Mike Hammer, ao contrário dos chevaliers sans reproche Marlowe ou
Sam Spade, passara pelas vielas enlameadas do Bronx e de Brooklin donde o
seu criador era originário e onde recebera as primeira lições duma Nova
Iorque onde o seu pai era barman. Onde Marlowe artilhava um soco no
queixo, Hammer socorria-se dum balázio entre os olhos. O universo onde se
movia perdera a rude polidez e os vilões não eram de facto cavalheiros,
ainda que perigosos. Eram cruéis, frequentemente nefandos e o seu palco
era o de uma sociedade donde o romantismo fora banido e vivia nos
escombros dum final de guerra (que ele fez como instrutor de aviação) e os
ergástulos da “guerra fria” onde o som que vinha do outro lado do oceano
não era o dos amanhãs que cantavam mas o ululante queixume dos campos de
concentração estalinistas que ele sempre combateu a par do nazismo.
Os membros do partidão, devido a isso, desencadearam contra ele diversas
campanhas difamatórias visando calar o seu espírito indomável. E, no
entanto, foi ele que num celebérrimo “Kiss
me deadly” (O beijo fatal) – que Robert Aldrich levaria ao cinema e
tornaria lendário pois pela primeira vez era abordado o problema da
proliferação nuclear – desmascararia o perigo e a inconsciência dos que
visavam aniquilar a humanidade através da defesa dos seus interesses
egoístas.
Esta entre outras verdadeiras baladas novelísticas, cujos títulos aliás
passariam a fazer parte não só da iconologia policiária como do próprio
léxico quotidiano: “A grande caçada”, “A vingança
é minha”, “A longa espera”,
“A minha arma não perdoa”, onde
eram traçados os sinais reconhecíveis das megatowns com todos os
problemas típicos dum mundo em transformação acelerada: gangsterismo,
corrupção, alcoolismo e traficância, nomeadamente nas esferas
institucionais – mas igualmente o sinal de que numa sociedade aberta o mal
pode extirpar-se, dado que não é de índole metafísica mas sim originado
por coisas bem reais e, por isso, irradicável.
Tentaram chamar-lhe racista porque falava sem paninhos quentes nos bairros
negros pululantes de miséria donde a compaixão estava banida; e
reaccionário porque não fazia o jogo politicamente correcto dos que a
leste visavam instaurar novos cárceres; e machista porque denunciava o
matriarcado americano, com o seu ror de felonias e de deusas hipócritas e
aproveitadoras; e brutal, porque – como o têm feito nos tempos mais
chegados Giorgio Scerbanenco e Jean-Christophe Grangé – nos descrevia um
mundo tirado a papel químico do que todos nós conhecemos dos noticiários
mais exactos.
Mas hoje a panorâmica está completa e já se percebe melhor que afinal
fazia parte como, noutro registo, Horace McCoy, Faulkner, Irwin Shaw e
muitos outros, ao grande e riquíssimo filão dos realistas americanos.
Caiu o guerreiro – e, por mim, relembro-o e saúdo-o com um simples e
conciso “longo e duro olhar”.
So long, Mickey!
ns
|
Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia,
Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto
individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto,
Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha,
etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia
ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia
geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan”
(1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do
tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica
(“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed.
Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O
armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos
de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o
mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos”
(2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade
em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas
sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado
em espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios,
“Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”,
“La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”,
“Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos),
“Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou os
livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas”
de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo
Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e
“Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado
mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março
de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”
(1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio
Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e
pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones
lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da
sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001,
a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e
cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.
Blog : Ablogando, em:
http://ab-logando.blogspot.pt/ |