Quando entrei no bar do Hotel onde decorrera a
entrevista, para recolher o gravador e as diskettes, o ambiente era
carregado.
Jason Peeplewebb, o
director do “World New News” que em rigoroso exclusivo conseguira a
sensacional “caixa” com o grande pensador, tinha na face um ricto
marcado, parecendo-se cada vez mais com o Jason Robbards. Por seu turno,
o Doutor Jagodes mordia as pontas do bigode – o que não augura nunca
nada de bom. A seu lado, sobre a mesinha de tampo de vidro, uma garrafa
de “Old Glock” de 16 anos aguardava serenamente, já meio cheia ou meio
vazia, conforme à célebre proposição filosófica.
Resolvi sensatamente
não lhes dirigir qualquer pergunta. O que fosse soaria…
Chamando discretamente
de lado um dos criados de mesa, a quem coloquei na destra uma pápula de
5 dólares, levantei um dos sobrolhos interrogativamente e ele
descoseu-se logo. “Foi um rato-de-hotel de cara patibular com uma barba
cerrada onde se salientava uma larga mancha branca, que apanhando os
dois interlocutores distraídos lhes empalmou as diskettes e o
gravador…Material valioso! A polícia já lhe está no encalço, foi logo
identificado pelo sistema computadorizado do detective do Hotel.
Trata-se de um conhecido ratão, um tipo sem eira nem beira que costuma
acobertar-se aí pelas esquinas e as sombras e, quando menos se espera…dá
a palmada. Mas creio que a Metropolitan Police não demorará a deitar-lhe
a luva…!”.
E, com efeito, não
demorou. Rapidamente identificado e capturado, foi remetido à enxovia e
o gravador e as diskettes entregues ao nosso director, que de imediato
mas pôs em mão para as normalizar. E tudo terminou em bem, com uns
tragos de “Old Glock” a acalentar-nos o sentimento do dever cumprido.
A entrevista é como
segue.
Jason Peeplewebb (JP) –
Não lhe escondo, Doutor Jagodes, que vou ser muito directo e talvez
incómodo nas perguntas. Se por acaso notar que…
Doutor José Jagodes (JJ) –
Olha, moço, vamos deixar já esclarecidinha uma coisa: não te ponhas com
fosquinhas que eu não sou como o ministro Sousa Pereira, que exigiu ao
M.Crespo que não lhe fizesse perguntas chatas, que o deixassem de cara
ao lado e que o tratasse respeitosamente por Sr. Ministro... Tontices
dessas não são comigo! Perguntas o que quiseres e como quiseres,
descontrai-te e já agora deita aí mais uns dedos de “bourbon” que isso
passa-te. Valeu?
JP – Mesmo que seja
perguntar-lhe qual a sua filiação partidária? Ou se é anarquista, como
há uns tempos num julgamento uma pessoa da magistratura perguntou a um
dos queixosos? Ou…
JJ – Se me perguntasses de
que equipa da bola sou fã…isso é que era grave! Agora por que partido
torço…Isso é o trivial, posso-te dizer um qualquer e ficas na mesma. São
praticamente todos iguais, embora haja diferenças: uns viram p’rá
esquerda, outro dobram p’rá direita, ainda que uns gritem mais que
outros. Não ligues, estou a brincar, era uma piada que tu como americano
se calhar não percebes…Olha, põe aí: sou da situação.
JP – Da situação…? Não
percebo.
JJ – Nem precisas, mano.
Olha, quer dizer que estou com os que manobram o taco…o pilim e as
nomeações, nomeadamente de filhas e cunhadas e primos dos sogros.
Entendeste melhor?
JP – Penso que sim… Mas
tinham-me dito que o Doutor…era homem de fortes convicções…Sujeito de
uma só cara…
JJ – E sou! A minha
convicção – e sigo os preceitos clássicos, juro-te, no enfiamento
daquele antigo deputado girondino…ou assim… - é estar com os que de
momento levam o país na senda de progresso a que se assiste…O bem da
pátria acima de tudo!
JP – Se calhar até se
filiou já numa dessas irmandades que…
JJ – Numa obscura
irmandade, dessas irregulares mas deixá-lo, como diz um confrade meu?
Olha, pá, acertaste. Filiei-me numa Sociedade secreta: o Grupo
Gastronómico e Recreativo de Vila Facaia.
JP – Essa não conhecia. E
os vossos ritos…pode-se ter um cheirinho…
JJ – Só se for dos rojões
à moda de Barcelos. É que ali o secretismo consiste nisto: a malta não
andar muito às claras porque certas esposas desconfiam que depois dos
jantares vamos às…não sei se me entendes…
JP – Não entendo. Mas não
importa. Interessa-me mais saber das presidenciais, o que se perspectiva
na…
JJ – O que se perspectiva,
o que se perspectiva…! Não se perspectiva nada, ou melhor,
perspectiva-se tudo. Já se sabe que quem vai ganhar é o…
JP – O Manuel…?
JJ – Manel? Quais Manel?
Ah, o…o extraordinário poeta e que também, ainda por cima, escreve
bem…Não, referia-me ao outro, o da situação, o que não precisa de fazer
nada porque os amigos e correligionários já fizeram tudo inclusive
meterem-no em alhadas quando menos espera. Sim. Acho que sim. E também
te digo a ti, como ele costuma dizer: tem calma, tem esperança, que
ainda vais ser prémio Pulitzer se não te agachas…!
