|
|
NICOLAU SAIÃO |
|
I - O índio e o ocidente
Reflexos de duas visões diferentes sobre o mundo |
|
(Palestra
proferida no auditório da Escola Superior de Educação de Portalegre
durante o seminário “Semana Índia”. Publicada na revista francesa Carré
Rouge. A republicar na revista Águas Furtadas, dada a lume pela
Associação de Universitários do Porto) |
|
II – Anexo
Acervo básico de obras escritas e cinematográficas
Em complemento da conferência foi exibida a película de Franc Roddam
“War Party” e slides a partir de fotos de época e de pinturas de NS e
João Garção sobre temática índia ou homenageando figuras índias.
Agradecimentos
A Luís Ventura e Manuel Pedro Mourato, pela cedência de fotos
ilustrativas sobre cosmogonia índia.
A Gaspar Garção pela pesquisa efectuada no Instituto de Estudos
Norte-Americanos (Universidade de Coimbra) sobre textos originais
castelhanos e ingleses antigos.
A António Garção pela pesquisa efectuada na Biblioteca-Museu de Sevilha
sobre os manuscritos de Bartolomeu de las Casas.
Ao senhor Thomas Bryce Foxriver, Sioux Yanktonai, pelo esclarecimento
sobre aspectos da poesia Lakota.
Finalmente à Doutora Fabienne Droz, pela devoção com que preparou slides
e demais aparato, criando-me também condições que tornaram mais fácil e
espero que mais aliciante a exposição do tema em apreço.
Apoie os índios norte-americanos
I.P.B.K.A. |
|
Homenagem a Cavalo Louco
|
|
O Índio e o ocidente
Reflexos de duas visões diferentes sobre o mundo |
“O homem branco
possui uma qualidade
que lhe fez abrir caminho: o irrespeito” Henri Michaux |
|
1. Preâmbulo |
|
Ultimamente, devido a circunstâncias
precisas que o desenvolvimento das análises históricas e sociológicas
tornou compreensíveis, novos olhares têm sido lançados sobre as antigas
nações índias e o denominado Oeste bravio. Tem existido mesmo uma clara
vontade de compreensão por parte de sectores frequentemente muito
afastados do que foram e do que representaram, no seu tempo e no seu
espaço próprios, figuras no entanto tão divulgadas como Tecumseh,
Sitting-Bull, Geronimo ou Quanah Parker. Multiplicam-se, nos
Estados-Unidos mas também fora deles, os estudos e os ensaios sobre este
e aquele aspecto da vida dos americanos autóctones, os tais que durante
muito tempo foram estrangeiros no seu imenso país e que hoje,
acantonados em reservas, ainda são objecto de marginalização por parte
de especialistas em malabarismos sociais: se o ouro das Black Hills é
hoje memória histórica e um pouco folclórica, não o são seguramente -
por exemplo - determinados empreendimentos turísticos e residenciais no
território Lakota, bem como a exploração petrolífera e mineira nas
terras dos Navajos que sobraram.
Passam agora 340 anos sobre o envio, ao rei Afonso de Portugal, da
“Carta sobre a condição dos índios do Brasil”, do padre António Vieira;
trinta anos sobre a criação do “American Indian Mouvement”, entidade que
contra ventos e marés tem procurado defender os índios norte-americanos
da espoliação e da calúnia; e cinco anos sobre o pedido de perdão, em
nome do ocidente cristão agressor, endereçado aos Índios pelo actual
Papa.
Pela permanência no tempo, da primeira; pela constância e firmeza, da
segunda; e pela sensatez (ou deveria dizer pela hipocrisia arrivista e
melíflua?) da terceira – dedico a estas três entidades a minha
intervenção, agradecendo desde já aos presentes o facto de terem vindo
gastar um pouco do seu tempo nesta sessão. E, antes de continuar,
gostaria de deixar-vos um momento – à guisa de honesta reflexão – com as
breves palavras do chefe Lakota, dos oglalas, Luther Standing Bear, que
nos diz numa tirada digna de Jean Giono: “As vastas e abertas planicies,
as belas colinas e as águas que em meandros serpenteiam, não eram aos
nossos olhos, “selvagens”. Só o homem branco via a natureza como
selvagem e para ele a terra estava infestada de animais “selvagens” e de
gentes “selvagens”. Para nós ela era mansa, caritativa e nós
sentíamo-nos rodeados pelas bênçãos do Grande Mistério. Só se tornou
para nós hostil com a chegada do homem peludo vindo do Leste, o qual nos
oprime, bem como às nossas famílias que tanto amamos, com injustiças
insanas e brutais. Foi quando os animais da floresta se puseram em fuga,
à medida que ele se aproximava, que para nós começou o Oeste Selvagem”.
Finalmente e uma vez que a etnografia dos índios norte-americanos é hoje
uma ciência puramente histórica, talvez faça sentido reter uma frase de
Jean Jaurès que reza:” Do passado, apoderemo-nos do fogo e não das
cinzas”. |
|
Homenagem a Sitting Bull |
|
2. Breve apresentação do índio
norte-americano e seu espaço específico |
|
Mais ou menos a partir de 1891, passado
cerca de um ano sobre o massacre de Wounded Knee perpetrado pelo
exército americano sobre os sioux oglalas liderados pelo chefe Big Foot,
começou a falar-se em certos círculos de Leste sobre o “problema índio”
remanescente. Alguns americanos mais sensíveis às condições em que as
outrora poderosas nações índias eram obrigadas a viver, as contínuas
tentativas de retirarem aos autóctones o resto dos territórios,
transformados em reservas, que ainda estavam na sua posse sem contudo na
prática serem por eles controlados, tinham despertado em alguns –
escritores, publicistas ou simples particulares – uma espécie de remorso
misturado com uma boa dose de má consciência. A seu ver, haveria um
triste problema índio, que consistiria em factos existentes a partir da
tentativa de genocídio e no claro etnocídio praticado contra a nação
índia no seu todo. Esta denominação, nação índia, era sem dúvida reflexo
– atravessado por um certo humor negro involuntário, a despeito das
eventuais boas intenções – dos ecos que lhes chegavam, com meio século
de atraso, da aliança formada pelos cherokees, choctaws, seminoles,
creeks e chikasaws e que funcionou durante algum tempo, antes dos seus
membros serem definitivamente enviados para lá do Mississipi, como uma
“nação doméstica” no interior da outra.
