Nova Série

 
 

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO...
OS VERBOS IRREGULARES
Cenários trucados*

a Jean Pierre Andrevon

  Lembra-se, confrade leitor?

  Tempos atrás – 20, 30, quarenta anos atrás – os jornais e os comics bd costumavam dar a lume uns concursos peculiares e muito populares: forneciam-se pequenas estorietas e os leitores tinham apenas de escolher entre o certo e o errado. Era real ou apenas cenário?

  Ou então era posta uma série de afirmações e tinha, apenas, de se escolher a exacta entre várias possíveis respostas avulsas.

  Quem acertasse ficava habilitado a receber geralmente uns livritos ou uns bilhetes p'rá bola.

  Era compensador, claro.

  Hoje vou, com nostalgia, propor-vos um remake, digamos assim, dum desses amenos concursos.

 Mas como, mau grado a minha vontade, não disponho de livros ou de bilhetes para oferecer, substituo-os por algo menos ponderável mas muito mais conveniente – pelo menos para mim.  

  Ofereço-vos algo de espiritual! E que vem a ser – a célebre satisfação do dever cumprido. 

  E vamos ao Concurso. Mas dou já de barato, como usa dizer-se no proverbial ante-propósito de romances e filmes americanos, que qualquer semelhança com a realidade é pura e evidente coincidência! 

  No final oferecem-se, com muito gosto, as soluções.

 

1. Em certa localidade um cidadão apresenta queixa contra um magistrado, por alegadamente este ter tentado fazer chantagem com ele (Gregório) e um sócio (André). Uma brigada de agentes da autoridade investiga o assunto durante o tempo necessário, tendo ficado provado que o suspeito tentou entretanto mandar prender sob alegações aleivosas uma das testemunhas nucleares. Na sequência do posterior julgamento, extremamente emotivo, o magistrado é absolvido e reconduzido. É-lhe paga uma vultuosa indemnização. Cerca de um ano depois os dois sócios têm o que merecem - vêem a sua empresa ser investigada e um deles é preso. A mulher de um deles suicida-se e a filha foge de casa, acabando viciada em último grau numa viela da capital. 

2. Num dado local dois indivíduos de meia idade batem à porta de uma vivenda.  A dona da casa (Helena) vem abrir e dizem-lhe ao fazerem-se entrados: “Foi a senhora que nos mandou chamar para arranjarmos o sistema eléctrico?”. Enquanto ela, interdita, procura afirmar-se na memória ocasional, um deles cerra a porta, empurra-a e tapa-lhe brutalmente a boca. O colega, com um trejeito e de revólver aperrado, entra numa das salas laterais. Nesse momento a pessoa que ali estava (Amadeu) e se acobertara agilmente tenta aplicar-lhe um vigoroso golpe de savate. Um tiro certeiro prostra-o ferido de imediato. O outro desfecha através da porta dois tiros que colhem a mulher, que lograra escapar-se à investida, numa perna e num ombro. Com a respiração opressa, ela consegue mediante o telemóvel chamar a polícia. Os assaltantes põem-se em fuga.

  Juntam-se alguns vizinhos. A polícia chega em bom tempo, cerca de 1 hora depois. vNenhum dos agentes se intimida ante os vizinhos que protestam pela demora e, pelo contrário, levam um deles bem algemado por alegadamente ter insultado a autoridade.

  Três meses depois é julgado. Apanha 1 ano de prisão, que é para não ser desrespeitador.

  O caso  tem outros interessantes  desenvolvimentos. 

3. Numa povoação do interior o comandante da Polícia denuncia publicamente que subordinados seus andaram a roubar, através de conluios com destacados comerciantes locais, o erário público.  

   Oito deles são suspensos. O caso vai para as instâncias próprias.

   O tempo vai passando e nunca mais se sabe de nada. Silencio total. Então, um belo dia, chega à cidade um forasteiro que se põe a fazer perguntas... Dias depois desaparece. Deve ter ido para o estrangeiro, pois ninguém mais lhe pôs a vista em cima. Os suspeitos são ou transferidos com garantias de permanência ou continuam a exercer no seu posto/lugar de trabalho.  

4. Num lugar xis um destacado médico é aleivosamente acusado de ter tentado espancar um colega e roubar segredos da clínica de alta qualidade onde oficiava. Entretanto a sua esposa falece e ele vê-se forçado a fugir para escapar à polícia. Passa-se um considerável lapso de tempo e, devido à acção dum jornalista local, descobre-se que tudo fôra congeminado por um poderoso político daquela região, comprometido num escândalo de tráfico de influencias envolvendo muito dinheiro.  

  Nenhum órgão de comunicação tem necessidade de um eficaz e habitual cover-up, dado que o protagonista é pessoa com bons apoios. 

                                                 (Intervalo para raciocínio)

 
 

Como praticamente todos os leitores entenderam de imediato (os que calharam de não acertar estavam obviamente distraídos) todas estas estorinhas são tiradas da ficção – e não se passaram, evidentemente, no nosso país!

O segredo – e a eventual piada, digamos, da coisa – consiste nisto: limitei-me a reproduzir abreviadamente e com ligeiríssimas variantes o argumento de 4 conhecidos filmes, a saber: “Horas sombrias”, de Lance Gordon; “Colorado Springs”, de Bob Sinclair; “Armadilha mortal”, de John Preston e, por último, a primeira versão de “O Fugitivo”, de Malcolm Heskel e Bill Welmanns, que depois iria ter uma outra de grande êxito protagonizada por Harrison Ford .

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* Título de um dos mais famosos livros de Jean Pierre Andrevon

                                                                                                                         ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.

Blog : Ablogando, em: http://ab-logando.blogspot.pt/