NICOLAU SAIÃO
Pequeno mostruário para vampiros (6)

 
 

 

Do horror luso-nético nas suas obras vivas…

  Uns estão no ramo da diplomacia, outros no do professorado. Ainda outros e outras, prevalecem-se no meio termo que é qualquer coisa pública, assessorias e jornalismos de meia-mantença. Ou de mantença completa. Propagam-se, como as orquídeas do deserto, digamos. Ou os malmequeres da estepe. E têm blogues e escrevem blogues e entesouram blogues. Não se masturbam, fornicam entre eles as frases com que se entesoam. Que andaram quase todos na mesma faculdade, a da notoriedade obrigada a mote.

   São gente fina e reivindicam-se gastrónomos. Ou dizem-se. Ou apelam-se. Comem do bom e bebem do fino. Quando acaso comem, banqueteiam-se e fotografam-se porque nunca perceberam que, como dizia Beau Brummel, “se tiveres necessidade de dizeres quem és, não és ninguém”. Vestem bem se lhes apetece e mal se lhes quadra. São solidários, dessolidários, inteligentes ou encenadamente estúpidos.  Porque isso é belo lá entre eles. Ou outra palavra qualquer, porque o seu signo é a crueldade e o desdém que disso parte. Sem saberem, acederam à maior santidade, a da distração no meio da lama. Por isso, de vez em quando vão de ventas à torneira.

  Para terem um bocadinho de sonho? Creio que nem isso. Usam a cara como se usa a petulância de um sorriso sardónico. Ou a sobranceria ratona de um pulidovalentismo de opereta. São portugueses portuguesas até à medula, mas só nos fundilhos. De esquerda ou de direita tanto faz, isso é apenas um detalhe inócuo. Mas que os ajuda a fingir que são de fora, como aquela pedante loira e depois morena e depois loira televisivamente que escrevendo como se escreve nos croniquentos jornalitos de cá se sentia redactora de grande semanário americano. Para se compensar de ser uma criada de políticos ratoneiros? Muito provavelmente. Velhacazita como um abutre com cio? Tão natural como a sua sede de urubu.  De urubua. Pois o céu está-lhes prometido, a ela e aos seus parceiros de charneca.

  São da bela rapaziada. Decididos mas frascários. Canalhas mas vencedores. E se vencidos por qualquer razão, ficarão sempre na mó de cima. É da sua condição de classe média alta. Ou de fidalgotes que como a pescadinha antes de o ser já o era. Ainda que republicanos.

  Espertíssimos, mas o país que controlam jamais passou da cepa torta. Talentosos, mas o sarro nunca o tiraram das esquinas e das paredes da pátria. Quando rebentam, quando estoiram (não morrem, fundem-se, esta gente não é digna de morrer) imortalizam-se na conversa rôta dos seus pares.

   Nunca escrevem nada de permanente, de sóbrio, de fundacional e sincero. E da emoção apenas sabem a lágrima fácil. Que pode ser arrôto. Ou traque. Mas nunca grito desgarrador e comovente.

  Pululam nos espaços interactivos. Unem-se em irmandades informais e em cooptações estarrecedoras. Ou afectuosas. Lusitanamente doloridos, mas no fundo do poço da alma, trazem nela a marca, o ferrete da hipocrisia mansa e do cinismo de bom tom.

  Nunca serão fuzilados num terreiro. Nem pendurados num carvalho da Califórnia. Nem empalados num zimbreiro da Transilvânia.

  Quase eternos, omnipresentes como piolhos por costura,  nunca nos veremos livres deles.

  São a garantia da raça. E têm opiniões. Autónomos na sua infâmia civilizada e moderna, durarão até ao fim dos séculos. Ou mesmo um poucochinho mais.

   Mas nem dão nem darão p’ra tabaco.   

                                                                                             n.

 

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.