NICOLAU SAIÃO

Dar testemunho

(Os textos seguintes foram originariamente dados a lume no Fórum do Diário de Notícias”)

  “O POVO, NUMA DEMOCRACIA, É SOBERANO”                                                                             Alexis de Tocquevile

1.  Vilaverde Cabral, sociólogo, veio a público num acto de retórica em que se tornou conhecido acumular razões para dizer que os políticos (manifestamente referia-se ao ex-premier lusitano) não deviam ser responsabilizados criminalmente por, a seu ver, não terem culpa de erros de governação cometidos durante os seus consulados.

  Venho dizer, também aqui, a Vilaverde Cabral: o que se pretende, e deve ser julgado nos ex-políticos, (concretamente Sócrates e seus ajudantes, para começar) não é o terem cometido erros, incompetencias e mediocridades. É terem malversado e malbaratado, por abuso de poder e arrogancia culposa, o erário público.

  No limite, terem depredado e alegadamente roubado, por sentimento de impunidade, o património de que deviam cuidar por imperativo constitucional.   

  Isso é de delito comum!

  Não é possível que Vilaverde Cabral não saiba isto.

  Portanto, o que diz visará apenas eventualmente eximi-los à Lei e torná-los impunes.

  E isso é lamentável.

2. (Minutos depois de ter passado a limpo este texto, os órgãos de comunicação começaram, com grande soma de pormenores – que vão continuar a ser emitidos nas diversas estações de rádio e televisão e em cadernos específicos de jornais e revistas – a difundir que o ex-deputado, ex-governante e ainda figura poderosíssima do milieu político nacional Duarte Lima tinha após aturada investigação de meses sido formalmente acusado pela Promotoria brasileira do assassinato de Rosalina Ribeiro, abatida com vários tiros, na região de Maricá em circunstâncias especialmente penosas por, conforme consta do despacho, se ter recusado a assinar um documento que garantia ao indivíduo em causa a apropriação de mais de cinco milhões de euros.)

  Comentei como segue:

 O caso deste indivíduo, barão da política - arrogante, prepotente e hábil gestor de jogadas claras ou obscuras de acordo com os mídia - é paradigmático. Por isso, não estranha ver que aparecem aqui escrevinhantes, sem ele ter sido julgado, defendê-lo acerbamente como inocentinho... apesar do seu currículo dar que pensar a quem tivesse um pouco de argúcia.

  Sejamos claros, embora moderados: este teve alegadamente necessidade de matar. Mas o pior é o acervo dos que não precisam de matar com sangue para "matarem o quotidiano" e nos irem matando na prática. Em "O crime e a sociedade", ensaio publicado aqui e lá fora, vem tudo explicado. É assim o dia a dia numa "sociedade criminal"! Está em linha/arquivo no TriploV e pode lê-lo facilmente.

  A Promotoria brasileira descreve-o como arrogante e prepotente. Pois é...Os brasileiros dizem isto, mas por cá (basta lerem-se e verem-se na santa TV os amigos ou conhecidos do homem a "amaciarem" as coisas) é um prestigiado advogado, um cordialíssimo senhor e, acima de tudo, um cristão devotado, um cidadão de fina estirpe católica e uma mais-valia na magnífica sociedade lusa.

  Tenho a certeza de que será nem digo absolvido pois nem a julgamento irá, seguirá sendo um esteio social respeitado e passará um resto de vida regalado.  

  O destino velará por ele...e não só!

 3. “Sócrates pede a deputados para chumbar o OE – dos jornais”. O ex-premier telefonou a deputados da sua linha para que votassem contra o orçamento de Estado, para não dar razão ao “desvio colossal” que se lhe atribui.

  Não se estranha, mas entranha-se - parafraseando com dolorosa ironia a célebre frase de Fernando Pessoa. A quem tivesse dúvidas sobre o caracter político deste senhor, a expressão do seu sentir aqui fica na pura claridade...

  Que mais dizer para o caracterizar? Creio que o acto é por si só suficiente.

  E, para maior e mais exacta definição, referir que A.J.Seguro - como diversos mídias se têm feito eco - na realidade é no PS um mero eventual enquanto líder, uma quase figura decorativa para os embates imediatamente a seguir ao exílio de Sócrates, que é na verdade quem continua a mandar nesta formação partidária. Repare-se que após ter sido desmascarado o seu mau governo (digamos sem crueldade...) ninguém ali se atreve a criticá-lo!

  Continua a ser, indubitavelmente, no coração político dos mais potentes, o seu deles “menino de oiro”, apesar de já não ser, pela circunstancia que o ultrapassou (ter sido varrido eleitoralmente) o “animal feroz da política”. Agora será apenas, eventual e alegadamente, um tigre de papel que contudo continua a querer arranhar a nação…

ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.