Com diversas variantes, sulcado por
diferentes contradições, este estado de espírito tem-se mantido até aos
nossos dias.
Num lúcido ensaio publicado no início dos
anos setenta, o escritor francês Claude Roy escreveu com a sua agudeza
proverbial que, a seu ver, havia não um problema índio mas sim um
problema branco, ou seja: um problema ocidental que através do tempo se
comunicara às etnias das diferentes latitudes. E isto porque, como o
sublinhou noutro texto o escritor de ascendência Lakota (Sioux) Vine
Deloria, o que se passou com os índios norte-americanos revela na
perfeição o deficiente sistema societário engendrado pelo homem
ocidental, cuja mentalidade cúpida foi um facto infelizmente
indesmentível, ainda que camuflado sob o pretexto da evangelização ou da
vontade de civilizar.
Estas opiniões são, parece-me,
equilibradas e defensáveis. Contudo, é evidente que existe na prática um
problema índio, assim como houve um claro choque de mentalidades
resolvido de forma expeditiva pelos que, chegados ao Novo Mundo,
resolveram tomar conta de tudo como se os índios fizessem apenas parte
da paisagem ou das chamadas riquezas naturais.
Choque de mentalidades, repare-se. Ou
seja, choque conceptual – para além do choque físico que deu origem a
conflitos sangrentos, depredações e, finalmente, claro genocídio.
Mas antes de abordarmos a maneira de
viver e conceber o mundo do Índio, convirá termos uma ideia, ainda que
algo sucinta e esquemática, sobre o universo em que este se movia, além
dum leve voo sobre eventos históricos.
Será de considerar, desde logo, que os
colonos que a partir de 1628 iniciaram de forma marcada a sistemática
invasão dos territórios índios, a partir do posto avançado de
Charlestown, eram membros de seitas religiosas, nomeadamente da dos
puritanos, cuja existência nos seus países de origem, devido a
perseguições e marginalizações, se tornara problemática. Desapossados
dos seus haveres, chegados em petição de miséria, o que muito confrangia
os índios, transportavam consigo, contudo, um terrível vírus – hábitos,
preconceitos e filosofias de vida e ainda uma vontade sistemática de
reconstruírem nessa América desejada o que não tinham podido conservar
na terra de origem. Em vez de aproveitarem a oportunidade que se lhes
deparava de erguerem um outro modo de viver, sem constrangimentos (como
muitos trappeurs franceses fizeram) reproduziram os hábitos e os tiques
comunitários do Velho Mundo que tão mal os estimara e aonde os índios
eram, naturalmente, corpos estranhos perfeitamente sem lugar a não ser
que renunciassem ao seu tradicional tipo de vida para se converterem aos
usos e costumes dos brancos, com sua soma de incongruências. Além do
mais, como foi logo percebido desde que Colombo pôs pé em terra, não era
possível serem domesticados e só muito poucos – e mesmo esses geralmente
em desespero de causa – abraçavam a religião que lhes chegava da Europa
desconhecida. Assim, após terem-se dado conta da irredutibilidade índia,
os colonos introduziram de pronto em 1619, em Jamestown, a escravatura
negra. Quanto aos índios, que recusavam acerbamente os trabalhos
forçados – e tivera-se, meridionalmente, um bom exemplo com os pueblos,
a contas com os espanhóis – a resposta era-lhes dada na ponta das
espingardas.
Uma das características com que deparamos ao contactarmos com a Nação
Índia, é a diversidade e complexidade desse mundo, num acervo poderoso e
multifacetado que chega a comover-nos dado que é mester apelar para a
memória. Apesar de serem relativamente poucos se atentarmos na
imensidade do território que ocupavam – segundo os estudos de ponta de
Horst Hartmann, dois milhões e oitocentos mil no espaço que vai da
região sonoriana até ao território subártico – os índios estavam
divididos em cerca de seiscentas nações principais, subdivididas por sua
vez em milhares de tribos. Hoje tem-se como certo que teriam atravessado
o Estreito de Bering em diversas vagas constituídas por grupos de
escassas centenas há cerca de vinte cinco mil anos, multiplicando-se
depois por todo o continente. Especialistas há que os classificam por
famílias linguísticas, nada menos que 21, além de 32 línguas isoladas
que desafiam a classificação em qualquer daquelas 21; outros, devido a
problemas que não caberá aqui invocar, mas que são efectivamente de
considerar, preferem classificá-los por nações (algonquinos,
mississipianos, cadoanos, ute-aztecas, etc.) ou por regiões específicas
(pacífidas, centrálidas, sílvidas, márgidas…). Seja como for, assentemos
em que, tal como é dito por Frank Schoell, “os índios que os colonos
foram encontrar no século dezasseis e nos que se seguiram eram mais ou
menos agricultores, mais ou menos caçadores, mais ou menos pescadores
consoante os diversos imperativos do seu meio geográfico”. Podemos pois
distribuí-los, de acordo com estes imperativos, por cinco zonas
relativamente distintas: a zona do milho, da costa atlântica ao
Mississipi e no sul entre o Mississipi e as Montanhas Rochosas; a zona
do bisonte, norte e centro da região entre o Mississipi e as Montanhas
Rochosas; a zona do caribu, norte do actual Minnesota, Dakota
setentrional e actual Canadá; a zona das gramíneas, Califórnia, Nevada e
parte oeste do Utah; e a zona do salmão, costas da Califórnia do norte,
do Oregon, de Washington e do Alasca. Cada conjunto de nações, divididas
em tribos, exprimia de maneira própria as concepções religiosas e
mágicas – e de alguma maneira filosóficas – formadas a partir de tipos
de vida específicos; no entanto, havia uma constante comum: o
relacionamento muito profundo com a natureza, com as realidades e os
fenómenos que os rodeavam e aos quais emprestavam frequentemente
significados originais. Recordemos, a talhe de foice, a rica cosmogonia
dos Denes e dos Delawares, entre muitas outras possíveis. O imaginário
do índio, manifestado em conceitos e objectos artísticos que tocam o
surreal, tinha muito a ver com aquilo que no ocidente, principalmente a
partir de meados do século dezoito, se convencionou chamar poesia. Mas
na segunda parte deste texto concretizaremos este ponto.
