Fartaram-se
de nos dizer que a "última exposição mundial do século" era, se calhar
como a tropa, o "espelho da Nação" - e falavam verdade! Muitos de nós, por
lucidez ou ingenuidade, ou teimosia, não queríamos acreditar. Podia lá
ser!
E, vai-se a ver - afinal era mesmo! Confessemos, no entanto: era difícil
de engolir. Mas a rapaziada esmerou-se. E fez-nos curvar a cabeça, inda
que a custo.
Um milhão e trezentos mil, para já. A verba faz-me sonhar...E outros ainda
sonharão mais, mas deixemos esse detalhe por agora. Ah! valente João
Caldeira!
Na TV, dois homens sérios e de discurso eficiente (entre eles o talentoso
doutor Eduardo, o grande estruturalista), propõem-nos um raciocínio
eficaz: são coisas da vida, pois então! E se os italianos ou os espanhóis
pensam que se podem rir do "affaire", eles que olhem para os lares: também
por lá anda uma bendita corrupção. E é verdade.
Embora os corruptos, pobres deles, estejam sempre do mesmo lado.
Experimente o leitor ser corrupto - vai ver que não consegue! Porque é
preciso andar-se no sector certo: chefe de contabilidade, um (deus me
perdoe!) director-geral, por aí as hipóteses são várias e aliciantes por
cá. E viva a modéstia - olhem se fôsse em estilo Balzac...
Ainda que já entradote (do lado dizem-me mesmo que até já morto) o poeta
Castilho, que tinha experiência de poderosos, deu-se ao trabalho de
elaborar uma nova versão do seu famoso poema que tem como quadra bem
marcada "Da parte, madrinha/de Deus vos requeiro/Casai-me hoje mesmo/com
Pedro Gaiteiro.". E segue a peça:
Madrinha, senhora
sabei que também
eu lá fui à Expo*. E vi, vi as gentes
o Oceanário, garotos em fila, polícias
e reis. Um tipo pernalta Inglês, me disseram
pessoal fardado: generais, ministros
e muita alegria
e melancolia
alguns alentejanos para dar côr local
e Vasco da Gama
e Álvares Cabral
a fingir que estavam ali a férias. Madrinha
da parte
de Deus vos requeiro: casai-me hoje mesmo
com João Caldeira.
Madrinha, não quero
não quero o Cavaco
nem o Engenheiro
nem o Marques Mendes
que é muito onzeneiro (aqui, se calhar
devia haver outro adjectivo, mas
faz-me falta à rima)
e então é assim: não quero o ministro
(Costa) que dança em terreiro
nem quero o banqueiro (a não ser
que seja masoquista, o que sempre dá jeito)
com seu gibão largo
de arminho e cordeiro
nem o conselheiro (Espada)
rostinho trigueiro
que faz tanta inveja
a muito vaqueiro
Já não sou Anita
sou executiva (secretária, dactilógrafa)
bailando ao pandeiro
sou a senhor ´Ana
que mora no oiteiro
(ou seja, numa das
sete colinas da feliz Lisboa, mas
o poema tem de sair com ritmo e então
é assim)
já sou mulherzinha
já trago sombreiro
quer seja manhã
quer seja ao serão
e sei deitar contas à vida, portanto
da parte, madrinha, de Deus
vos requeiro
casai-me com o doutor tantos de tal e se não
puder ser
dai-me ao menos a subida honra de apertar a mão
ao Mega Ferreira
ou então
permiti-me um ósculo nas barbas venerandas
do Prado Coelho
mas se inda assim não fôr viável, madrinha
ao som do tambor (digamos, a pança do doutor)
vos requeiro
casai-me assim que o conseguirdes
com João Caldeira
Casai-me no monte
casai-me no mar
casai-me na serra
ou até mesmo numa igrejinha em Sintra, com flores
de laranjeira, que eu sou de boas famílias, mas
marido pretendo
de humor galhofeiro
que saiba como é
o som do dinheiro
que viva por festas
co´o tamborileiro
que não seja pobre (ou sequer remediado, que a vida
apesar do Euro não está para graças)
secretário de Estado
herói marinheiro
(não o Torres Campos, coitado
que é sério, careca e, segundo dizem
nem é filiado na Maçonaria), com ar sobranceiro
e com belo cargo
que sempre é melhor, que em ele assomando
logo se alvorote
o lugar inteiro, madrinha
comigo romeiro e romeira
casai-me já hoje
ou então, podendo ser e não dando muito trabalho
amanhã ou depois
com João Caldeira
NOTA - O A. não foi à Expo. Trata-se pois
da chamada "liberdade poética".
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