“A mais eficaz artimanha do Diabo consiste em convencer-nos de que não
existe” Baudelaire
Nos últimos tempos os órgãos de comunicação vistos, falados e escritos
têm-se referido com pertinácia ao quotidiano bichoso que envolve a
classe política nacional e
estrangeira, devido aos escândalos que de supetão, como coelhos saindo
duma cartola de prestidigitador, têm passado para a opinião pública.
Não querendo ser redundante e muito menos exaustivo, epigrafemos como
paradigmático dum certo ambiente – dado ser revelador duma (des)orientação que atingiu as
“vias respiratórias” da passagem do famigerado milénio transacto e ainda
continua a poluir os pulmões dos dias de hoje – um único caso célebre e
notório: as traquibérnias do antigo chanceler Helmut Khol, festejado
querubim e admirada figura de muitos gurus actuais, que recebia na altura
de financiadores nacionais e estrangeiros grossa fatia de milhões para
“afeiçoar” a Alemanha e a Europa a seu deles bom talante. Adicionalmente
(e a nível lusitano), anotemos as atribulações, neste momento
incamufláveis, do naquela época desqualificado e eticamente pervertido
sistema judicial e seus próceres mais relevantes.
Instado pelos investigadores para que explicasse a proveniência das largas
maquias achadas de surpresa no “saco azul” do partidão a que estava ligado
e de que na ocorrência fora demitido como dirigente, o impoluto senhor
“explicou” que o não fazia por ter dado a sua
palavra de honra de que manteria
silêncio, aos argentários (simpáticos traficantes de armas, cavalheiros de
indústria, etc) e ele gostar de cumprir com os seus compromissos.
Creio que a pergunta básica que qualquer pessoa decente fará não andará
longe disto: mas qual honra?
Eu ainda me lembro, vinda dos meus tempos de adolescente, desta noção
primacial que me chegava salutarmente: a honra consistia em se ficar
jungido, sem necessidade de papéis ou formalismos opressivos, à palavra
dada por motivos legítimos.
Creio que isto é elementar e entendível.
Ter apelado aquele antigo político germânico – como qualquer protagonista
nacional – para a honra num caso sórdido de tráfico de influências, mesmo que
habilidosamente tapado com o pretexto da construção/manutenção da Europa,
ou da respectiva nação, é um índice que nos esclarece luminosamente sobre
os métodos destes “grandes homens”, destes homens de poder, que bem
escrutinados se revelam sim “grandes homens de recursos diversos” para
manutenção da bambochata – ou, se preferirem, do “pântano”. Desse pântano
que, naquela ocasião, revelou como um “acérrimo defensor da Europa de
sucesso” era, afinal, um manipulador emérito…
E aqui é que o perfil do antigo mandante tem ligação psicológica e muito
material com o que se vai passando neste país.
Também em Portugal – agora percorrido, habilmente, por um clima de afectos
e palmadinhas reconfortantes, até que o dianho apareça – existem ritmos
legais e determinações que só se destinam a manter um estado de coisas
favoráveis aos poderosos, exactamente igual (digamo-lo sem medo e sem
rebuços) ao que vigorava nos tempos da velha senhora.
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Portugal continua
sendo, como concluí através dum estudo que desaguou num texto que
apresentei num Encontro realizado em França, uma “sociedade criminal”,
sendo o duvidoso ou orientado sistema judicial (seja na vertente jurídica
ou financista) um dos estranhos instrumentos de que a classe dominante se
serve para – mediante caquexias e desvigamentos – perpetuar o seu império
sobre o cidadão comum. De alguma maneira, também ali o sentido da honra
está desvirtuado através de
prescrições absurdas, inconsequências processuais, amnistias de esquisito
recorte. Tudo coisas que geram na população um sentimento de impotência,
de desconforto, de inquietação pautado pelo descrédito vergonhoso em que
as instituições específicas mergulharam e que até nos casos pontuais em
que agem correctamente deixam um ressaibo de dúvida ou um halo de receio.
Significa isto que a honra dos políticos, de certos políticos pelo menos,
se assemelha e se parece muito
com a famosa “solidariedade dos crápulas” a que Teófilo aludiu no passado.
…E como certos operadores do quotidiano nos tentam encaixar na mente, sem
ser por inflexão metafísica, o Diabo não existe – mesmo que tenha sido ele
mesmo a encorpar e a gerir a sua imagem arteira, tenaz e sumamente
perigosa de “príncipe das trevas”…democráticas.
ns
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Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia,
Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto
individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto,
Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha,
etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia
ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia
geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan”
(1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do
tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica
(“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed.
Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O
armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos
de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o
mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos”
(2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade
em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas
sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado
em espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios,
“Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”,
“La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”,
“Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos),
“Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou os
livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas”
de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo
Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e
“Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado
mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março
de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”
(1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio
Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e
pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones
lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da
sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001,
a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e
cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.
Blog : Ablogando, em:
http://ab-logando.blogspot.pt/ |