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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
Nova Série |
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NICOLAU SAIÃO Passagens de nível e iniciações |
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1. Introdução
2. Pequeno enfoque histórico
3. Do Meco e doutras malas-artes
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1.
Introdução |
…E eis senão
quando, a pouco e pouco e ao ritmo dos relatos paulatina e sabiamente
doseados pelos “órgãos de comunicação” (capitaneados pelos tabloides), o
país que ainda lê e que muito vê televisão e lateralmente ouve a rádio,
acordou para um epifenómeno que se habituara a simplesmente relancear ou,
quando muito, a contemplar em diagonal: a brutalidade ou o desaforo das
chamadas “praxes” académicas.
Brutalidade e desaforo esses, exercidos não em todos os lugares, não em
todos os “estabelecimentos de ensino”
(como reza a novilíngua do luso neo-liberalismo primário e queirosiano por
essência), é claro. Mas encrespados em todos eles, seja numa versão
soft e controlada pelo
provincianismo e a timidez dos “jovens”(como se tornou clássico dizer nos
textos governativos ou nos relatórios policiesco-judiciais) com a
complacência mais ou menos paternalista (oportunista?) das direcções, seja
num tom mais marcado embora sem atingir, como parece ter sido o caso do
Meco, proporções criminais e absurdamente envoltas em negrume.
As ditas praxes
académicas constituem, encaradas apropriadamente, um meio-termo específico
entre a “iniciação” e a “passagem de nível” e são um epifenómeno
circunstancial nas sociedades de sedimentação ocidentalizada, de
conformação mais ou menos democratizante (ou partidocratizante, como é o
caso da nossa sociedade onde vigora o denominado tecnicamente
cripto-fascismo - ou
ur-fascismo ou, ainda, fascismo
doce – serve dizer, aquele onde a população não é constrangida pela
repressão mas mediante manipulação por meios específicos naturais e
consentidos) de tendência cleptocrata e judicialmente desqualificada a
nível ético.
São, digamo-lo com adequação e lucidez, um verdadeiro
ersatz daqueles dois fenómenos aludidos, pois não visam uma
qualificação
(como entre os artesãos medievais, que tinham de efectuar
determinadas práticas e trabalhos até se verem aceites nas corporações
respectivas) ou uma iluminação,
assim dita (tal como se pratica nas maçonarias ou irmandades herméticas
diversas).
Mas que tipo de integração visam
atingir? Que tipo de conformidade fundacional essa “integração” procura,
se é que procuram alguma?
Veremos isso a seguir, mas primeiro detenhamo-nos um pouco sobre o tipo de
iniciações e
passagens de nível entre determinadas etnias – onde aqueles dois
fenómenos tinham foros de necessidade civilizacional ou grupal pois
buscavam uma subida de estatuto prático e operativo e constituem exemplos
acabados e profundamente colectivos: os índios norte-americanos, os
africanos da região centro-sul e os esquimós.
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2. Pequeno enfoque histórico |
Nas sociedades vivendo conceptualmente no neolítico, ainda que inscritas
no termpo moderno ou contemporâneo, como era o caso das tribos de índios
norte-americanos, dos esquimós, dos pigmeus do Congo e dos masai do Grande
Rift, para nos referirmos apenas a estas etnias, as passagens de nível bem
como as iniciações correspondiam e eram efectivadas visando uma
qualificação prática de subsistencia ou de sociabilidade encarada dum
ponto de vista lato. Assim, entre os índios, cumpriam-se ritos de passagem
tais como suportar a dor pendurados por ganchos de madeira presos na pele
do peito (entre os Lakotas e os Pawnees), irem para o campo – bosques,
pradarias, montanhas, desertos – só com uma tanga e apenas com um
“tomahawk”(machado) ou uma faca e sem comida, devendo voltar passados dias
sãos e salvos (Cheyennes, Kiowas…) ou, ainda, isolarem-se numa serra,
monte, rio, sem comer ou dormir até terem uma visão iluminadora à qual
seguidamente ficariam ligados por esta passar a ser o seu totém ou
definição. Noutras tribos (hopi, apaches, navajos) tinham de se submeter
por vezes a ritos que incluíam o uso do peyotl ou da mescalina, em
circunstâncias específicas, para poderem ascender ao estatuto de
guerreiros; ou de roubar cavalos, sem portarem armas, a tribos adversárias
ou inimigas ou aos “white eyes” (brancos) -
e não “rostos-pálidos”, invenção holiúdesca.
