Nova Série

 
 

 

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO
Uma certa maneira de nos darem o fardo...

    Diz o ditado, com doses se calhar consideráveis de realismo... ou de cinismo, que “todo o burro come palha, o que é preciso é saber dar-lha”.

   Talvez seja assim… Mas há também a frase, que se tornou famosa por ter sido um celebérrimo agente desportivo a proferi-la, que rezou: “E o burro sou eu??”.

    De há uns dias para cá, ao ver na perturbante TV os spots publicitários (ou deveria dizer propagandísticos – e propagandísticos entre o descaramento e a demagogia, a não ser que sejam ingénuos mas de uma ingenuidade roçando o impudor alvar) referentes ao 25 de Abril, caio na sensação de viver num filme de humor negro. Aquela gente não as pensará? Ilusionistas…

  Porque os protagonistas que ali nos dão como formais exemplos – estando os capitães, como se sabe, a viver agora numa espécie de limbo para onde os lançaram porque já não precisam deles – são quase exactamente os mesmos que nos mergulharam através dos tempos na “apagada e vil tristeza”, na repelente encanação em que agora vivemos: primeiro os que, com intenção totalitária, quiseram fazer da revolução dos cravos uma antecâmara dum “paraíso de Leste”, à semelhança desse lugar mirífico onde o povo de lá (em encenação filha duma ideologia mentirosa) mandaria tanto que não mandava nada… E que, a seu tempo, implodiu como um edifício apodrecido, um castelo de cartas de batota risível e realmente ignóbil; depois os que, tendo arteiramente conseguido camuflar o que de facto eram e sentiam, paulatinamente tiveram artes de herdar os bragais do regime anterior em que aliás os seus pares e, muitas vezes, os seus ascendentes, tinham mesa farta e benesses de se lhe tirar o chapéu.

   E, os velhacos, querem que o zé povinho – como se vivesse nas sete quintas - festeje acefalamente uma festarola como se nada fosse, como se gozássemos de uma situação excelente, como se isto fosse um mar de rosas, tempo de vinho e rosas como diz a frase proverbial???

   A publicidade – propaganda, demagogia – deles é para nos manterem numa ilusão. Para nos iludirem. Chamava-se a isso, nos tempos da Inquisição, “a tortura pela esperança”.

   E os burros vamos ser nós??? Não lhes façamos a vontade!

   Para finalizar, creio que muitos se lembrarão de uma quadra que chegou a ser muito conhecida no tempo da velha senhora. Aqui vo-la deixo, seguida de uma outra referente, e creio que apropriadamente, aos tempos de agora.

 A primeira é esta:

 Meu Portugal tão bonito

ó meu Portugal tão belo:

metade é Jorge de Brito

e o resto é Jorge de Melo

 

  E eis a de agora, que vos deixo à consideração pois me parece adequada e justa:

 

Meu Portugal tão porreiro

de que a malta tanto gosta:

metade é João Banqueiro

e o resto é Oliveira e Costa.

 

  Saudações democráticas e firmes do vosso

 

 ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.

Blog : Ablogando, em: http://ab-logando.blogspot.pt/