JP – Mas eu não quero ser
Pulitzer, só quero que o meu jornal não entre em crise aguda como os
outros que…
JJ – Cá é o mesmo. A malta
só o que quer é objectivos ligeiros, consensuais, como não ter de pagar
balúrdios para safar os banqueiros, esses tristes e anémicos dum ponto
de vista monetário, mas no entanto…
JP – É isso. Vocês também
têm, ao que percebo, uma Constituição que…
JJ – Constituição??! Mas
que é isso pá? Temos as comissões de inquérito e é um pau…Não servem
para nada, porque lá está o Assis…e os colegas…
JP – São Francisco de
Assis? Sim, tenho ouvido dizer que vocês resolvem tudo pela fé. Ainda há
uns quinze dias tiveram lá o Santo Padre…
JJ – Mas principalmente
tivemos Joseph Ratzinger! Parece o mesmo, mas não é. Ao passo que o Papa
pode ser uma função, digamos, o Cardeal J.R. está longe de o ser. Bom,
mas não nos dispersemos…As coisas vão melhorar, já se nota qualquer
coisa de novo, um ar mais feliz e dinâmico…!
JP – Também se não fosse
assim…Ficavam-no a dever à consciência…Só o dia de tolerância de ponto
custou pr’aí uns…
JJ – Xarape! Que é lá
isso? Também me vens com essa conversa dos maldizentes e incréus??!
JP – Mas eu só…
JJ – Olha, deixa-te disso.
Foi um dinheiro bem gasto. Se não acreditas pergunta-o ao Padre…
JP – (interrompendo) – Ao
padre D. Policar…
JJ – Chut! Chuuut! Cala lá
o bico, nada de nomes. Isto é uma democracia, mas quando chega aí…parou!
O diálogo com os abstémios, ai, os ateus é muito giro mas é para as
homilias do frei Bento…ou do frei Boff, ou assim…De resto é melhor
xarape, não sei se percebes…porque tu estás na América, de rabo tremido,
mas eu estou intermitentemente lá e…
JP – Percebo. Pronto,
adiante. E que me diz daquela coisa cultural do vosso chefe com o
Francisco Buarcos de Holanda, o fadista?
JJ – Por acaso não é
fadista, mas não interessa. Referes-te ao brasileiro que quis conhecer o
nosso manda-chuva? Só tenho a dizer que tem bom gosto. Eu, se me dessem
a escolher passar duas horas com o Hugo Chávez ou o Mourinho, ou mesmo
com o Teixeira e Santos ou a Maria de Belém também preferia passar 5
minutos de bato-papo com o dinâmico e progressista grisalho de nome
grego. Era, em todo o caso, mais rápido!
JP – Yeah! Referiu-se a
Teixeira e Santos. Não me diga que também está agora do seu lado!
JJ – Acertaste, ganapo!
Estou e não faço favor nenhum. Para já, tem um ar escarolado e, num país
onde vibra tanta sujeira, ter-se um ar escarolado é meio caminho andado.
Mas além disso, há o bom senso!
JP – Bem sei…O bom senso
financeiro…
JJ – Financeiro? Mas quem
é que falou em financeiro? Eu refiro-me ao bom senso tout court! Ao bom
senso societário, quotidiano! Pois nunca ouviste dizer “Se não podes
vencê-los junta-te a eles”? Então…! Estou convictamente do lado do
Teixeira, cumpro o meu dever (dever, do verbo ficar devendo) de
patriota!
JP – Vejo que o doutor se
tornou um pragmático… E em matéria de política internacional, de figuras
destacadas…
JJ – Fico-me pelo nosso Zé
Manel…Tu sabes, o D.Barroso. O que é nacional é bom e assim é uma
espécie de ir lá fora cá dentro. Percebeste? Nacionalismo é o meu forte!
E é um prestígio para o País, não se ganha nada com isso mas ficamos com
o ego repoltreado. Os olhos também comem, compadre!
JP – Hum, hum…! E nem lhe
pergunto por coisas do desporto.
JJ – É melhor não.
JP – Coisas como por
exemplo o…
JJ – É melhor não. De
resto praticamente já está tudo resolvido…
JP – Resolvido? Como
assim? Pois se ainda agora começou…
JJ – Mas referes-te a quê?
JP – Eu pensava que me
estava a referir ao Campeonato do mundo da bola?
JJ – Ao Campeonato…do
mundo…? Mas eu importo-me lá com isso, zabumba! Eu pensava que te
estavas a referir era aos novos amores do Pinto da…
JP – Xarape lhe digo eu
agora! Não me meta em sarilhos, please. Eu não quero andar nas bocas do
mundo, basta-me a minha Nova Iorque e por extensão os próprios EUA…
JJ – Pronto, está bem, eu
calo-me! Mas sempre te digo que vocês na América são uns cagarolas!
Vivessem vocês em Portugal…sempre com os jornais em porrada bravia com o
Bava, o Soares Pedro, um Vara e tal…O que é Chicago comparada com os
sábados…em que saem os semanários? Uma pechincha!
JP – Mas isso é agora, que
temos o Obama. Dantes com o Bush era uma algazarra!
JJ – Não me digas! Chegava
lá a barulheira da malta fixe do Chico Louçano? Olha, não faz mal –
ainda têm as coisitas da faixa de Gaza e dos confrades da Hezbollah para
se entreterem…Queres perguntar mais alguma coisa?
JP – Eu parece-me que me
fico por aqui…
JJ – Está bem. Tive muito
gosto. E diz ao Obama que tenha calma como diz o bom do Cavaco, ele que
não se amofine muito. Mal mal estará o Nobre se ganhar as eleições! Com
esta malta e com os desiludidos se o Campeonato lá p’rós lados do
Mandela correr mal…Não lhe queria estar na pele! O que vale é que o
Verão parece ir estar magnífico!
(Entrevista conduzida por
Jason Peeplewebb, esquire) |