NICOLAU SAIÃO
AS Crónicas eventuais

OUVE, ISABEL!

Estava eu no norte e queria sair da Cidade em direcção ao Porto sem me enganar na estrada. Como gosto de olhar para as coisas, claro que me enganei. Fui dar, sem má consciência, a Serzedelo.

Fica prá direita, prá esquerda? Sei lá, mas foi ali que eu deslindei um mistério. Ao passar por uma rua apertada que precedia um largo divisei numa parede uma inscrição a tinta que me chamou a atenção e me informou utilmente. Dizia: "Amo-te, Isabel!".
Era então ali que a Isabel morava! Que mora. A Isabel nortenha dos negros olhos pestanudos que todos conhecemos.
E eu parece-me que sei, Isabel, quem te interpelou publicamente. Ou eu muito me engano ou foi aquele rapaz um pouco calado - sim, o que tem um pé ligeiramente de lado e o nariz algo torcido - que uma vez ao passar por ti junto a um café se desviou logo para tu entrares. Por um momento o vosso olhar cruzou-se e tu durante dois dias ficaste a meditar, que o moço apesar do pé e do nariz tem olhos sensíveis, bons braços de trabalhador (é empregado num armazém de pneus) e uma expressão prometedora.
E eu digo-te, Isabel: agarra-o com as duas mãos. Assalta um casino, um comboio correio. Ou vende as arrecadas que os parentes te deram. Paga a operação ao moço, que ele merece. E até pode ser que gostes do pé de lado. E do nariz torcido. E diz-lhe que leste a mensagem. Um tipo capaz de arriscar assim a reputação publicamente não pode deixar de ser um sujeito de carácter. E gostar de ti deveras.
Dá-te pressa. Põe sebo nas canelas - que tens bem harmoniosas e roliças.

Aproveita, que coisas destas não aparecem duas vezes numa eternidade.