Como todo o cristão
decerto sabe, o fumo branco tem um significado de alegria, de
fecundidade e de boa-nova. É, no imaginário quotidiano, o fumo que se
propaga sobre os telhados do lar, adejando por sobre as chaminés que
são, também elas, símbolos de convivência, de fruição e de partilha uma
vez que denotam a presença humana com a sua carga de materialidade mas,
também, de espiritualidade.
Não é por mero acaso que,
por exemplo, a eleição de um novo Sumo Pontífice seja anunciada pelo
fumo branco resultante da queima, na lareira papal, dos papéis sem jaça
mediante os quais, em votação lídima, se concordou pela elevação de
alguém à cadeira de São Pedro. Para além de assinalar aos fiéis um facto
congratulatório, esse fumo branco atesta o tom jubilatório que dele
emana.
Mas não é só entre os
cristãos que o fumo branco – por oposição ao fumo negro – tem um valor
simbólico marcado: entre os dayaks da Nova Guiné, sempre que na tribo
nascia uma criança em circunstâncias especiais, eram erguidas três
pequenas piras das quais brotava um fumo branco aromático, conseguido a
partir de plantas apropriadas; por seu turno, entre os sioux do Nebraska
havia dois membros da tribo (denominados anciãos lakota) que tinham por
missão, entre outras menos sacrais, disseminar fumos brancos após os
sucessos duma caçada colectiva ao bisonte – que era, em geral, a base da
nutrição dos Plains.
O fumo negro, como se
intui, tem um significado bem diferente – de queda, de decadência, de
triste ou de inquietante negação porque brota de substâncias
adulteradas. É aquele que costuma caracterizar situações menos
legítimas. E então é costume aludir-se a ele dizendo, por exemplo: “Há
por ali fumos de bandalheira”.
Nos últimos tempos,
atingindo a opinião pública, tem sido dada notícia de fumos negros de
ilegalidades em entidades as mais diversas. Como disse – e bem – Durão
Barroso (sou consabidamente seu oponente, pelo que creio ser insuspeito
para o poder afirmar de viva voz) antes assim que ficar tudo abafado,
como costuma ser estranhamente habitual. O acto de vir a lume um facto
penoso é um sinal positivo e só os coniventes com o opróbio e os
secretos partidários da pouca-vergonha ou da roubalheira é que podem
defender as práticas de ocultação. O que está mal é o facto em si e não
este ser assinalado.
Foi, no entanto,
ligeiramente inquietante verificar que um dos dirigentes da nossa praça
– não recordo se um executivo de topo ou um senhor comandante de uma
corporação – referiu que esperava ver, e cito de memória, os casos
investigados e, talvez, julgados como é de norma. Talvez?
Faço minha, no entanto, a
evidente preocupação daquela alta entidade. Tem inteira razão na sua
expressão, modesta, de acreditar em algo que é perfeitamente de esperar
em qualquer sociedade civilizada.
Todavia, efectivamente,
no nosso país isso não é assim tão pacífico.
Com efeito, em Portugal o
sistema judicial - pese embora à natural boa-vontade legal e ao pundonor
legítimo de tantos e tantos próceres da Justiça - está hoje por hoje
quase completamente desqualificado, sendo olhado com natural
desconfiança pelos cidadãos comuns e, mesmo, pelos quadros societários.
É todos os dias dito e não por mim, que reina a inimputabilidade de
órgãos de análise prática, o que vai contra a Constituição, que
preceitua a independencia e não a irresponsabilidade e muito menos a
prepotencia cavilosa.
Não há muito tempo,
participei no estrangeiro numa sessão acontecida no âmbito de um
Encontro referente à Literatura Policiária. Ao analisar as suas relações
com a vida quotidiana, que aliás fundamenta qualquer tipo de literatura,
chegou-se à conclusão de ser o nosso País, infelizmente, uma sociedade
criminal. Ou seja, onde um sistema judicial degradado e capturado por
cliques irregulares é o cancro que está a destruir as simples regras de
convivência e, em última análise, a democracia tendencial (ou democracia
limitada, de forte tendência policiesca ou intimidatória) que é o tipo
de regime que vigora em Portugal pese aos “disfarces” estatais que
tentam tomar-nos por primários.
Mediante a ineficácia ou
a devastação em que se consente que o referido sistema viva, tem-se
criado na sociedade uma torpe sensação de inquietude, de precariedade,
de desleixo cívico e autêntica moralidade crápula que - embora da
maneira subreptícia que só os estultos não percebem – se estimulam e
justificam através de uma desculpabilização arteira, “habilidosa” ou
prepotente, exercida com o intuito de constituir contra-propaganda
frente aos anseios de legítima justiça que vive em qualquer cidadão
mínimamente sério e sensato.
Os sinais de que isso é
já insuportável são muitos - e começam a ter um cariz de alta gravidade.
Esses sinais com efeito revelam da parte dessa gente um verdadeiro
desprezo pelos direitos de cidadania e, em última análise, uma
sobranceria injustificável e anti-patriótica para com a Nação. Tem, por
isso, de ser firmemente combatida pelas pessoas de bem.
Os portugueses estão a
ficar definitivamente fartos em relação a situações de laxismo
provenientes de homicídio, roubo, manipulação oficial, delito ecológico,
etc. ou a outras de ordem diversa como furto, agressão, calúnia e
difamação, peculato, tráfico de influências, associação criminosa, abuso
policial. Começam mesmo a formar-se movimentos de opinião para obstar a
tal estado de coisas e, portanto, é urgente agir de modo a que tal não
descambe em algo mais preocupante ainda. Lembremo-nos de que foi devido
à inércia havida contra um sistema judicial criminal, laxista ou
tendencioso que em Itália quase se chegou à devastação societária. E que
muito por isso o Leste colapsou, tendo muitos dos seus próceres sido
abatidos.
É legítimo esperar que o
sistema judicial, alegadamente colonizado pelo Poder, o que é ilegal se
reconfigure - e bem depressa - mesmo que tal passe pela
responsabilização pura e dura (com todas as garantias de defesa,
naturalmente) de protagonistas ao mais alto nível que não cumpram ou,
ardilosamente, enovelem ou entravem situações contra o interesse da
Nação.
Caso haja necessidade, os
cidadãos e as entidades individuais ou colectivas podem e devem recorrer
às instâncias internacionais, pois isso já é, hoje em dia, um legítimo
recurso.
Ou - o que está
consignado na Constituição dimanada dos direitos humanos - o “direito de
insurreição” quando seja caso que os órgãos de governo se desautorizaram
nefandamente.
Havendo tal necessidade,
por inépcia ou corrupção ética das entidades nacionais, teremos uma vez
mais legitimamente posta em causa a “honra e a soberania nacionais” que
muitos dizem querer ver defendidas mas que, afinal, deixam que fiquem
inteiramente cobertas de negros fumos. |
Nicolau
Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou
em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália,
Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter
exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris,
Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi,
Sevilha, etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio
Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor
ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro
(1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O
desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a
sair).
No Brasil
foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e
plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a
Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique
(2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os
fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e
ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato
Suttana “Bichos” (2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na
surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na
Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.
Tem
colaborado em espaços culturais de vários países: “DiVersos”
(Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”,
“Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil),
Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),
“Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”,
“Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”,
“Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista
365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou
os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de
portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do
Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno
Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros
Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural
publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de
Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.
Organizou,
com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o
Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O
futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na
Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de
poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no
álbum “Canciones lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município
da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e,
em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de
actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de
Mérito Municipal. |
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