Nova Série

 
 

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO
Pessoa inúmero
   aos Irmãos de H.

O que me interessa em Pessoa (máscara)

seja ele Fernando, Alberto ou Álvaro

é o ar grego e geométrico da sua casa

- casa dos seus versos exteriores -

onde as plantas terrenas, totalmente terrenas

com que enfeitou os seus dias e noites

aguardam sonolentas no calor do dia

a música, as abelhas, a lenta putrefacção

da clara Natureza na noite nascente.

 

Parece que escrevia bem o inglês

(descobriram isso, embora não seja seguro

depois de falecer)

tão bem que os rostos de Tennyson,

Shelley, Whitmann, Shakespeare

e alguns outros indistinguíveis

vieram pousar sobre o seu rosto engelhado:

numa aldeia galesa os habitantes

julgam recordar-se dum fantasma de gabardina

que numa tarde foi segundo consta   avistado

por velhos, crianças e amáveis mulheres

andando entontecido pelas ruas sem destino

sombra aqui, sombra acolá

- o que era, aliás, apenas fingimento.

 

Por cá evidentemente sua-se de novo

o ranho, o esperma e o sangue dos poetas

(carrascão, ginjinha, uísque e soda?)

a sério e a brincar

o que dá jeito    expressão    serenidade.

Algures, num jardim real, o neófito agoniza

ombro com ombro, barba com barba

para que a chama da candeia luza ainda

numa rua onde nunca choverá

Algures, um laranjal incendeia-se de repente

e as aves partem em bando

mas já frias como dobrada à moda

de nenhures. Numa sala

um gato absorto olha o mostrador dum relógio

olha sem entender

e numa certa janela um lenço acena de vez

 

E a figura de arame de Pessoa (máscara)

dentro dum automóvel de brinquedo

na velha estrada de Sintra

que não existe, nunca existirá

- e por isso, ó minha alma, é bem real -

despenha-se explodindo no coração

 

do Mundo (ausente). 


Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.

Blog : Ablogando, em: http://ab-logando.blogspot.pt/