Há – e chamo a vossa atenção para este
facto – dois períodos perfeitamente definidos na vida índia: o antes e o
depois da chegada do homem branco. Com a colonização, além de tribos
inteiras terem sido exterminadas (chesapeaks, powhatans, tainos,
mohicanos e outros, tantos outros) outras alteraram radicalmente o seu
way of life: por exemplo, a introdução do cavalo – que estranhamente se
extinguira no continente – efectuada pelos espanhóis, determinou a
passagem da vida sedentária para o nomadismo e semi-nomadismo, com o
consequente estabelecimento de novos territórios de caça e alianças
precárias ou firmemente cimentadas, principalmente dos chamados índios
da pradaria (Plains): lakotas(sioux) teton, oglalas e yanktonai, pawnees,
cheyennes do norte e do sul, kiowas apache, comanches, arapahos, apaches
do norte, etc.
Convirá referir, igualmente, que a
implantação europeia se deu através de cinco nacionalidades: a
implantação espanhola (primeiro na Florida, depois avançando para o
norte até à Carolina, Mississipi, Oklahoma, Colorado, Novo México,
Kansas; mais tarde, 1602-1603, até à costa da Califórnia); a implantação
francesa (curso do rio S.Lourenço, depois até ao Canadá – Nova França);
a implantação holandesa (Delaware, Hudson, Long Island e ilha de
Manhattan); a implantação sueca (estuário do Delaware, Trenton e o cabo
Henlopen); a implantação inglesa (Virgínia, Massachussets, Rhode Island,
etc.).
Há sensível diferença na forma como foram
tratados os índios das diversas zonas de influência, apesar de a partir
da formação dos Estados-Unidos e da Constituição de 1787 a palavra de
ordem fosse retirar das mãos dos índios, mediante todos os meios
possíveis, a terra que habitavam, afastando-os paulatinamente para oeste
– o que descambaria no tristemente célebre conceito do destino
manifesto, expressão cunhada pelo jornalista mercenário Horace Greely
com as consequências funestas que se adivinham. No espaço controlado
pela França e durante o tempo em que os “flentchi”, nome pelo qual as
tribos índias conheciam os franceses, foram o principal contacto com os
autóctones na extensão territorial à época denominada Louisiana, vasta
zona entre o Mississipi e as Montanhas Rochosas, para norte até ao
Oregon e às regiões meridionais do Canadá – Alberta e Colúmbia – depois
vendida por tuta e meia (15 milhões de dólares…) em 1803, pelo empenhado
Napoleão aos EUA, houve um clima de boa vizinhança. Conforme escreve
Herbert Wendt, “embora houvesse brigas e desentendimentos, o período
francês foi, de modo geral, intermezzo romântico na história da
colonização da América, no seu todo rude e sanguinário(…) Os caçadores
franceses, desde o início, estabeleceram relações de amizade com os
índios. E eis que descobriram, maravilhados, que os homens descritos nas
crónicas espanholas e inglesas como sendo peles-vermelhas sanguinários,
eram na realidade homens hospitaleiros, comerciantes honestos e amigos
fiéis. Os franceses percorriam campos e florestas em companhia dos
indígenas, sentavam-se com eles em torno das fogueiras e, muitas vezes,
tornavam-se índios. Muitos caçadores franceses procuraram ser integrados
como membros das tribos índias, dançavam as suas danças guerreiras,
usavam os seus mocassins, pintavam o rosto à maneira índia e casavam com
squaws. Os índios, por sua vez, como disse um dia um cacique chippewa,
‘com os franceses sentimo-nos como se fôssemos uma só família’. A
capacidade de adaptação dos pioneiros franceses chegava, por exemplo, ao
ponto do general Frontenac não ter dúvidas em dançar em torno dos totens
e das fogueiras usando o uniforme de gala cheio de condecorações, o que
muito encantava a assistência”.
Tal devia-se, manifestamente, ao facto de
os franceses possuírem maior abertura filosófica e social, ao próprio
carácter gaulês alegre e algo rabelaisiano – leiam-se as “Mémoires d’un
trappeur” do pinturesco Jean de Raimond , dito o “Cauda-de-Lontra” e
ficará feita a verificação – e, por outro lado, ao especial cuidado
posto por estes no seu relacionamento com os autóctones, tendo em vista
os seus conflitos com a Inglaterra. No entanto, isso não os impediu de
atraiçoarem, faltando à palavra dada, os guerreiros hurons aquando do
cerco de Detroit, o que determinou uma inflexão decisiva na sua guerra
com os iroqueses. Os índios, aliás, não tinham papas na língua, quando
se tratava de responder a quem tentava arteiramente evangelizá-los.
