Creio
que muitos dos caros confrades ainda se lembrarão dos tempos em que,
sem trabalho dobrado mas apenas por boa estruturação dos velhos CTT,
se recebia correio todos os dias. E, como diz a obra maestra de James
Cain, o carteiro tocava sempre duas vezes…
Durante
anos, nos
rankings da
estrutura própria que mede esses desideratos, os Correios eram mesmo
considerados um exemplo de boa condução enquanto empresa pública.
Em
certos países, nomeadamente os EUA, a Inglaterra, a França, etc, ainda
assim é. Usando de uma hábil e competente coordenação, nesses países
onde ainda existe um certo progresso não se deixa o cidadão e o
continente societário, durante dois dias,
a apanhar bonés
no que à ausência de carteação ou outros contactos diz respeito.
Felizmente que
agora há a rede, a redezinha, esta interactiva que nos permite que
também nos fins de semana nos cheguem coisas oportunas e
interessantes, por belas e comprazedoras.
Hoje,
comigo, foi assim – e estes dois bons exemplos, gostosos e salutares,
um vindo do Brasil e outro de Cabo Verde (onde o seu
autor agora reside), aqui ficam com o proverbial abrqs e desejo de que
tudo vos siga correndo bem.
Uma recordação de Nuno Rebocho
e
Um poema de Floriano Martins
Espiões e jornalistas: um relacionamento difícil
Que as más
relações entre a Comunicação Social e os serviços secretos são, em
democracia política, mais do que escaldantes fica certo e sabido. É
dos livros e o que vai por aí não foge à praxe. Quanto ao que se
passava nos tempos da polícia política salazarenta e da estúpida e
coronelesca censura nem é bom falar: basta me recordar dos tempos do
jornal cor-de-rosa, o “Comércio do Funchal”, em que tive que usar
pseudónimo (L. H. Afonso Manta) se quisesse ser impresso e ter voz,
para ser assaltado por tanta memória que até apetece vomitar. Não vem
agora ao caso falar desses amordaçados tempos de que tantas histórias
há que contar, muito embora haja (infelizmente) muitos que,
oportunisticamente se dizem “vítimas”, não passaram de obedientes
colaboracionistas com o Estado Novo. Se fosse a contar… olhem, que não
faltam provas… Eu, pelo menos, tenho-as, para que não venham com
coisas.
Bem, é da atual espionagem em Portugal que hoje saco da viola. Poucos
sabem que essas más relações entre espiões e jornalistas datam de
1985/6 e nasceram no jornal “A Tarde” (que os estultos afirmam ser de
“direita”, embora acobertasse mais anos de cadeia política no lombo da
sua redação que o jornal comunista “Diário” – coisas que a porca
propaganda oculta). Eu era na altura subchefe de redação de “A Tarde”,
quando o fotógrafo, o Duarte, me veio alertar: “há movimentos
estranhos em volta do jornal. Estão uns gajos parados na rua, sentados
nos bancos e junto dos candeeiros, a fingir que estão a ler jornais
mas a observar atentamente quem entra e quem sai daqui”.
Avisado de que
algo de estranho se estava a passar, mandei-o ir tirar, à socapa,
fotos dos meliantes. Nas fotografias apareciam também uns tipos
postados nas esquinas. Peguei, depois, nos “bonecos” e coloquei-os
diante do diretor, o Jaime Nogueira Pinto. Pouco após, foi o bom e o
bonito quando o Jaime telefonou para os Serviços Secretos,
informando-os da situação e pedindo que executassem as necessárias
providências - com surpresa, o homem desmontou-se em desculpas. Que os
sujeitos eram, afinal, agentes da espionagem, acabados de se formar e
tinham sido colocados ali, junto do jornal da Rua Augusta, “para
prestar provas”! Má sorte a sua. Pediu-nos imensas desculpas e o caso
foi “abafado”.
Bem que então avisei o Nogueira Pinto: até seria “educativo” anunciar
que os aprendizes dos nossos “bufos” foram apanhados com a boca na
botija. Talvez assim eles aprendessem a respeitar a Imprensa e a tomar
cuidado. Mas não: optou-se pelo facilitismo e agora andamos com a
Ongoing às costas.
Esta história que aqui recordo (e muito papalvo desconhece, por isso
deita cá para fora um chorrilho de disparates e asneiras), não apaga
que, por vezes, possam existir boas relações entre a espionagem e a
Comunicação Social e, mesmo, dentro de determinados limites, uma leal
colaboração. Por exemplo, eu próprio passei informações, em 1976,
sobre os aprisionados em Angola pelo regime de Neto (e cujas cabeças
era necessário salvar de um assassinato que, de outra forma, seria
quase certo) a um agente da BOSS, o Peter – um jovem de origem russa
que estava deslocado em Lisboa. Claro que foram respeitadas as normas
éticas do Código Deontológico dos Jornalistas.
E, anos mais
tarde, enquanto chefe de redação do semanário “O Diabo” (em breve vos
falarei desses tempos), sosseguei dois agentes da CIA que me visitaram
na redação procurando recolher informações para acautelar a vinda a
Portugal de Ronald Reagan, então Presidente dos Estados Unidos. Aí
eram questões de segurança que imperavam e o bom nome de Portugal que
estavam em causa.
Se não houver
conveniente e ajustado racionalismo neste relacionamento (nem tanto ao
mar, nem tanto à terra: todos os fundamentalismos são um péssimo
serviço e acabam por ser prejudiciais) dá-se prova de imbecil cegueira
profissional e política. Livrem-se dela.
Nuno Rebocho
*
XXII
Acaso conheces o deus que quer
morar em ti?
Tens idéia do que ele criaria uma
vez em teu íntimo?
Residente em túmulo ou santuário,
ele seria um deus morto ou
vivente?
A árvore erguida no centro dessa
união,
sabes dizer a quem pertenceria?
A quem atribuir as faltas dele,
seus pudores e pecados?
E como esperas que ele retribua
as tuas oferendas?
Qual dos dois um dia apunhalaria
o outro?
Não crês que todos os deuses se
temam entre si?
Quem julga o outro mais sábio,
justo ou soberano?
Por que não se sentam todos e
compartem uma mesma fatia de luz?
À imagem e semelhança de quem
exatamente foram criados?
E antes que não me escutes mais, quantos pensas que somos?
(do
livro LEMBRANÇAS DE HOMENS QUE NÃO EXISTIAM (2013), poemas de Floriano
Martins a partir de retratos do escultor Valdir Rocha)
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