NICOLAU SAIÃO
As crónicas eventuais
UM MAU PRINCÍPIO DE ANO…

  Vejamos com ternura, calma e ponderação…e algum senso de humor de carinhosa frescura: Eusébio de novo no Hospital com uma alegada cervicalgia (raio de nome!); Mitt Romney a ganhar por oito votos ao seu adversário mais directo e, como ele, candidato à Casa Branca que, tanto por eles como por Obama, está em vias de ficar lívida; a notícia, que circulou um pouco por todo o lado, que afinal a luz que se viu no céu de Roma quando o nosso estimado Bento VI efectivava a sua compenetrada declaração de fim de ano, não era como alguns mais seráficos alvitraram (sem se comprometerem muito, como é apanágio de crentes de topo…) uma dica do Ser Sagrado em apoio do discurso mas sim, mais prosaicamente, um pedaço do satélite que está a cair aos poucos no corpo geral do terceiro planeta; finalmente, algo que me diz respeito por meu mal: a primeira vez que participei, aliás com uma quantia mínima, no Euromilhões, tive a vergonha de acertar apenas num número – o que, dizem-me os entendidos – revela uma extraordinária inabilidade para andar a tentar ficar fora da crise por aqueles meios específicos.

  Mas não é só por aqui que as coisas andam…peludas.

 Hoje mesmo foi divulgado aos órgãos de comunicação, com gáudio de alguns e franco repúdio de outros (e certa estupefacção da maioria pela eventual perda de tempo e de energias por parte das entidade propiciadora) que o MP tinha mandado abrir um inquérito a umas declarações de Otelo Saraiva de Carvalho que, a meu ver, não primaram pelo bom senso.

 Foi caso, e cito, que “em declarações à agência Lusa, a propósito de uma manifestação de militares que estava marcada para dia 12 de Novembro, Otelo Saraiva de Carvalho afirmou ser contra essas manifestações, mas defendeu que, se fossem ultrapassados os limites, com perda de mais direitos, a resposta poderia ser um golpe militar, que a concretizar-se seria mais fácil do que em 1974.

"Para mim, a manifestação dos militares deve ser, ultrapassados os limites, fazer uma operação militar e derrubar o Governo", defendeu Otelo num comentário à "manifestação da família militar".

  Como habitualmente  - e o País sabe-o bem – o nosso homem mais uma vez colocou, como se diz em vernáculo imaginativo “o carro à frente dos bois” ou, se preferirem desta forma, “o pé na pôça”.

  Posta assim a traquitana noticiosa, achei que devia escrever uma coisinha no fórum do Diário de Notícias e, tirando-me de meus cuidados, escrevi o que vai a seguir:

 “Fico surpreendido - mas não muito - com este afã de abrirem um inquérito a um velho, por muito desconchavado que este seja eventualmente.

  E mais: Otelo, que é um ingénuo (se o não fôsse não falaria, agiria pela sombra) limitou-se a dizer o que muita gente pensa, pois o ambiente do País é uma vergonha: de abuso, arrogancia e prepotencia.

  Pergunto: porque não se mostraram tão lépidos em relação a um aventureiro, Sócrates, e à sua "entourage" - eles que tanto prejudicaram a Pátria e buscam continuar? Acho esta atitude da PGR um acto discriminatório - mesmo sendo, como sou, opositor de Otelo.

  Temo que tudo isto acabe mal para a Nação!”.

   Dito isto, urge tecer algumas considerações: os militares, os do activo (jovens, fortes, galhardos) que se manifestaram, imediatamente desaprovaram as palavras de Otelo. No seu entender, num país democrático (pelo menos que se rege ainda por algumas regras que os cleptocratas e abusadores nefandos deixaram por enquanto de pé) as Forças Armadas respeitam a legalidade expressa pelo voto popular. Ademais, tal como por exemplo eu e muitos (estou seguro) milhões, não acreditam que isto “vá ao sítio” através de golpes de Estado ou outra parafernália do catálogo prafrentex.

  O que de facto faz falta é primeiramente limpar-se o Sistema Judicial, para a seguir se poder proceder a reformas controladas pelos representantes livres do Povo (e não me refiro apenas a deputados, mas a grupos legais de cidadãos, também) e incrementadas pelo governo eleito laborando em sãos propósitos.

 Creio que todos os cidadãos sensatos concordarão, com o sem outro articulado específico.

  Aduza-.se, ainda, que o sr.Bastonário da OA – e não acredito que ele não perceba de Leis! – declarou de pronto e acertadamente a meu ver que, e cito,  discorda de Otelo mas diz que ter opinião "não é crime".

  A esta luz, como entender a abertura do inquérito que se antolha?

  Receio de que as palavras do velho abrilista tenham dado ideias fundibulárias aos moços guerreiros mais espevitados? Tentativa de os morigerar mediante um toque a sentido com o espectro dum cacete por detrás? Recadinho ao Povo para que não tente desagachar-se e continue a dar o pêlo, a lã e a carne aos que nos ensanduicharam na troika? Forma hábil de mostrar que se alguém piar muito a repressão e os seus filhos dilectos, os tribunais desta nação, lhes farão a folha?

   Tudo isto se pode conjecturar – mas eu prefiro concluir que deve ter sido por complexo (ainda) interiorizado nos escaninhos espirituais de antigos partidários da” velha senhora” reciclados em democratas. Mas para quê “gritar lobo”?

  Ou talvez me engane – e seja por razões muito diferentes. Quais?

  Não sei, francamente – se eu nem sequer sirvo para acertar em mais que um dos números do Euromilhões…!

  Recebam o proverbial abrqson de Janeiro do vosso et nunc et semper

                                                                                                            ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.