Certo dia, eis como alguns hurons responderam a um missionário francês
que procurava convertê-los:”Queres discutir connosco sobre a alma e, no
entanto, nem sequer sabes como capturar um castor!”.
A dominação espanhola e inglesa assumiu
foros de maior crueldade e violência não só porque os seus interesses
eram mais agudos (num caso a febre do ouro, noutro a febre de
estabelecerem enclaves) mas também porque a mentalidade índia diferia
absolutamente do fanatismo castelhano e da frieza anglo-saxónica.
Panfilo de Nervaez, depois seguido por Vasquez de Coronado, que no
primeiro quartel do século dezasseis atravessaram a Carolina, o Arkansas
e o Arizona, perseguiam e abatiam índios inofensivos que vinham
contemplar a passagem das tropas, apenas para “hacer la gracia”, ou
seja, para se adestrarem em jogos marciais. A dominação inglesa foi
perita em explorar e estimular as rivalidades tribais, compelindo os
seus circunstanciais aliados a exterminar os rivais – o que teve pleno
êxito na guerra anglo-francesa, na qual os iroqueses deram cabo de
praticamente todos os hurons.
Já referímos que mohicanos mas também
eries, pequots, miamis, mohawks, etc., foram dizimados através das armas
convencionais e de epidemias, rapidamente disseminadas porquanto o
sistema imunológico do índio não estava activado para lhes responder. E
era o homem branco, com uma estranha caridade de cepa cristã, quem lhe
fornecia mantas infectadas que – repare-se na requintada qualidade do
cinismo – trocava frequentemente por boa quantidade de peles ou de belos
produtos do solo.
Concretizando o que atrás disse: a
diferença de métodos na colonização assenta no facto de que os espanhóis
eram movidos pela caça ao ouro, efectuada em tons pomposos (note-se que
tinham tido uma gratificante experiência com os incas e os aztecas) dado
que a corte espanhola e os seus áulicos e apoiantes, imersos em
complicados jogos de interesses internacionais, necessitavam
desesperadamente do metal amarelo para a sua política imediata e de
curto prazo. Não podendo atingir o mítico El Dorado e as Sete Cidades de
Cíbola, miragem fabulosa criada por um relato propagado pela imaginação
desenfreada de um frade empreendedor e um pouco mitómano, frei Marcos de
la Renta, que interpretara à sua maneira boatos que circulavam entre os
aventureiros - e que haviam sido postos a correr pelos índios para lhes
dispersarem a atenção e os confundirem – os espanhóis foram compelidos
pelas condições hostis da região e das tribos, muito aguerridas (nas
quais se destacavam os apaches) a acolher-se aos seus primeiros
domínios; seriam mais tarde os mexicanos (mestiços descendentes dos
invasores castelhanos) quem retomaria o afrontamento de pimas, yaquis,
apaches e navajos (assim crismados devido às enormes navalhas de combate
que utilizavam), isto numa primeira fase antes da anexação americana.
No que se refere à Inglaterra,
interessava-lhe efectivamente o estabelecimento de feitorias, à guisa de
testas-de-ponte donde partiriam para a conquista de outros territórios
visando um estacionamento perene. A consequência inevitável era o
extermínio ou a férrea sujeição dos autóctones, assim que se sentiam bem
escorados nos postos que proliferavam.
Quanto à França, manteve sempre uma certa
distanciação em relação à América – fosse na Nova França fosse, mais
tarde, na Louisiana – imensidão territorial que o senhor de La Salle
vistoriara. É bem conhecida a opinião de Voltaire, por exemplo, que
considerava o Canadá uma espécie de frigorífico onde os concidadãos iam
perder o seu tempo. A verdade é que, à França, interessava
fundamentalmente a implantação de feitorias onde pudessem dedicar-se ao
comércio das peles: quem dominava a colonização eram as “societés”,
controladas por nobres negociantes astutos. Além disso, à coroa francesa
– que na altura lançava olhares cobiçosos noutras direcções – não
interessava imobilizar contingentes militares consideráveis a milhares
de quilómetros de casa, policiando terras que a seu ver nenhuma falta
lhe faziam. E foi este atraso mental dos monarcas gauleses que permitiu
uma melhor respiração aos territórios sob o seu domínio. É também isso
que explica – para além de casos decorrentes da estratégia
político-militar – as cedências finais durante o violento confronto
posterior com os britânicos para controle dos territórios de nordeste.
Em 1825, 1831, 1841 e 1848 iriam ocorrer certos acontecimentos-chave que
definitivamente afastariam a possibilidade das nações índias do oeste
próximo e, mais tarde, longínquo sobreviverem, tanto mais que os índios
– com uma única excepção, como já se aludiu anteriormente – nunca haviam
encarado a formação de um Estado, cuja concepção moderna lhes era aliás
alheia e desconhecida (hoje é manifesto que os chefes das denominadas
cinco nações civilizadas tinham uma concepção de nação inteiramente
diferente dos ocidentais). E essa “organização” de tipo libertário,
assinale-se, foi uma das causas – senão a principal! – da fragilidade da
Nação Índia frente aos hierarquizados, normalizados e metódicos
invasores.
