nova
maneira de fazer o Zé Povinho esportular as lecas.
É o espírito inventivo que muitos
deles apreciam. Até lhes faz bater o coração!
ns
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Nicolau
Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou
em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália,
Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter
exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris,
Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi,
Sevilha, etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio
Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor
ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro
(1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O
desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a
sair).
No Brasil
foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e
plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a
Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique
(2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os
fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e
ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato
Suttana “Bichos” (2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na
surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na
Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.
Tem
colaborado em espaços culturais de vários países: “DiVersos”
(Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”,
“Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil),
Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),
“Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”,
“Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”,
“Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista
365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou
os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de
portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do
Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno
Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros
Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural
publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de
Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.
Organizou,
com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o
Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O
futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na
Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de
poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no
álbum “Canciones lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município
da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e,
em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de
actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de
Mérito Municipal. |
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