Foi há 120 anos que ele partiu. Mas tão fresco que está - tão viçoso de versos e de perfil como os belos legumes, as flores e os frutos que celebrava nos seus poemas!
E segundo se noticia vem aí de novo, por estes dias, uma excelente reedição do seu “Livro”, que a cada ano que passa é livro de todos nós, seus enlevados e persistentes leitores.
À guisa de fraternal mirada – a esse confrade-mestre cujo registo é sempre de olhar atentamente – aqui deixo um pedaço de horizonte que dele tracei, numa tarde creio que igualmente de Março, há já alguns anos.
Com o apreço e a frequentação que não esmorecem, como as sucessivas estações em que humanamente se recreava.
Um armário, quando se abre, faz sair
de qualquer prateleira sonetos ou memórias.
E então é assim: deverá dizer-se infância?
Ou burguesa dengosa? Ou repolhos franceses?
Ou manjericão, que alinda as estrofes várias?
A palavra é, como se sabe, inútil
se pelo meio perdemos anos ou dedos impacientes
pondo-se em tudo: sentimentos nutridos
de coisas que encontramos ou buscamos achar
em seios parisienses ou vamos lá lisboetas
connosco em férias numa esplanada de manhã
ou seja em Carcavelos fumando o velho cigarro
ligeiramente a Sul da loja onde guardava
a memória dum Pai, a côdea manducada
no verdadeiro “Sentimento dum Ocidental”. Sim
moçoilas, saudáveis e prestantes
como nos louváveis alexandrinos
de bastante coleguia p’ra depois
do desmaio amoroso ou antes manuscrito
na Quinta se calhar de Linda-a-Pastora
que é recanto onde laranjas bem se encontram
como versos roubados e que logo
após se recomendam aos fregueses
do poema próprio ou alheio. Indiferente substância
desta e doutras
comerciais casas. O vate
procura em diversos estancos sua matéria
de viver ou morrer com chapéu na cabeça
e exegetas ao lado, perna fina
de escrita ou surrobeca nacionais. Peixe pôdre
afinal e rimas inglesas bem ferradas
com algum leve foco de infecção
bem para dentro dos versos e das cores: azul
ou verde ou vice-versa (como na anedota)
onde deviam estar violeta
ou branco nocturno. E é bom dizer-se
- para quem saiba destas coisas singulares -
que o Mestre o querido Mestre o tal do corpo
setentrional e sapiente (um pouco
digamos ao jeito do António Nobre, que por pirraça
habitava caspité! outro Parnaso)
nos seus melhores momentos dorme agora
entre braçados de camélias
ou erros tipográficos
- espinafres, beldroegas, pimentões
que é esse o melhor prato da Poesia. E isso tem
uma tal melancolia, podeis crer
que a mostrar-se em Lisboa explodiria
e rimas que aparecessem lhes chamaria um figo.
NS
in “Flauta de Pan” |