Esses acontecimentos foram: l. A abertura
do canal Erie, que escancarou sem retorno as comunicações entre o Leste
e o Middlewest, estimulando ainda o desenvolvimento comercial e
industrial da região dos Grandes Lagos, ou seja Buffalo, Cleveland e
Chicago; 2. A invenção, por Cyrus McCormick, da ceifeira-debulhadora, de
que resultou que em poucos anos centenas de milhares de hectares, onde
então pastavam milhões de bisontes, fossem transformados em campos
cultivados; 3. A construção da Erie Railroad, que permitiu o
desbloqueamento das passagens para Oeste; 4. Finalmente, a descoberta do
ouro da Califórnia na herdade de Johannes Sutter, o que causou uma
devastadora corrida às minas, com milhares de desenraizados e
aventureiros a atravessarem as pradarias e as Montanhas Rochosas em
caravanas ou em simples bandos, depredando a flora e a fauna – abatendo
indiscriminadamente bisontes, que constituíam a base da alimentação dos
Plains – com os consequentes levantamentos e as guerras índias
protagonizadas pelos arapahos, kiowas, cheyennes, crows, lakotas,
shoshonis, flatheads, etc.; mas o ouro era então fundamental, tanto mais
que em 1836 o secretário do Tesouro Richard B.Tanney, com a pronta
anuência do Presidente Jackson, emitira a Circular das Espécies nos
termos da qual, para a aquisição de terras, o governo só aceitava
pagamento em ouro e não em notas de banco.
Era o princípio do fim – do fim sórdido,
inútil, lamentável. Mas, neste relance em torno da História, fiquemo-nos
por aqui. |
|
3. O Índio norte-americano e o seu relacionamento com o Imaginário |
|
“Se não
maltratardes o povo vermelho, mas o tratardes com justiça,
podereis ganhar a sua amizade; pois ele possui profundos conhecimentos
do que é bom e do que é mau” William Penn |
Ao contrário do homem ocidental, que
concebe o mundo como representação abstracta no plano filosófico e como
entidade absolutamente dependente no plano metafísico, o índio
relacionava-se com a existência pela analogia. O que, se possibilitava
naturais erros de avaliação, como por exemplo em relação às verdadeiras
intenções do homem branco, que buscava não a utilização das terras mas a
sua posse, mesmo que tivesse de massacrar os seus detentores, garantia
de igual modo, no mundo físico que habitava, uma integração harmoniosa e
um genuíno gosto de viver que só foi alterado pela arrancada branca. O
universo do índio, mais que um universo mágico era um universo poético.
Ou, por outras palavras: o índio realizava no quotidiano a maneira de
ser proposta, no quadro ocidental, pela Poesia e a vida que esta, a ser
vivida, exemplificaria. Mais que animistas, os índios eram entes
ancorados num quotidiano vitalista que a cada passo lhe fornecia
exemplos e imagens construídas e nascidas da imaginação prática (ou
deveria dizer praticada?), que é o que o poeta, no bisonho e entorpecido
mundo ocidental dominado por classes, tenta plasmar nas suas construções
imaginativas e verbais. (Há só uma excepção: a proposta pelos mestres
alquimistas, que como perspicazmente assinalou André Breton,
espiritualizavam a matéria e materializavam o espírito, escapando assim
ao controle do “pensamento oficial”. Como mais uma vez Horst Hartmann
referia, os índios não estabeleciam qualquer diferença de base entre
sonhos e visões, por um lado, e realidade (a dita realidade palpável)
por outro; e isto, é claro, não porque não soubessem distinguir entre
uma e outros mas porque ambos tinham o mesmo valor indicativo. Devido a
isso, duma forma que a canalhas ou imbecis pareceria ingénua,
respeitavam o solo, os rios, os animais e mesmo os guerreiros com quem
se defrontavam. Viam-nos como parte dum todo a que estavam ligados, eram
protagonistas duma existência recheada de significado (nunca houve índio
que bolsasse inanidades como, por hipótese, uma tal crise de
identidade…). Nesta conformidade, a “religião” índia deve ver-se como
aquilo que de facto era: prática efectiva de ligação a um universo onde
as coisas aconteciam por razões porventura misteriosas mas repletas de
sentido - ao contrário da ocidental, que assenta na re-ligação; com
efeito, não possuindo mitos de queda e de culpa, para que necessitaria o
índio de se re-ligar ao que quer que fosse? – devido a uma dialética e a
uma dinâmica que tinha a ver com uma existência não-precária e
frequentemente atingida pelo senso da plenitude. Assim, é perfeitamente
descabido , quando não pura impostura ou sonoro desajuste falar-se em
deuses a propósito do índio norte-americano (norte-americano, sublinho)
– ou, como o fizeram durante muitos anos os melífluos missionários que o
ocidente lhes punha à disposição, amparados pelo cacete papal, manobra
que caucionava a repressão. O índio cria num grande mistério, o que se
poderia traduzir por a coisa sagrada em termos ocidentais e exprimia o
sentido do sagrado, em termos poéticos, que eles sentiam existir em tudo
e que a seu ver envolvia a existência e era, por seu turno,
permeabilizado por ela, estabelecendo uma ponte directa e bem prática
entre o mundo e o transmundo das coisas e dos seres – vistos, pensados e
sonhados. Esse grande mistério ou grande medicina, encarnava se assim
podemos dizer de nação para nação – como o wakanda dos Lakotas (yanktonais,
santees, oglalas, tetons e yanktons) e Cheyennes ou o manitu dos povos
do nordeste - em entidades diversas, palpitando de actividade no
quotidiano da tribo e que atravessavam a realidade circundante. Os
animais tutelares ou totens eram assim como uma estima do coração e não
deuses benevolentes ou maléficos e muito menos presenças metafísicas que
se intrometiam na sua vida, como sucede no ocidente, onde o poético, o
espiritual e o físico estão inapelavelmente compartimentados da triste
maneira que se sabe e se sente. O índio tinha um comportamento
epicurista ou estóico conforme as circunstâncias da vida quotidiana: era
grave mas não taciturno; alegre mas não descabelado. E isto porque não
era perseguido pela descontinuidade característica da circunstância
judaico-cristã, agravada pelos ritmos instaurados pela revolução
industrial. Apesar da sensível e por vezes rude discriminação que sobre
os índios de agora ainda incide, estimulada pela política económica das
Companhias – o que pudemos constatar tanto na região plain (Dakotas e
Nebraska) como no Canadá da tolerância e da polidez (grande península
georgiana, ou seja na região huron-iroquesa dos lagos Huron e Ontário) -
as reservas índias, mau grado os problemas instilados pelos “white-eyes”
são comparativamente locais onde pulsa a luz do espírito que só
raramente se sente entre as populações urbanas da América not coloured.
