No Outono, como és um bom rapaz
e a estação incita às boas maneiras
antes do entardecer, à hora do jantar
ouves tal qual na Rádio os amados Mestres
dizendo com meiguice
com majestosa serenidade:
Fala do que sabes, do que vês
Olha além o Oceano Principe
das fábulas
Uma resma de angústias de espantos de alegrias.
Faz isto assim e assim e depois deita-lhe molho.
Fala com voz franzida como os companheiros de
bulício.
Prepara-te para resistir aos séculos.
Mas eu digo-te moço: atenção aos sinais
Põe-te um bocadinho na retranca
Cria fôlego, desatrela os joelhos
Prepara-te para correr.
Como és um bom e amável companheiro
de mão aberta no ar
como pequena planta ou flor primaveril
em dias de alegre sol os teus ouvidos amplificam-se
e começam a chegar-te maviosas vozes do éter:
A nossa voz é bela como o recado duma amante
Estamos deste lado
onde florescem as roseiras
Maridião Setentrião
Temos os segredos das auroras
Etc. e tal
Mas eu digo-te e desculpa lá o mau jeito
- raspa-te, pula, sê mesmo uma lebre dos matos
dá às de vila diogo e não olhes para trás.
A rapariga formosa com um espelhinho na dextra
e um pente de marfim na sinistra
não lhe achas mesmo um ar esquisito?
Bom, é lá contigo
Mas eu digo-te e desculpa lá se te estorvo:
- dá o fora, desarranca-te, põe-te n’alheta
Em suma, desaparece a sete pés
Sê mesmo como corça dos velhos bosques
Pula corre todo o cuidado é pouco.
És um belo parceiro, atento arguto
quiçá um poucochinho um poucochinho palonço
- uma coisa como sabes às vezes inclui a outra –
calmo lendo devotamente os anjos e os arcanjos
da santa época literária
Mas eu digo-te e perdoa lá se te atravanco:
- salta já, arrebimba, dá sebo nas canelas
safa-te antes que seja tarde.
Não tens notado umas figuras evanescentes
nas ruas que, julgas tu, tão bem conheces?
Não notas que a dama do lado ou o senhor vagaroso
parecem ter na face umas sombras mais que
suspeitas?
Quando transpões a porta quando olhas em redor
não sentes os minutos assim a modos que encolhidos?
Sim, és um bom sujeito. Repleto de conceitos
tão fiáveis e perfeitos como os de Séneca ou
Pascal.
Mas não tens notado algures presenças algo difusas
c’um ar um pouco estranho como no cinema os
monstros?
(Trad. ns)
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Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia,
Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto
individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto,
Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha,
etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia
ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia
geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan”
(1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do
tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica
(“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed.
Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O
armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos
de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o
mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos”
(2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade
em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas
sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado
em espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios,
“Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”,
“La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”,
“Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos),
“Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou os
livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas”
de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo
Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e
“Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado
mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março
de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”
(1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio
Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e
pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones
lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da
sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001,
a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e
cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.
Blog : Ablogando, em:
http://ab-logando.blogspot.pt/ |