|
|
NICOLAU SAIÃO |
|
A PRISÃO DO JAGODES (Jagodes’ jail)
– reportagem-entrevista de Violante de Besteyros |
|
“TUDO NÃO PASSOU DE UM LAMENTÁVEL EQUÍVOCO
– declarou-me na Sala de visitas do Forte de S. Benito (onde se encontra
provisoriamente estacionado) o Doutor José Jagodes –
MAS O CERTO É QUE ME ENCAVALARAM…” |
|
A
primeira sensação que me acometeu ao entrar na soturna ex-praça de
armas, neste momento transformada em “Pensão compulsiva” como Ele diz
com chiste e um sorriso que os espectadores da TV bem conhecem pois é
proverbial quando Ele sai do Conselho de (…) ou mesmo de um exercício de
“jogging”, foi uma espécie de”dejá vu”, pois parecia-me ter recuado no
tempo até àquele dia pós-25 em que fui visitar a Penilche o meu
ex-colega Nunes Reboche, entregue às penas por, também ele, ter
criticado acerbamente o antigo homólogo de Ele, acção em que tal como o
nosso entrevistado se enganou dolorosamente…
Fui encontrar o Autor de “Sarabanda em Belém – Algumas achegas
proto-Estóricas” um pouco olheirento e com uma feia mancha escura no
malar esquerdo, mas descontraí após a explicação breve que me deu:
“Não…não pense nisso Violante! As minhas olheiras devem-se a que não
conciliei o sono até às 4 da manhã porque um dos meus companheiros
de…apartamento, um tipo magrito e com uns óculos enormes, qualquer coisa
Costa, levou o tempo ao telemóvel (dão-lhe uma certa lateralidade) a
escrutinar os “dow Jones”, mandando ora comprar ora vender…não entendi
nada…com colaboradores que tem lá fora…E tropecei no tapete da
casa-de-banho colectiva indo de encontro a outro colega, um por acaso de
bigode escuro muito bem falante, que sem querer me espetou um cotovelo
perto das pálpebras. Mas sinto-me bem, cheio de energia e até agradecido
por me proporcionarem umas férias à custa afinal do erário público, o
que em tempos de crise é sempre de aproveitar, não acha?”.
Senti-me mais descansada. E depois de ter metido uma pápula de 20 na mão
discreta do vigilante para me ir comprar tabaco, a entrevista começou.
Violante de Besteyros (VB)
– Foi uma enorme surpresa, caro Doutor, de que a Nação ainda não se
refez completamente, quando à boca pequena começou a constar que José
Jagodes tinha sido detido! Disse-se mesmo que…
Doutor Jagodes (DJ) –
Detido não…Encavalado! É o termo, ainda que o tivessem feito sem muita
brutalidade. Acontece que…
VB – Se me permite
interromper, Doutor, não lhe escondo que me está a chocar um pouco o seu
novo tipo de léxico. Já na pré-conversa que mantivemos em off isso me
fez impressão: talvez não tenha reparado mas a certa altura incluíu
mesmo uma expressão idiomática começada por c que, confesso, me deixou
algo corada. Mas continue, isto foi um àparte…
DJ – Mas que faz sentido!
Eu mesmo me admiro com o meu…chamemos-lhe à-vontade. Deve ser do
ambiente…há por aqui uns ex-gestores que… Mas vamos antes ao que
importa. Falei em encavalado e não por acaso. Pois posso garantir-lhe
que tudo não passou de um lamentável equívoco!
VB – Como assim? Muito me
conta…Mas acha que por um equívoco…
DJ – Os equívocos são uma
coisa histórica, Violante. Há inúmeros exemplos que me corroboram mas
não vamos agora falar nisso…
VB – Mas olhe que o que
consta é forte! Aquela de ter chamado “falhado genial” ao Senhor…
DJ – Nego
peremptoriamente! Nem sequer referi, a exemplo dos humoristas da vox
populi e duvido que isso seja verdade, que umas alegadas garagens (e
note que não fiz referencia aos célebres palheiros) têm uma planta muito
mal acabada, onde é que já se viu alegadamente terem a entrada para as
viaturas no segundo andar? E não piei nem um bocadinho a propósito da
tal lic…enfim, o diplomazito, ter visto a luz do dia a um domingo…Isso
era conversa de chacha, contra-informação típica e nunca fiz eco de tal
dislate. Só o que disse – é só do que o Monteiro me pode acusar - foi
que constituíu uma piada de humor negro o nosso Senhor vir afirmar que
com o…o Orçamento, nos abrigou, como se este fosse uma espécie de kispo,
ou gabardina, ou mesmo telheiro.