Pode dizer-se com ironia deliberadamente cruel que o cuspo que os
colonos atiraram para o ar, nos tempos da sujeição dos índios,
recai-lhes agora na face como um aguaceiro mefítico.
Não sendo um ser amedrontado, o índio nenhuma necessidade tinha de
procurar aplacar espíritos bons ou perversos, como sucede noutras
civilizações. Claro que se alegrava ou inquietava, mas a exemplo do que
sucede no acto poético - em que os terrores são terrores pela sua
própria condição bem assim como os contentamento - consoante os sinais
que distinguia no decorrer da existência. Os mortos inquietavam-no
porque ele sentia que o reino da morte era doutra quotideaneidade, mas
podiam também alegrá-lo: não era invulgar um índio chegar ao lar e
manifestar a sua alegria por ter, numa jornada de meditação (em geral
apoiada em jejuns) sido contemplado com o aparecimento dum parente, dum
animal doméstico muito estimado, etc.; note-se ainda como exemplo que
entre os Plains eram ciclicamente efectuadas danças rituais para
facilitar ou possibilitar a vinda das manadas de bisontes e não para
comunicar a um determinado deus (animal ou de tipo humanóide…) que já
era tempo de se pôr ao trabalho e encaminhar os rebanhos para junto dos
territórios de caça (sempre bem estabelecidos por consenso milenar). O
totem possuía portanto um valor de ligação e não de adoração. O índio
não possuía ritmos de adoração, encarando esta palavra como bajulação a
uma entidade supostamente superior ou desencarnada. No que respeita aos
denominados homens-medicina (e não feiticeiros, designação que apenas
faz parte do vocabulário branco veiculado pelas fitas de Hollywood) que
noutras comunidades tomam em geral a designação de sacerdotes ou
orientadores espirituais conforme a latitude ou a civilização, eram
curandeiros um pouco à maneira dos homens-de-virtude da região ibérica,
ou aconselhadores qualificados que, em certas ocasiões determinadas por
condições muito próprias, tomavam o cargo (espontâneo e circunstancial e
sempre amovível) de chefes específicos que emergiam do quotidiano da
tribo e não se empenhavam em ter mais ou menos influência, o que seria
impensável pela lógica da organização do tecido social. Para aclarar
melhor a questão: o justamente famoso – pela ponderação e a coragem -
Sitting Bull, era homem-medicina e a consideração de que gozava no seio
da tribo era tanta que assumiu o cargo de sachem (chefe geral) dos
lakotas, que tinham como chefe-de-guerra o não menos célebre Cavalo
Louco, que era evidentemente tudo menos louco – o nome vinha-lhe de ter
capturado bravamente um garanhão enfurecido em condições peculiares. Os
nomes, entre os índios, eram não só um indicativo mas também um
qualificativo. Fazendo um pouco de humor, digamos que se calhar o nosso
“bochechas”(Mário Soares), se índio fosse, teria talvez o nome de Urso
Aldrabão ou, quiçá, Castor Vaidoso ou Arganaz Sedutor... Mas passemos
adiante!
Os homens-medicina, fossem chefes ou não, acompanhavam o dia-a-dia,
orientavam as festas e os rituais (de colheita, de caça, de mudança de
estação ou de localização da tribo) eram de certa forma o garante dos
grandes ritmos que presidiam à relação entre o conhecido e o
desconhecido. Por vezes funcionavam como diplomatas inter-tribos e,
nalgumas que em ocasiões sacrais utilizavam alucinogénios (como entre os
pimas e os yaquis) interpretavam as visões daí decorrentes. Note-se que
os índios usavam de preferência jejuns e períodos de isolamento em
lugares específicos: montanhas, bosques e recantos junto a rios, no caso
dos índios do sudoeste orlas de desertos (jamais se adentravam pelo
deserto, como fizeram no último período da romanidade as comunidades de
cenobitas cristãos do norte de África), onde buscavam ser contemplados
com revelações em ordem a compreenderem o mundo e o seu Eu profundo.
Quanto aos chefes, que como já se aflorou podiam ser chefes-de-guerra
ou civis, estavam rigorosamente dependentes dos conselhos tribais e, se
eram sempre acatados e respeitados, uma vez que emergiam naturalmente da
comunidade, funcionavam mais como consciência da nação do que como
líderes cuja palavra não era passível de discussão. Só numa
circunstância tinham de ser rigorosamente seguidos: quando em estado de
batalha – e os próprios conflitos, como a palavra batalha deixa
perceber, eram de âmbito limitado, sendo fundamentalmente sustentados
por grupos. Mesmo quando uma nação era tradicionalmente inimiga de
outra, como os sioux e os pawnees por exemplo, não se buscava a extinção
do adversário e o feito guerreiro tinha fundamentalmente a ver com a
qualidade e não com a quantidade. Lutava-se pela honra, pela coragem,
pela vingança de injúrias ou pelo abuso da entrada em territórios de
caça ou utilização. A posse destes últimos estava dependente do uso que
lhes era dado pelo colectivo e, portanto, não era encarada como
exaustiva e total. Nunca passaria pela cabeça de um índio dizer este
sítio é meu, pois entendia-se que apenas aprouvera ao grande mistério
possibilitar que a tribo dispusesse dele a seu efectivo bel-prazer. Em
geral, os índios norte-americanos eram anarco-comunistas, ou melhor:
socialistas libertários, o que os distinguia das monarquias totalitárias
ou de claro enfoque do que depois se chamaria nazismo (por exemplo os
aztecas) das nações da América central.
