NICOLAU SAIÃO

Momento de poesia, novo fado português

 
 

  Dias atrás um confrade meu, grande poeta brasileiro (um dos maiores que aquele país irmão possui) enviou-me uma das suas habituais missivas – que sempre recebo com gosto – e a certa altura lamentava impressamente que eu perdesse tempo a escrever coisas políticas (sic), pois o que ele achava digno era eu dar-vos poemas, poesia própria e alheia (e eu agradeço o mimo de considerar que faz sentido eu dar aqui a lume o material de fabrico próprio a par do de fabrico alheio…).

  É capaz, mas não o iria asseverar, de ser verdade. De ter ele razão. No entanto, ao mesmo tempo que o lia, sentia bater-me nas orelhas a frase lúcida de António Maria Lisboa, que rezava e ainda reza “A crítica é a razão da nossa permanencia”, a par daqueloutra de Manuel de Castro “Chama-se UM HOMEM àquele que sabe o que está fazendo” e, “the last but not de least” como usa dizer o famoso crítico lusitano cujo nome não me ocorre de momento, ainda a de Camus, que arruma, creio eu, a questão definitivamente: “A poesia e a prosa nunca devem esquecer que se são feitas por um impulso que não tem por norma o testemunho ético não passam de actos desumanos ou, no limite, de egoísmos ou mesmo de canalhices”. (E não devemos esquecer que há a crise que nos sufoca, provocada por estimáveis homens públicos ladrões e/ou caloteiros – e agora nós é que temos de esportular as lecas para encher o buraco que esses amáveis bandidos escavaram…Porque havemos de passar em branco as suas malfeitorias?).

   Mas como sou, creio eu, um tipo tolerante e – talvez por ser fraquito e um pouco medroso – um esforçado gerador de consensos, pensei que podia conciliar as coisas e dar poesia que, simultaneamente, tivesse algum pequenino gesto social.

  Vai daí saíu-me o que aqui vos deixo, com o xi-coração de sempre pelo menos para as minhas estimadas leitoras:

 

FADO PORTUGUÊS 

Vamos lá falar a sério:

a nação está estragada.

Só há uma solução:

- malta, vamos p'rá porrada!

 

Até sou um tipo afável

mas isto assim não dá nada...

Temos justificação:

- malta, vamos p'rá porrada!

 

Tudo limpinho e às claras.

Em segredo não vale nada

e os da “secreta” vigiam…

- malta, vamos p'rá porrada!

 

O Sócrates lá na estranja

leva vida regalada

e nós aqui a tinir…

- malta, vamos p'rá porrada!

 

O Constancio melhorou

recebe uma batelada!

Aqui, perdeu quem poupou

- malta, vamos p’rá porrada!

 

Até o Cavaco ganhou,

tem vidinha prestigiada

pois engrola o que sempre engrolou…

- malta, vamos p'rá porrada!

 

Diz ao povo para ter calma.

É uma treta pegada,

ele quer é safar os gandulos…

- malta, vamos p’rá porrada!

 

Confiava no sô Lima…

e o Loureiro figura amada

merecia-lhe toda a estima…

- malta, vamos p’rá porrada!

 

O Arménio propagandeia

e é só conversa fiada.

Quanto ao Xico, é um varre-feiras…

- malta, vamos p’rá porrada!

 

O Seguro é um alfenim

de cantiga bem cantada,

mas andou co’ Sócrates ao colo!

Malta, vamos p’rá porrada.

 

Mandantes? Urina neles

pois é tudo uma cambada.

Só há uma coisa a fazer

- malta, vamos p'rá porrada!

 

Vamos agir em conjunto,

está a pátria ameaçada.

Sem temor, tratemos deles...

- malta, vamos p'rá porrada!

 

O caminho é só já esse:

ou nós ou a Força Armada.

Temos de salvar o país!

- malta, vamos p'rá porrada!

 

Viram como foi lá fora?

É uma coisa danada,

estes gajos só percebem

se a malta fôr p'rá porrada!

 

Por isso, nada de medos.

E de cara levantada

sem coisas clandestinas:

-         MALTA, VAMOS P'RÁ PORRADA!!! 

ns

 

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Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.