VB – Mas o Doutor também
disse, convenhamos, que na questão do ensino o homem era um “verdadeiro
pascácio” e estou a citar…
DJ – Está a ver,
Violante, como se criam maldosamente as lendas?! O que eu afirmei, numa
roda de tipos que considerava discretos (mas estava lá um vate que
depois se revelou um bufo) foi que ele criara boas condições para se
saber quem era a personagem Conselheiro Acácio, o que se deveu ao
esforço para aumentarem a cultura literária que… Esses bufos deturpam
tudo, até as simples concomitâncias de rima!
VB – Hummm…Mas não teria
havido nessa referencia, mesmo que ao de leve, um certo sarcasmo?
Considere, apropriadamente, que para isso de se diminuir a iliteracia
temos o JótaElme, a revista do Chico, para que precisamos do ministério
da Educação…? Não concorda com o meu ponto de vista?
DJ – Não concordo nem
discordo, acho que estão os três a fazer um trabalho positivo.
VB – Mas o seu, vou
citá-lo, encavalamento foi só por falar mal do…dele? Não houve
incitamentos à desordem pública, coisas assim de vulto, discursos
subversivos nas ruas, mesmo coisas mais graves como dizer que o partidão
do Senhor, afinal…
DJ – Para isso temos o
Dr.Lacão, que cada vez que abre a boca cria logo uma dúzia de revoltados
adeptos da propaganda pela acção…!
VB – E quanto àquela
declaração, se me não engano dada ao Dr. Crespo, em que sugeria que o
Dr. Almereida e Santos nunca mais devia soltar frases alegadamente
bojardas como aquela de dizer que o povo também tinha que sofrer, não
eram só os governos?
DJ – Não me lembro de ter
criticado isso. E duvido. Almereida e Santos é um dos meus fadistas
preferidos, quando estava em Coimbra também marcou a sua posição como
memorialista das jornadas diárias da estudantada e o seu “Coimbra em
África” é um dos melhores livros sobre a antropologia da Região Centro
que já me foi dado ler. Prefiro-o mesmo ao também seu “Por favor,
preocupem-se” que me parece algo datado porque preocupados temos nós
andado sempre mesmo quando o dr. Almereida não era ainda ex-ministro,
pelo que…
VB – Já percebi. Mas algo
de vulto terá feito…não é por acaso que segundo constou os serviços mais
ou menos secretos lhe andam há mais de dois anos na cola… |
|
Violante de
Besteyros, freelancer |
|
DJ – Procurando aturadamente, Violante, só me lembro de ter dito
algumas coisas ferinas sobre Jesus!…
VB – Ah aaaaah! Eu já sabia que algo de grave houvera! Já se
entende tudo! Então o Doutor vai dizer coisas
dessas…blasfémias…mesmo depois do êxito da vinda do Papa e das
condecorações atribuídas ao Senhor…e ao outro lá de Bruxelas…o
gordito… |
|
DJ – O Papa, Violante?
Não estou a perceber nada? Mas o que é que o Papa terá a ver com isto,
não me dirá??!
VB – Mas foi o Doutor que o disse! Então não
especulou sobre Jesus??!
DJ – Ó minha amiga! Que
raio! Eu teci críticas mas foi ao outro Jesus…o dos 5 a zero…seguidos
dos 3 a zero! O da bela guedelha alourada!
VB – O do Estádio
luminoso???
DJ – Exacto. E
acrescento…
VB – Mas isso ainda é
pior!!! Não está a ver? Ter criticado esse ainda é pior que ter
blasfemado contra o outro. Apesar do nosso povo ser maioritariamente
católico, é fundamentalmente maioritariamente benfiquista! Já estou a
entender o busílis…
DJ – Eu não concordo
consigo, mas enfim…
VB – E também consta, no
entanto à boca pequena, que o Doutor Jagodes, fiando-se no seu prestígio
como figura internacional - dá-se com o Obama, com o Sarkozy e…
DJ – Com o Sarkozy foi
por mero acaso. Quando andei a especializar-me no Liceu Charles Magne,
perto das Tulherias, ele costumava aparecer por lá, ainda que
frequentasse um outro, para catrapiscar as cachopas…E palavra puxa
palavra…ficámos amigos!
VB – Mas dizia eu que por
se dar com essas personalidades diz-se que o Doutor pensa que se pode
permitir tudo… Tem criticado acerbamente a magistratura, fala mesmo na
desqualificação ética do Sistema Judicial que, segundo o Doutor, chega
alegadamente ao ponto de criar bodes expiatórios para que as nuvens… |
|
Comandante Tomás Maurício, o operacional
que capturou o Dr. Jagodes |
|
DJ – Tenho de a
interromper, Violante! Isso é devido à fraca qualidade de certos
publicistas, que sendo pouco cuidadosos praticam mau jornalismo:
isso foi porque trocaram as colunas da sua folha-de-couve…e
misturaram tudo com as declarações ao lado – que eram sim do Dr.