Grande parte da civilização ocidental assenta num intrincado jogo de
efusão/recalcamento (para usar a terminologia freudiana) que estimula o
desejo de acumulação. Ao frustrar pulsões legítimas, o sistema
relacional ocidental e cristão (a este respeito sugerimos a leitura de
“A neurose cristã” de Pierre Solignac) distorce o pensamento e dá origem
à necessidade de posse dos bens, que tudo arrasta na sua frente (o que é
caracterizado pelo axioma “uso e abuso” que define o conceito de
propriedade). A mística recorrente é, em geral, apenas uma fórmula – e,
em rigor, hipócrita e falsa – para tentar impedir que as consequências
vão demasiado longe ou, então, para camuflar o que subjaz aos manejos
dos sectores dirigentes e possidentes. Nunca passou pela cabeça do
índio, antes da dura realidade o esclarecer, que o branco quisesse para
exclusivo uso seu e para fins que ao índio pareciam provindos da banal
loucura – isto é textual, é um raciocínio dum líder chikasaw,
Braço-de-pedra – o vasto território que lhe parecia sem fim e onde as
nações índias viviam harmoniosamente devido à arquitectura forjada pelos
milénios. Estabilizada por anos e anos de sucessivo aperfeiçoamento que
a vastidão e a riqueza do continente permitia, a vida do índio estava
recheada de sentido. A vida era por vezes dura, mas sempre se revelava
gratificante. Interiormente, o índio interrogava-se mas não se enrolava
sobre si mesmo e, se muitas vezes se angustiava, como ser humano que
era, as ricas relações no interior da comunidade encarregavam-se de
aplacar ou dissolver essa palpitação negativa. Nas tribos do nordeste e
da costa atlântica, que foram as que primeiro sofreram a brutalidade do
invasor, o choque entre a sua mentalidade libertária e a obstinação
primária dos colonos foi o sinal claro do que a seguir iria suceder, uma
vez que a terra não era para o índio um corpo político e sim um lugar
onde residia com as árvores, os animais, as montanhas, a chuva e o
deserto, em suma: tudo aquilo que constituía o mundo de realidade e de
sonho onde não fora instaurado o complexo de culpa que constitui uma das
bases fundamentais do pensamento religioso ocidental e, inevitavelmente,
o seu cerne filosófico. Para o índio norte-americano a morte não era,
como para o cidadão europeu, uma essência e sim uma cessação. Nunca uma
imanência, antes uma consequência bem reconhecível – uma facada, um
tiro, uma doença ou a muita idade. Arguto, encarava por isso a protérvia
judaico-cristã como uma história absurda ou uma impostura. E por isso
mesmo o seu mundo conceptual, extremamente perigoso para o que lhe
chegava abruptamente, tinha de ser destruído pelo homem branco.
Assim sendo, é fácil tirar a conclusão maior destas linhas e a única
para que chamo vivamente a vossa atenção: sempre que uma civilização
baseada na tradição secular livremente engendrada se confronta com outra
baseada na evolução acelerada e na acumulação, a primeira desaparece ou
é gravemente transformada pela segunda.
Significa isto que, ao cabo, a sorte da Nação Índia estava traçada no
momento em que Colombo pôs o pé nas praias do Novo Mundo. O índio, que
vivia no neolítico mas que apesar de tudo mostrou uma espantosa
capacidade de adaptação interior – e mesmo exterior, convenhamos - a
ritmos que lhe eram totalmente alheios, conceptualmente estava
mergulhado no chamado estado segundo ou seja, o mundo mental em que
realidade e sonho se interpenetram, estado esse que é profundamente
odiado pelos próceres da civilização ocidental, que apenas respeitam ou
a Razão ou o instinto de posse camuflado de necessidade espiritual
(vulgo religião, que é apenas e tão-só, se nos despirmos de preconceitos
ou receios, um polo agregador de interesses psico-sociais). É esse
estado segundo que explica a curiosidade que os autóctones americanos
sentiram pelo álcool, o que foi de imediato explorado pelos
colonizadores. Como o álcool lhes permitia/facultava atingir um estado
de euforia – que, diga-se, excelsos poetas gregos e árabes epigrafaram
com volúpia (será necessário nomear o justamente célebre “Rubayat” de
Omar Khayam?) – que eles pensavam ser um ritmo dos brancos, deixaram-se
defraudar pelos colonizadores, que estimulavam cinicamente o alcoolismo.
Chegou-se a um ponto tal que em certas tribos do Middlewest e do Oeste
houve a necessidade de os conselhos tribais interditarem rigorosamente o
seu consumo, chegando-se a estabelecer (e é um dos poucos casos em que
tal ordálio se aplicava) a pena de morte, punição raríssima entre os
índios visto que em geral era substituída por obrigações de doação.
Entre os Plains, o álcool era mesmo considerado como mais uma arma de
guerra por parte dos brancos.
A nação índia, no seu todo, desapareceu para sempre. Nobre e orgulhoso
gavião planando sobre montanhas e florestas, viu o seu vôo destroçado
pela gente que a princípio auxiliara. Espoliada, caluniada, utilizada em
divertimentos de pacotilha – mas também respeitada, compreendida e amada
por ocidentais que sabem ser índios na selva urbana – é hoje não mais
que recordação, uma vez que se desfizeram as raizes que a sustentavam: o
território onde se estabelecera o equilíbrio harmonioso entre a natureza
e o homem.
