LM - Concorda com o voto obrigatório?
NS – Não concordo. Efectivarem a obrigatoriedade de
voto seria, nesta conformidade, um abuso mais e uma prepotência mais sobre
o povo e a Nação. Uma vez que – como se compreende – a abstenção é talvez
e nestas circunstâncias específicas a derradeira arma que resta aos
cidadãos para manifestarem o seu descontentamento para com a muito
duvidosa classe política que, ardilosamente, capturou os ritmos realmente
democráticos que o Povo luso devia dignamente desfrutar e lhe têm sido
camuflados.
LM - Não é
novidade que certos interesses instalados são protegidos pelas próprias
leis. O que está mal? Que medidas entende que deveriam ser tomadas? Tem
algumas ideias?
NS – Eu colocaria aqui uma “nuance”: leis, umas,
arranjadas em moldes tais que são a indumentária apropriada para
salvaguardar os interesses espúrios de certos sectores que tripudiam sobre
os cidadãos, de forma irregular e sem ética. Outras, adequadas e feitas
por legisladores honestos e que ainda se respeitam, mas desvirtuadas nas
instâncias próprias mediante o domínio de entidades que se habituaram a
estar acima dessas mesmas leis e que, pese ao trabalho digno das diversas
polícias que estatutariamente velam pela boa conduta societária, têm
dominado Portugal como se duma herdade ou duma quinta suas se tratasse.
O que está mal é, fundamentalmente, os
“konzerns” políticos terem subjugado em grande parte o poder judicial e
terem esvaziado o direito cidadão de exigir verdade e transparência às
instâncias gerais governativas e executivas.
A meu ver, o panorama pode ser modificado –
contando-se com as naturais demoras – se Associações de cidadãos levarem
os casos evidentes às instâncias internacionais próprias, nomeadamente ao
Tribunal dos Direitos Humanos. Paralelamente, portas adentro, essas
associações conseguirem que as pessoas da magistratura ajam conforme o
verdadeiro Direito, hoje em grande parte colonizado por tartufos ou
oportunistas que se servem do seu poder para tripudiarem e intimidarem os
cidadãos de bem. E, adicionalmente, dar-se apoio aos que tentam servir
esse mesmo Direito para limparem da Pátria as emanações mefíticas com que
certos caudilhos a enlameiam.
LM - Penso eu que o combate à corrupção passa pela
inversão do ónus da prova. O que pensa? Por que não o entendem assim os
políticos?
NS – O combate à corrupção é, diria eu de novo como o
disse numa conferência efectivada em França e depois publicada em diversos
países (europeus e americanos), o combate nuclear da nossa Nação!
Assim sendo, a inversão do ónus da prova é uma medida
legítima do todo desse bom combate. Sejamos claros: só o teme quem tem
razões para o temer. O virem com a declaração de que tal seria um atentado
aos direitos dum qualquer visado é, apenas e tão-só, uma frase feita, uma
desculpa para se manter o ambiente apodrecido em que os velhacos se têm
repoltreado. Quando eles dizem direitos humanos dum visado o que de facto
buscam é tornar ainda mais impenetrável a barreira de privilégios que tem
protegido os fautores de verdadeiro roubo existente. Pois sabe-se a
dificuldade que existe, da parte dos investigadores – hábilmente enleados
em correntes processuais – em clarificarem a vigarice e a burla.
Certos políticos – e não digo todos porque ainda
há, creio, gente séria na política – procuram entravar o assunto porque
temem que havendo limpeza e dignidade os seus interesses e os de
apaniguados deles seriam postos em causa. Creio que é tão simples como
isto…
LM -
Um político dizia recentemente que o maior défice que
temos é o do "conhecimento”. Mas em meu entender o mesmo não se aumenta
através da distribuição de diplomas…
NS – Diz muito bem. E urge dizer desassombradamente: se
temos pouco conhecimento em Portugal isso deve-se precisamente às manobras
psicológicas e específicas que têm norteado a “conquista” do conhecimento,
torpedeado por manejos que visam analfabetizar verdadeiramente os cidadãos
– e não só nos estabelecimentos de ensino, colocados com frequência na
situação de verdadeiras máquinas de propaganda disfarçada, veiculando a
ideologia e não a ciência, criando um clima de mentira e de logro pese aos
esforços dignos e honrados de mestres devotados e que são por vezes os que
mais sofrem o ambiente de mediocridade induzida. Com o apoio sinistro,
repare-se, de mídias ao serviço da autêntica ditadura de manipulações
grosseiras, de que a TV pode ser exemplo a dar.
