Os namorados
enlaçados
passeiam por Lisboa
com os rostos fechados.
Enlaçados
ou de mão na mão:
compenetrados
circunspectos e equilibrados
- estão ambos bem empregados –
…e além disso há a emancipação.
É tempo (que felicidade!)
de liberdade e de alegria.
Que serve para esquecer
que depois irão ter
uma data de anos de agonia.
Por enquanto passeiam. Miram, remiram
as montras. Tanta coisa bonita!
Assim até amar
- até casar –
é mais de recomendar
e mais catita.
Lá vão andando. Ignoram
o seu norte e o seu sul: o símbolo
grego, judaico, egípcio, lusitano.
Sabem é que é preciso
“indispensável, filho, indispensável”
achar apartamento até ao fim do ano.
Por sorte ela já deu c’um senhorio amável…
Têm o resto, que bom, mais ou menos tratado.
Até a Avó, que alívio, se lembrou de falecer
- o que vai dar certa ajuda ao ordenado -
Ah! o
velho pé-de-meia bem guardado
que enquanto adolescente ele se lembra de ver!
Eis que passeiam, olhando. E trocam gestos
minúcias, uma que outra carícia
sem maldade.
Da parte da polícia
não vai haver protestos
pois não visam lançar a anarquia na cidade.
Remiram e procuram, interessados. Ele, tá claro
com expressão de Homem
ela com jeitinhos de Mulher. E ao depois de casados
muito solenes e lavados
(um bocadinho encavacados)
farão então amor
- ele muito senhor
- ela cheirando a malmequer.
E seja o que Deus quiser…!
Amor do melhor, de confiança
sóbrio, digno e composto
sem tiques, sem toques, sem truques ‘scusados.
Mas com alguns ais
vá lá, dentro do esquema:
- afinal ela já leu, emprestados, alguns manuais
e ele tem ido ao cinema.
São bons, são simples, são naturais
sérios e correctos
com um tom português nos rostos mansos.
Mais tarde, ela vai desculpar
outros afectos
ele, compreensivo, vai desculpar
alguns escapanços…
Terão muitos rebentos de narizes iguais
ao avôzinho, ao pai, ao primo Florival.
Hão-de oferecer-se prendas em todos os Natais
quando na noite esvoaça uma figura infernal.
Em quatro assoalhadas gastarão a sua vida.
E na volta, aos domingos, do passeio de popó
ela às vezes achará que se sente perdida
e ele às vezes sentirá quanto andou sempre só.
Morrerão um dia de velhos, aos bocados
estranhos, inquietantes, repletos que nem odres
de vastos silêncios petrificados
p’los vizinhos muito considerados, coitados
inteiramente podres.
E terão nessa altura o nome no jornal
e muita, muita gente amiga no funeral.
No Largo do Rato passam namorados.
Honrados e serenos, passo miúdo e igual.
- Meudeus, meudeus, meudeus
como estamos estragados
(digo-me cá por dentro aos meus botões espantados)
Como é triste e ridículo o amor em Portugal!
Junho de 76
(Dado tb a lume em 78 num boletim do
Bureau Surrealista, por Mário Cesariny)
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