JACQUES TOMBELLE
Oeuvres
Apresentado por Nicolau Saião

Jacques Tombelle, «La ferme». Tinta da china.

 
Jacques Tombelle, «L'amour en plongée».Colagem.
 
Jacques Tombelle, «Fleurette». Guache.
 

MAPA ASTRAL
Por Pierre Grenier
Traduzido por Nicolau Saião

                                       a Jacques Tombelle

 

Observa quanta face te rodear. Contudo

em nenhum rosto colhas ódio ou ilusão.

Na tarde, voa alto o pássaro mais humilde

Se por si mesmo voa, com ou sem madrugadas.

 

Não faças dos teus olhos a máquina mortífera

sobre o hoje e o ontem, o aqui e o acolá

ou das mãos uma sombra para o destino entre

as falésias e a bruma da hora iniciadora

vazia de sinais nos parques onde o Verão

tranquilamente cessa, se enovela ou revive.

Recorda com humildade as árvores junto ao rio

recorda uma frugal refeição numa viagem

Há em todos os tempos coisas que vão nascendo

sem que sejam precisos a alegria e o pranto.

 

É bem verdade que a dor nos pode oferecer tudo

se o campo inutilmente se cobre de ramagens negras

Mas a ausência não fere, se nas praias indivisas

ou sobre os meridianos as ondas se levantam.

É quando o mar se afasta que sentimos por vezes

uma interrogação, mesmo uma breve dúvida.

 

Que mais saberemos nós, pobres irmãos do vento

do grande reino ausentes sem que a mágoa nos mate

Que poderemos nós, buscando para sempre

a terra sem promessas da manhã derradeira?

 

Pierre Grenier
Ville d’Avray, Nov. de 2000

Trad. ns

SOBRE JACQUES TOMBELLE
Nicolau Saião
Traduzido para francês por André Morais
 

Ser artista, já se sabe, é um trabalho arriscado – pese às opiniões contrárias e menos avisadas. E isto porque ser artista é algo que se nos impõe, que não escolhemos (pelo menos numa fase anterior) que vive e palpita com a força das evidências e quase sempre nos arrasta, se sabemos ser fiéis à demanda, por caminhos onde pedras e ciladas, se mal nos precatamos, buscam tolher-nos o passo e extinguir-nos a frescura do olhar.

Ser professor é também arriscado: o consciencioso mestre-escola (expressão magnífica em todas as línguas e que até mim vem do fundo da infância, desse passado a que sou fiel) tem dependentes de si inúmeras razões e corações - os alunos e seus múltiplos destinos – a que se impõe dar indicações de rumo, dar respostas a par de sugestões que amparem o futuro. Nisto se irmana com o artista, também ele um companheiro de bordo visado à linha por diversos perigos, quais sejam: a dispersão dos ritmos quotidianos, o desespero, a descrença na sociedade circundante, que é frequentemente opressora, muitas vezes desumana, quase sempre inquietante.

Jacques Tombelle, artista e professor, é pois um homem que vive perigosamente, como sempre vivem os que dão testemunho sincero, os que se afirmam por sobre o que é precário nas suas horas fecundas.
Diz no “Zohar, o livro do resplendor” que as palavras não caem no vazio. Nem os desenhos, as cores, as formas, permitir-me-ia acrescentar. Com efeito o artista, sendo um levantador de universos (Pavese), um verdadeiro agrimensor (Ionesco), um “mastigador do mundo” na expressão de Cristóvam Pavia, é igualmente uma consciência viva no meio do aparato do quotidiano inadequado mesmo quando de tal não tem completa noção ou entendimento. Veja-se Balzac, por exemplo, que referia serem os seus romances não mais que um meio para poder pagar dívidas, ou Huysmans que via as suas obras mais como experiência mística. A arte tem em si verdades intrínsecas que reflecte e propõe, para citarmos a expressão de Stendhal.

No que diz parte a Tombelle, este artista nos seus melhores momentos coloca-nos um curioso problema: como é que a emoção e a “simplicidade” se podem conciliar com a exactidão? E ainda este outro: como é que o artista, sem deixar de ser sincero (ou ingénuo, se preferirem – e recordo que a ingenuidade, para citar Herman Hesse, é em dados casos um alto valor) pode executar determinadas tarefas picturais e poéticas nas quais uma dada razão não pode embaraçar-se com o sentimento? Creio que o artista que nos ocupa o consegue mediante a assumpção de um lirismo franco, indisfarçado mas vigoroso que dá tanto a medida da sua criatividade como a da sua pessoa cordial e fraterna e o seu apego a posições que, muitas vezes banalizadas ao nível de um certo discurso alheio, nele conservam inteirinho o seu poder apelativo: a lealdade, a crença na necessidade da arte e da escrita e, também, o desejo de que o futuro seja mais favorável ao Homem, além da busca do conhecimento e do saber possíveis.

É isto que vejo na arte filha duma simplicidade e mesmo de uma emoção rural, perto da terra em que se criou, deste desenhador poeta e professor que nos faz participantes interessados. E poderia concluir dizendo que à sua maneira ele está ganhando a aposta que a todos, sejamos pintores ou não, nos move: o desejo humano de mais luz. No fundo, ganhou-a já.
E nós com ele.

ns
(in catálogo de exposição, 2011.
Traduzido para francês por André Morais)

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.