NICOLAU SAIÃO

Alentejo Revisitado
Com música e voz de Miguel Ángel Naharro

(No livro “Os olhares perdidos”. A parte II foi a que Miguel Ángel Naharro musicou).

ALENTEJO REVISITADO

                                       a meu avô Francisco

 I

Do rosto que olha o Alentejo é o corpo

mas não somente o corpo    a árvore

figueira junto ao mar    um pássaro

perto do coração

 

Trigo que escutamos e que vemos

antes de ser    o pão

 

A mão que desvenda

o sítio exacto da alma

vegetal animal e mineral

em todos os caminhos

 

Para sempre

um país sob a luz menino imemorial 

II

Durante tanto tempo foste

o companheiro das coisas vivas

 

Terás de encher agora os teus bosques ardentes

de neblina e silencio e animais sem condição

 

E deverás olhar as coisas mortas

como se todas as manhãs elas partissem

 

Tudo o que tens e que tiveste outrora

a paz que em vão buscaste tantos anos

nesse lugar fecundo ficará

 

Quanto oceano quanta sede quanta voz

na escuridão das searas que amanhecem

 

Alentejo um pão cortado

na sombra dos candeeiros dentro das casas desertas.

 

05 - Track 5 by triplov



No livro que acompanha o CD “Antologia”, que extrai e reúne o que foi considerado mais relevante da sua Obra - constituída pelos álbuns "Paseo literario por Extremadura" – LP, "Paseo hispánico (Poetas-XII-XX)",  "VIDA" , "Canciones lusitanas"  e "Canciones guerrilleras" - eis como o escritor português Joaquim Saial  se refere ao trecho aqui apresentado:

   Este poema de Nicolau Saião, como es habitual en su obra, es algo difícil, tortuoso, pero innegablemente bello. Nos habla de un Alentejo revisitado, de esa ancestral provincia telúrica del Sur, uno de los más genuinos rincones de la patria portuguesa, que transitando hoy por un cambio acelerado es aún poco provechoso. Los antiguos campos de trigo del espacio antes conocido como “granero de Portugal” se sustituyen por viñas y otras producciones o se centran en un turismo rural interesante, en términos económicos, para los que en ella hacen sus inversiones, pero que ofrece escaso empleo. Donde teníamos sequía, miseria y duro trabajo humano, pero un fuerte orgullo por las cosas de la tierra, hay hoy el líquido (y mítico) Alqueva, aun sub-aprovechado y con cada día menos actividades para emplear mano de obra agrícola que no vende futuro para sí y emigra dejando los pueblos desiertos o solamente con viejos y muchos campos abandonados. Como decía Rosalía, «Este vaise i aquel vaise, / i todos, todos se van; / Galicia [Alentejo], sin homes quedas / que te poidan traballar.» Por otro lado, la rebelión por algo con mejores condiciones dio lugar al desencanto y a la inercia reivindicativa. El alma del Alentejo parece haber sucumbido… ¿Serán esas las “cosas muertas” presentes en el discurso de Saião?

   Quedan, en fin, siguiendo el poema, memorias que hablan de «un pan cortado en la sombra de las lámparas dentro de las casas desiertas». Saião, siendo él mismo un alentejano amante de la vida y “compañero de las cosas vivas”, muestra aquí algún desencanto, pero añade a la producción lusitana que trata de la gran región meridional portuguesa, una de sus más sublimes y nostálgicas coplas, a la que la poderosa voz de Miguel Ángel Gómez Naharro, acompañada por su guitarra y por la de Juan Luís Sánchez Pajares, ofrecen la necesaria vestimenta para transformarse en una pieza inolvidable.

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.