Todas estas passagens de nível/iniciações se envolviam numa razoabilidade
compreensível e actuante: ter fibra de guerreiro ou de caçador capaz, de
saber tomar conta dum agregado tribal e de estar nuclearmente inserido na
boa condução dos assuntos ou ritmos do respectivo grupo ou etnia.
Assim era entre os bosquímanos do Calaári, os inuit/esquimós ou entre os
masai e os pigmeus da África central, como já se referiu, que efectuam
passagens de nível para serem caçadores e pastores experientes ou, como
nas caçadas às grandes feras, poderem proteger quando necessário o
conjunto da comunidade.
E nas chamadas confrarias ocidentais, maçonarias ou carbonárias, ou outras
irmandades (rosas-cruz, “agricultores celestes” ou “irmãos do orvalho”) o
procedimento é semelhante, tendo apenas graus de selectividade que lhe são
próprios.
O que se visa é uma adequação peremptória ou uma iluminação funcional.
Actuação bem diferente é a existente nas denominadas, grosso-modo,
mafias ou
seitas criminais, sejam elas laicas ou fideístas: a passagem de
nível decorrente do estatuto
criminal próprio e intrínseco, acentuo e sublinho, tem sempre um cariz
ora obnóxio ora retintamente perverso e criminal senão criminoso: entre,
por exemplos, os traficantes mexicanos/sul americanos, a obrigatoriedade
de eliminar uma ou mais pessoas para ascender ao grau de “soldado”
(conforme a terminologia da Mob norte-americana ou italiana…) ou efectivar
outros sinistros actos que não só “iniciam” como jungem o oficiante a uma
eventual pressão ulterior. É o mesmo procedimento feito noutras
associações criminosas como, por exemplo, a dos yakuza nipónicos.
Como explicar, entretanto, o ordálio das praxes académicas ou militares
(pois também acontecem entre nós e noutros locais)? Uma vez não visam
adequação para ascensão de mérito ou crescimento específico (ou seja, um
estudante de física por ser praxado não se torna melhor cientista, um de
matemática não passa a entender melhor a teoria de Einstein ou a do
“conjunto de grupos” de Evariste Galois…).
Para que servem ou, ainda mais esclarecedoramente,
o que visam os ritos praxistas
como os do nefando Meco?
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3. Do Meco e
doutras malas-artes |
Segundo é dito por membros praxistas ou
observadores tendenciais como alguns especialistas em “sacudir a água do
capote” ou partidários das “expectativas de milagre”, as praxes dest’arte
visam integrar(?) o novo aluno
(vulgarmente denominado caloiro pelos trintanários). Mas integrar como e
onde ou em que partis pris
regimental? Uma vez que o aluno, enquanto aluno, está já integrado e mesmo
submetido às disposições em código, legal ou consuetudinário, que
regulamentam o estatuto do discente?
Se analisarmos as premissas com uma liminar penetração ou suficiente
informação e perspicácia, dando com bonomia de barato que as praxes são
sucessos/actos decorrentes de uma tradição, vazando-as desta forma num
território de festejo ou de emanação lúdica, meio-goliarda meio-turística
propiciada, mantida e acatitada por mancebos e mancebas
ad corda, nada haveria a
antepor. Tratar-se-ia duma mensagem, duma comunicação pró-imergível numa
alegria de viver característica de grupos etários, de gente à entrada dos
posteriores e sérios assuntos adultos.
No
entanto, o caso aqui fia mais fino. A talhe de foice trazemos à colação,
respigada com vénia dum escrito a nós dirigido por uma profunda
conhecedora de certas classes de hermetismos, a grã-senhora carbonária
Maria Estela Guedes, uma indicação esclarecedora.