Martinho Pinto! E não me venha com aquela conversa, como aquele
senhor de branco cabelo grande e simpático, que declarou em
frente das câmaras que o Dr. Martinho não sabe o que diz! Eu
acho que sabe. E veja que, mesmo sem ser diplomata, acaba de
ganhar de novo as eleições para Bastionário e aproveito para lhe
endereçar parabéns e também porque… |
|
VB – Siiim…???
DJ - …e também porque o
vou convidar para meu patrono…Quero que seja ele a defender-me em sede
própria. À justiça o que é da Justiça!!!
VB – Boa, essa notícia é
uma cacha sensacional! Mas ainda quanto ao Obama…
DJ – O Obama…Bom moço!
Conheci-o no Tennessee, acho eu que foi aí, quando ele tirocinava…Moço
atento, muito atilado…Seguiu todos os conselhos que se permitiu ouvir-me
e eu lhe dei…e sempre com aquele ar afável e respeitador! Daí eu não me
ter esquivado a fazer-lhe o par de discursos que ele cá proferiu…em nome
dos velhos tempos!
VB – Pois foi o Doutor…?
DJ – Claro! Queria que
fosse quem? O Mário…o nosso querido bochechas? Esse já está mais que
requentado e só pensa na Fundação e, de vez em quando, soltar uma ou
outra frase para assustar os portugueses! Como aquela de ir haver
explosão social, uma frase quer se está mesmo a ver que foi para
atarantar o Dr. Pereira das seguranças internas…Maroto!
VB – Bem me parecia que
andava por ali o seu estilo…Não me pareceu que fosse areia da camioneta
dos assessores do Presidente…Sabe porque é que desconfiei? Por causa
daquele elogio ao nosso Senhor…que o Obama fez com um sorriso rasgado!
DJ – Onde ele diz que o
Senhor…andou muito bem com o artilhar do Orçamento, não foi? Eu achei
que o discurso devia conter essa parte…assim em estilo melífluo…para
confundir as nossas hostes políticas da Oposição – mas principalmente
para reinar com o dr. Perneco Parreira, que sempre achou que o Obama…e
tal…e também com o Marcolino Ribeiro da Silva…
VB – Com o Marcolino? Mas
porquê?
DJ – Porque calculei que
isso ia fazer-lhe confusão na cabeça, não tá a ver? O Marcolino, ao
ouvir o Obama a elogiar o Senhor…e como só engata ideias gerais…aquilo
ia confundir-lhe as meninges…Entendeu?
VB – Não muito bem, mas o
Doutor lá sabe…E a finalizar desfaça-me uma incógnita que, confesso, me
atormenta um bocado: não se sente angustiado pelo que se possa passar,
para além de estar…como diz…encavalado? Constou que o Doutor andava
muito abatido. Que estava a sofrer imenso com a sua presente situação!
DJ – Agradeço a sua
preocupação, mas deixe-me sossegá-la: são boatos muito exagerados. Passo
a maior parte do meu tempo a jogar ao xadrez com o homem que me capturou
e está encarregado de me custodiar, o comandante-assessor Tomás
Maurício. Aliás um tipo excelente dum ponto de vista desportivo, nunca o
apanhei a fazer batota com os peões, os cavalos e os bispos, mesmo com a
rainha…E se quer que lhe diga, eles vão ter que me pôr lá fora, a Europa
e os seus dirigentes já começa a agitar-se, bem assim como a opinião
pública. Portugal ainda não é bem bem uma ditadura, além disso não me
parece que o Senhor vá durar assim tanto tempo que dê para esgalhar uma
golpada decidida, ele e o partidão já vão só na casa dos 20 por cento…
E deixe-me dizer-lhe o
que é que motiva deveras o meu ar desencantado: é, como “leão”,
verificar que o meu Sporting anda como anda, ainda que com toda a boa
vontade do mundo e o vigor do Sérgio e mesmo do….
VB – Bom, bom,
Doutor…Esta entrevista já vai longa…deixemos isso para uma próxima…
DJ – Alegadamente
próxima…Agora é assim que se fala…Dê por mim um abraço aos seus leitores
e…até à vista!
(Entrevista conduzida por
Violante de Besteyros, publicista freelancer, extraída e normalizada por
Simão Bolinhas, repórter especial. As fotos que acompanham estão
identificadas pelo seu autor). |
|
Nicolau
Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou
em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália,
Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter
exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris,
Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi,
Sevilha, etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio
Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor
ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro
(1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O
desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a
sair).
No Brasil
foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e
plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a
Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique
(2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os
fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e
ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato
Suttana “Bichos” (2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na
surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na
Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.
Tem
colaborado em espaços culturais de vários países: “DiVersos”
(Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”,
“Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil),
Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),
“Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”,
“Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”,
“Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista
365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou
os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de
portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do
Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno
Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros
Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural
publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de
Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.
Organizou,
com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o
Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O
futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na
Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de
poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no
álbum “Canciones lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município
da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e,
em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de
actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de
Mérito Municipal. |
|
|
|