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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
Nova Série |
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NICOLAU SAIÃO
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Relembrando António Luís Moita
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Em finais do século transacto efectuei uma
exposição de pintura (“A aventura
interior”), na galeria da Região de Turismo de São Mamede.
Essas 18 obras, do óleo às técnicas mistas e do médio ao grande formato,
tiveram um escrito de apresentação, no Catálogo (iluminado pelo quadro que
ali acima é mostrado) da responsabilidade de António Luis Moita.
Junto desse artigo, na carta que mo enviava, o poeta de “Cidade
sem Tempo” incluiu um poema inédito que aqui se apresenta a seguir ao
texto referido - significativamente intitulado “Escutar
Pintura”.
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António Luís Moita (1925-2013). Funda e
dirige, em 1951, com António Ramos Rosa, José Terra, Luis Amaro e Raul de
Carvalho, a revista “ÁRVORE – Folhas de Poesia”. Poeta destacado da nossa
modernidade, é autor dos livros Rumor(51), Teoria do Girassol(56), Sal(62)
e Cidade sem Tempo(85). Está
representado em antologias estrangeiras e nas mais importantes antologias
portuguesas, nomeadamente “Alma minha gentil – poesia de amor portuguesa”
e “Na mão de Deus – poesia religiosa portuguesa”, organizadas por José
Régio e Alberto de Serpa, “Líricas portuguesas (1958/1983) por Jorge de
Sena e “O Trabalho –antologia poética”, de Armando Cerqueira, Joaquim
Pessoa e José do Carmo Francisco. |
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ANTÓNIO LUÍS MOITA
Escutar Pintura |
Penetra surdamente no reino
das palavras.
Lá estão os
poemas que esperam ser escritos.
Ei-los sós
e mudos, em estado de dicionário”
Carlos
Drummond de Andrade
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São sete (número
cabalístico) as notas musicais. Sete, também, as cores do espectro solar
perceptíveis no arco-íris. São incomparavelmente mais numerosas as
palavras de A a Z que um bom dicionário contém. Todos sabemos isso.
Tendo acesso a dados tão comezinhos, a essa
matéria-prima, qualquer homem pode ser um músico, um pintor, um poeta. E
qualquer músico, pintor ou poeta pode realizar obras imperecíveis. Basta
querer.
Há, porém, um “não-sei-quê” que impede
que assim aconteça. Talvez porque nem todos tenhamos nascido com vocação
para artistas. Talvez porque, mesmo vocacionados para isso, não nos seja
fácil a tarefa de associar sons, cores ou palavras, de forma a produzirem
beleza e emoção memorizável.
“Penetra surdamente no reino das
palavras” – recomendava aos outros (e a si próprio) o poeta Drummond de
Andrade. Surdamente. O advérbio
surge, no verso referido, como um aviso.
Tem a força de uma chave que range na
fechadura de ferro antes do “clique” final. Exprime exactamente o
contrário do que a palavra “em estado de dicionário” significa. Pois acaso
surdamente pode querer dizer –
como quer! – com os ouvidos
apuradíssimos? Trata-se de um erro? Ou antes da subversão de que a
Poesia é capaz para despertar o que nos homens permanece adormecido?
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Pintura de Nicolau
Saião |
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Temos defronte dos olhos
uma exposição de pintura. De que é autor um poeta. Empenhado – como ele
confessa numa carta – “nesta via que une, sem esforço nem abuso, a poesia,
a vida, o trabalho e a maravilha”.
No mundo da Arte, Pintura e Poesia
tocam-se, reconhecem-se, interpenetram-se como irmãs siamesas. Na onra de
Nicolau Saião também. Poesia e pintura coabitam, nela e nele, em sintonia,
completando-se uma à outra. Ambas são reveladoras de um artista ávido de
vida que tem a coragem dre, afirmando pouco, fazer a tudo o que o rodeia
inquietantes perguntas. Em ambas é patente a insatisfação de um homem
fraterno que, num ambiente hostil (ou, pior do que isso, indiferente)
procura, no reino das cores e das palavras, uma saída salvadora, de
redenção muito menos pessoal do que colectiva.
O que posso recomendar a quem, neste
momento, visite os seus trabalhos de pintura é que não tente apreendê-los
logo. Basta que, primeiro, os fite. Um após outro. Devagar. E que depois,
lá fora, longe deles, surdamente os escute, cegamente os veja, em absorção
fecunda. Lá fora, na rua, no anonimato de todos nós, quando a memória
ilumina. Porque é aí que respiram.
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LUPAS
Formam
sentido as palavras
no azul em
que são ditas
sílaba a
sílaba, dadas
à teia tensa
da tinta?
Ou só quando
evaporada
sua túnica
sortílega
acordam
desse letargo,
rangem,
sentem, significam?
São
milenária memória,
feitas de
saibro e de cinza,
ou água que
se renova,
laranja que
se imagina?
São, por
enquanto, palavras
sibiladas
que associo
como
soldados, soldadas
numa
inocência de anil.
No ludo –
mosto das horas –
decantam
devagarinho
formamdo
bolhas gasosas
à superfície
do linho.
Uma definha,
outra cresce.
Esta canta,
aquela ri.
Farão
sentido mais tarde
mas não
agora ou aqui.
Para já, são
caravelas
num mar de
espuma de vidro.
Ou lupas.
Através delas,
movido por
suas velas,
viajo,
invento, investigo.
- Como se
fossem janelas
e tu, poema,
um postigo.
António Luís
Moita
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Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia,
Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto
individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto,
Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha,
etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia
ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia
geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan”
(1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do
tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica
(“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed.
Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O
armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos
de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o
mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos”
(2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade
em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas
sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado
em espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios,
“Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”,
“La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”,
“Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos),
“Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou os
livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas”
de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo
Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e
“Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado
mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março
de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”
(1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio
Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e
pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones
lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da
sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001,
a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e
cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.
Blog : Ablogando, em:
http://ab-logando.blogspot.pt/ |
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