LM -
Em empregos que exigem habilitações até ao 12º ano,
penso eu todos deveriam depender de uma prova elaborada em conformidade
com as exigências do mesmo (podendo também concorrer quem não tivesse a
referida certificação dado que o conhecimento está onde existe o saber).
NS – Concordo plenamente. Mas isso não
sucede porque, a suceder, impossibilitaria a faculdade de se manejarem as
célebres “cunhas” (pessoais ou partidárias), tornadas em Portugal (hoje
como nos tempos do anterior regime) uma verdadeira instituição…!
LM -
Que medidas preconiza para que possamos ter um país mais culto?
NS – Em primeiro lugar, permita-me o caro confrade uma
afirmação de base, uma frase situando os dados da questão: a cultura traz
consigo sempre a capacidade de nos interrogarmos sobre o Mundo e a
Sociedade - assim sendo, um país mais culto é, de forma legítima e
natural, mais exigente no contexto social e, por extensão, societário. E o
sonho de qualquer autoritário, de qualquer manobrador – individual ou
colectivo – é que o seu mundo de domínio não lhe coloque perguntas,
dúvidas ou exigências. Portanto, esses dominadores colocam entraves ao
saudável crescimento cultural, o que permite a mentira ideológica, a
prepotência doutrinal e existencial, a parlapatice que facilita a
“vidinha” aos sátrapas, aos “condottieris” e aos totalitários, sejam
cinzentos ou vermelhos. Sejam laicos ou fideístas!
LM -
Acontece, e não raramente, que pessoas mesmo
licenciadas, se lembram de escrever sobre temas de que nada sabem, o que
se torna perigoso dada a sua posição social os tornar credíveis para muita
gente. O que pensa dessas pessoas?
NS -
Em primeiro lugar, sei que o que diz corresponde bastas vezes à realidade.
Dado que estou ligado, por razões específicas, a órgãos culturais e de
comunicação em vários locais do mundo, tenho o modesto privilégio de
dispor de um razoável miradouro sobre esse panorama…
Não devemos esquecer-nos que a pedantice, a
falta de vergonha e o atrevimento são algo muito distribuído/difundido em
certas gentes. E se os licenciados são, maioritariamente – permita-se-me
esta confiante generosidade formal – pessoas de bem, diplomados dignos e
que se respeitam a si e aos outros, também há entre eles insensatos,
pretensiosos e canalhas que não prezam nem a honestidade intelectual nem a
educada dignidade que uma colação de grau deve transportar consigo. Não
devemos esquecer, ainda, que a partidocracia lusa tem incrementado os
“doutores da mula ruça” – todos conhecemos os politicões que se
especializaram em licenciaturas de aviário e de exames ao domingo, para
hipnotizarem os pobres populares a quem indrominam com superioridades de
cana-rachada…
LM -
E a terminar, uma mensagem…
NS – Serei muito breve: a exemplo do que noutra
circunstância e enquadramento dizia Montesquieu, guardemo-nos de políticos
mentirosos, de cozinheiros de refeições intragáveis e de actores
canastrões.
Actores da coisa pública, naturalmente…
No que pessoalmente diz respeito ao confrade,
desejo que mantenha durante muitos anos a sua bela disponibilidade para
continuar a efectuar o seu espaço cultural – que sei hoje lido e seguido
em Portugal e em diversos locais do estrangeiro, pela qualidade de artigos
e, também, pelo prestígio dignamente conseguido pelo caro amigo nos seus
anos de defesa da Cultura qualitativamente encarada. Os Linos Mendes fazem
falta e são um refrigério neste mundo que muitos queriam sombrio e sem
ética. Bem haja e fica o abraço firme do seu
NS/FG
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