ADEPTO
Nunca morro da morte verdadeira
de que morrem os homens mais comuns .
Perseguido, renasço, intemporal,
sem ter morada certa nem fronteira.
De Júpiter sou filho – e do mistério.
Alberto ou Paracelso – quem me fez
sabe que nenhum túmulo me guarda
e que do amor perpétuo me acrescento.
Contudo, o Tempo dói-me. E, se não caibo
na pedra, a fonte humana me dá luz
(bebi demais no pó sanguinolento,
residual, da obra inteira, a vida).
Cumprido o ouro, louvo simplesmente,
com ele, o Pai. Olvido-me de mim.
Nome não tenho. Nem sossêgo. Ardo.
Feiticeiro não sou, mas aprendiz.
ARIANA
Ao Abel Teixeira
Do pouco ou nada feito não revelo
qual o passo que dei ou que vou dar.
Do enxofre e
mercúrio digo apenas
que se mordem, que mútuos se contêm,
que todo o sal é lágrima de Maio.
Poderei dizer mais: que o fogo é lento
e húmida é a via. A seca, não.
(Nunca o rápido amor me dá contento.
Nem há cultura fácil, fácil vento.
Qualquer trigo veloz sabe a traição).
Digo ainda, da via, que são sete
as
águas deste denso e longo mar.
Ao terceiro degrau já se promete
o peixe que prateia, a crepitar.
São porém as sereias. Não cardume.
O verdadeiro peixe – que é de lume –
a seu tempo virá, mas devagar.
Primeiro, há-de toldar-se em nevoeiro
o velo, vinte vezes (só morrendo
vinte vezes terríveis se renasce).
Entretanto, uma aberta: o arco-íris.
Depois, de novo, a noite, a fermentar-se.
Haverá, de manhã, menos indício
na espuma da maré, no barco estreito,
do que nos olhos puros de quem vê,
ou antes, adivinha.
- Tu, que me segues, crê:
No ovo luz a vinha!
FULCANELLI
Ao microscópio, gotas de cristal.
Á vista desarmada, pó vermelho.
Uma pitada leve, como o sal,
um fervilhar – e eis prata o que era estanho.
Só que da mão depende o bem que
tenho,
o gesto firme, próprio, sem o qual
teria tudo apenas o tamanho
que tem, antes da luz, a catedral.
Assoprador? Adepto? Não sei bem…
Sei que todo me dou, que nada espero,
que por amor somente transmutei
na semente mais viva o vil minério.
Prata quis. Prata fiz. Ouro farei
mordendo as águas turvas do mistério.
MANSÃO FILOSOFAL
Erguem-se os dedos. Crispam-se no todo.
Mas algo falta para o todo ser.
Algo que mora num dedal de fogo,
nessa palavra que não sei dizer
mas salta certa, célere, no sopro
irreprimível que de Urano vem
dar de repente vida nova ao corpo,
ceder razão ao que razão não tem.
É o dédalo negro, o labirinto,
a chave justa para libertar
no firmamento a névoa do que sinto.
Mas é também oráculo. O olhar.
O ver, sem fim, distinto, o indistinto
no desfazer da pedra tumular.
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