E o que ela nos diz é que, e cito, é que “Afinal a última Carbonária Portuguesa, a mais
importante, fundou-a Luz de Almeida
com estudantes da Maçonaria Académica. Praxes e iniciações maçónicas estão interligadas”. Sem dúvida.
Então, assim sendo e chamando a atenção para certas passagens do seu
lúcido texto publicado aqui no TriploV, a explicação que enquadra e faz
luz sobre o porquê das “narrativas brutalizadoras” (como agora se diz na
senda dum conhecido uomo publici
…) uma vez que as irmandades são de jure ou de facto “gente de bem”, opostas pois a turiferárias,
terá de ser procurada noutro plano. E qual? Precisamente no plano do
societário e, dentro deste, dentro do que se sabe ou convencionou ser o
imaginário português, um imaginário dominado (mais grave – determinado!)
por um tipo de continente social e colectivo de índole não democrática,
onde faz lei o compadrio, os sentidos de
casta e de família (como se dizia em Espanha, de
cunhadismo), de classe e de
privilégio, no limite de corrupção moral, ética e conceptual e da exacção
cleptocrata.
As praxes de que nos ocupamos, no seu sentido mais exacto,
visam pois adequar o praxado, depois
praxante quase sempre, a
adquirir o sentido da humilhação e da prepotência, signo maior da
tardo-sociedade lusa onde os proverbiais “doutores
e engenheiros” - que serão os presuntivos futuros governantes ou
“assessorantes” – em todo o caso a casta que tem dominado de forma
geralmente espúria a intendencia e o armazém luso de há dois séculos a
esta parte, verdadeiros vagomestres que em grande parte se certificam na
sociedade de que decorrem.
(É esta, ainda, a formulação que explica ou descripta o esforço quase
heróico de certos mandantes partidários que, a todo o custo, tentam a
colação de grau engenheiral ou doutoral sem esforço ou suor mensuráveis…)
É esta pois a integração a que,
(ora com inadequação ora com cinismo), certa gente bem determinada onde
até avultam governantes mais ou menos nauseabundos – para usar esta
expressão grata a Tomás de Figueiredo -
alude com não dispicienda maneira de ser onde se nota o desplante.
Daqui
se infere que é lançar poeira nos olhos do
vulgo pecus, ainda que o façam apenas por tolice e não por maldade,
vir ejacular-se a ideia de que uma legislação repressiva podia melhorar o
tema…a questão. Não! As praxes existem desta forma nefanda porque à
sociedade portuguesa, melhor, aos mandantes grupais portugueses interessa
instilar nos mansos cérebros juvenis – e por osmose em todos os outros –
que há o dono (que foi submetido a sofrimentos que lhe caucionam o
instalado bem-estar académico ou outro) e há o
futrica, sendo o povo, todo o
povo que não recebe prebendas nem benesses, futrica potencial ou de facto.
A praxização em estilo meco,
usemos este neologismo irónico-magoado, é verdadeiramente a antecâmara do
sentimento-acto de domínio sobre este povo macerado, desprezado pelos
diversos condottieris que num
outro plano privilegiam os interesses dos argentários enquanto esmifram o
zé-povinho até às fezes.
Os estilos e as acções estilo Meco terminarão quando não houver espaço
para bosses autoritários ou
conceptualmente cavernícolas, quando em suma vigorar na sociedade lusa
academizada ou geral, capturada de há décadas a esta parte pela
apagada e vil tristeza em que
sobrevivemos, uma real, digna e limpa democracia – não um arremedo de
carnaval seja nas ruas ou nas academias do reino…destes barões
“republicanos”.
ns
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Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia,
Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto
individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto,
Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha,
etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia
ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia
geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan”
(1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do
tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica
(“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed.
Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O
armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos
de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o
mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos”
(2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade
em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas
sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado
em espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios,
“Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”,
“La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”,
“Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos),
“Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou os
livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas”
de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo
Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e
“Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado
mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março
de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”
(1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio
Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e
pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones
lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da
sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001,
a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e
cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.
Blog : Ablogando, em:
http://ab-logando.blogspot.pt/ |
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