NICOLAU SAIÃO

 Uma nova editora e João Rui de Sousa

   Recebi há dias, do jornalista e poeta Mário Galego, uma notícia e um convite: diversificando as suas actividades, este nosso confrade lançou-se também na edição. Diz-me ele: 

    Mando-te este mail para te contar que agora chegou a vez de ser editor «a sério» !

   Em breve (princípio de Julho), estará por aí uma nova editora (da qual sou sócio): Ediresistência. Vai ter uma colecção de livros de prosa - Resistência - que começa com a publicação de uma novela de Urbano Tavares Rodrigues e um livro de contos de António Nunes de Almeida; uma colecção de poesia - Madrugadas - que deverá arrancar com um novo livro de João Rui de Sousa(...) e uma colecção de música - Contralto - que terá uns autores conhecidos mas ainda em fase de escrita. 

    Posteriormente, enviou-me o Convite já estruturado do lançamento, sucedido  no dia 3, pelas seis e meia da tarde, nas intalações do El Corte Inglês de Lisboa.

João Rui de Sousa

       Voltemos agora as atenções para João Rui de Sousa. E já perceberão o meu ponto. 

    Ora, no ambito da correspondência que me enviam habitualmente, comunicaram-me hoje os services próprios da Ass.Port. de Escritores que no próximo dia 9, na Culturgest, sob a presidencia do Secretário de Estado da Cultura, terá lugar pelas 18,30 h a cerimónia oficial de entrega do Prémio Vida Literária deste ano precisamente a João Rui de Sousa. 

    Entendo como honrosa – creio que é consensual - para as diversas entidades , a atribuição deste galardão ao autor de “A hipérbole na cidade”. 

    Como autor, como professor, como confrade de leal e fino trato, João Rui de Sousa é hoje por hoje um dos mais dignos escritores portugueses. 

     Em 1987, José Manuel Capêlo convidou-me a integrar a antologia “Palavras - sete poetas portugueses contemporâneos”. Informou-me ainda que numa reunião havida no Porto tinha ficado definido o nome dos participantes bem como o do prefaciador, João Rui de Sousa, que aceitara o encargo de imediato. 

    No entanto, mais me informou o já falecido autor de “Madrugadas e vozes”, e editor da Átrio, que o meu nome havia despertado junto de um par de autores alguma resistência. Não só porque Capêlo se propusera pagar do seu bolso a verba que me cabia, como a todos, para execução material do livro – mas também por eu não estar nesse tempo em cheiro de santidade junto de certos e muito imperiosos sectores socio-políticos da nação. 

    Capêlo persistiu, não cedeu e a antologia (aliás com grande êxito desde o próprio acto de lançamento) veio a lume sem que eu tenha sido ejectado. (E como é lógico eu não reivindiquei um tostão que fosse). 

    E eis o que João Rui de Sousa (que não me conhecia, nem eu a ele) escreveu a meu respeito: 

    “Subscreve NS uma das mais seguras e coerentes sequências desta antologia. Uma segurança (de estilo) que obriga a surpreender-nos com o facto deste autor ainda não ter publicado qualquer livro. Uma coerência (de tom) que, nada tendo a ver com um repisar monocórdico, se espraia através dum acervo escritural cujo tópico mais à vista se situa no entendimento da arte, mormente a pictórica, ou de alguns artistas (veja-se “Introdução”, “Paul Gauguin”, “Arpad Szènes” e “Pessoa Inúmero”). A complementar esse núcleo, relevem-se ainda a parte de ironia transposta em “Labirinto”; o evento inesperado dessa “tristeza perfeita” aludida num texto que tem o título de “Alegria”; e, sobretudo, o exercício de construção/desconstrução exemplarmente sugerido em “A janela” , de que se transcreve apenas o fecho: 

                   A janela constrói-se

                   pouco a pouco, a janela diz

                   milhares de palavras inventadas

                   e nuas, é uma imagem

                   em equilíbrio subtil. A janela é agora

                   quase porta, parece feita de

                   altas meditações familiares. Nem precisa de ser

                   ausência, como um retrato

 

                   que sai de nós para todas as ruas

                   onde irrompe um perfil enegrecido

 

                   onde alguma outra vida se acolheu.” 

    De acordo com Capêlo, estas palavras causaram alguns pequenos engulhos em certos autores bem determinados. 

    Dois anos depois da publicação, a APE atribuíu ao meu “Os objectos inquietantes” o prémio nacional “Revelação/Poesia”, o que me permitiu um vôo mais livre nas estantes do país. A edição esteve a cargo da “Caminho”.

      De certa maneira findara a primeira parte da minha marginalização, que agora praticamente apenas existe em Portalegre mas que já não me consegue impedir de continuar a cirandar pelo mundo, Portugal incluído. 

      Por último, resta referir que em 2000 o meu livro “Os olhares perdidos”, saído na Universitária Editora, foi honrado com as palavras introdutórias (“Expansividade e Transfiguração”) de João Rui de Sousa, o mais belo pórtico que o poemário poderia ter.  

      Estranhar-se-á que por estas e outras manifestações de fraternal cordialidade que dele tenho recebido eu envie ao Poeta a minha extrema simpatia e estima envoltas no Abraço que naturalmente lhe tributo? 

      A todos, neste quente princípio de mês, o abrqs cordial do

                                                                                                       ns

 

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.