Hoje em dia, habitantes que somos de universos alternativos e,
ultimamente, até interactivos, resta-nos somente uma certa nostalgia –
mas igualmente, afinal, a arma de sabermos que é possível viver-se, mais
que não seja por dentro, de maneira menos precária do que a vida (?) que
foi criada, consentida e consolidada pelos europeus filhos do Método e
da Mística da navegação entre Cila e Caríbdis ou, o que ainda é pior,
das correrias entre Zeus e Mamón... |
|
Bibliografia de apoio |
|
História dos
Estados-Unidos - Frank L. Schoell
Enterrem o meu coração na curva do rio – Dee Brown
Introdução à poesia – Johannes Pfeiffer
Tudo começou em Babel (edição brasileira) – Herbert Wendt
História da morte no ocidente – Philippe Ariès
Os índios da América do norte – Horst Hartmann
O primeiro americano – C.W. Ceram
Os nativos americanos – D.Thomas, Jay Miller, etc.
Undaunted courage (não publicado em Portugal) – Stephen E. Ambrose
Art et Alchimie (não publicado em Portugal) – Justin von Lennep
A queda de Custer – David Humphrey Jennings
La lampe dans l’horloge (não publicado em Portugal) – André Breton
Custer died for your sins (não publicado em Portugal) – Vine Deloria
The west (não publicado em Portugal) – Geoffrey Ward
Os deuses do homem pré-histórico – Johannes Maringer
Os deuses antigos – E. O. James
American indians miths and legends (não publicado em Portugal) – Richard
Erdoes e
Alfonso Ortiz
As origens do cristianismo – J.G.Davis
Eros e religião (edição brasileira) – Walter Schubart
Revistas avulsas: Anthropos (EUA) e Sphinx (Inglaterra).
ANEXO
Obras cinematográficas
Além do filme de Kevin Costner “Dança com lobos”, que para muitos
representou o primeiro contacto com o índio enquanto ser humano
enraizado, diversas películas têm apresentado o ambiente índio, antigo
ou moderno, com suficiente credibilidade ou mesmo de forma superior.
Independentemente do seu perfil artístico, que é evidentemente variável,
considera-se que as seguintes são obras de base. E felizmente quase
todas se encontram disponíveis em vídeo.
Nota – O sinal (.) indica obras referentes à época actual.
Asas de águia – realizado por Anthony Harvey
O grande combate – John Ford
O último guerreiro – Harry Hook (.)
O homem chamado cavalo – Eliot Silverstein
O clã dos guerreiros – Franc Roddam (.)
Desforra apache – Michael Winner
O pequeno grande homem – Arthur Penn
O soldado azul – Ralph Nelson
A fuga de Ulzana – Robert Aldrich
Chuka – Gordon Douglas
O vento negro – Errol Morris (.)
O vale do fugitivo – Abraham Polonsky (.)
Mohawk – Kurt Neuman
A flecha quebrada – Delmer Davis
Grayeagle – Charles Pierce
O rio das penas – Gordon Douglas
A última caçada – Richard Brooks
Coração de trovão – Michael Apted (.)
Terra bruta – John Ford
O último bravo – Donald Shebib (.)
Comanche station – Budd Boeticher
O guerreiro do vento – Keith Merril
Tecumseh – Larry Elikan
Espírito guerreiro – René Manzor (.)
O mundo não perdoa – John Huston
A flecha sagrada – Samuel Fuller
A pena branca – Robert Webb
O último apache – Robert Aldrich
Geronimo – Walter Hill
Estrada da fortuna – Ken Friedman (,)
A desaparecida – John Ford
Quinhentas nações (documentário em 8 jornadas) – Kevin Costner
Contos, novelas e ensaios
Memórias de Ponta-de-ferro – relato estabelecido por William Camus
Viagem para as trevas – John Upton Terrel
Enterrem o meu coração na curva do rio – Dee Brown (chefe Olho Sagaz)
O sol Hopi – Dan C.Talayesva ( chefe Águia Branca)
A viagem de don Álvaro Cabeza de Vaca - trad. do espanhol antigo por
Fanny Bandelier
As minhas aventuras no país dos Zuñi – Frank Hamilton Cushing
Contos – Dorothy M. Johson
Na pista do Oregon – Francis Parkman
Apache – W. Livingston Confort
I’shi em dois mundos – Theodora Kroeber
Os caçadores do Arkansas – Gustave Aimard
Onde os mortos dançam – Tony Hillerman
A pradaria – James Fenimore Cooper
A minha história – Geronimo, texto estabelecido por Frederic Turner
Ainda há índios? – Claude Roy, Roger Renaud, Edouard Bailby, etc.
Antigas Américas – Michael Coe, Dean Snow e Elisabeth Benson
O livro da herança americana dos índios – William Brandon
Sugere-se, ainda, a leitura das obras de Zebulon Montgomery Pike, John
Charles Fremont, Benjamin Bonneville e Edewin Thompson Denig (nenhuma
delas publicadas em português). De muito interesse, igualmente, é a obra
gráfica de Karl Bodmer e, de Georges Catlin, o álbum “Hábitos, costumes
e condição dos índios norte-americanos”, que arrola cerca de
quatrocentos desenhos e pinturas a cores (em França ed. pela Denoel). As
obras “Contos de Inverno”, anais das tribos Lakotas e Kiowas e a “Walam
Olum”, crónica tribal dos Delawares, são também excelentes, posto que
difíceis de encontrar no mercado fora dos EUA ou Canadá. É boa leitura,
ainda, a “Relação da primeira viagem e descobertas dos Espanhóis na
América”, de frei Bartolomeu de las Casas, bem como o relatório
diplomático da expedição de Lewis e Clark.
NS
|
|
Nicolau
Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou
em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália,
Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter
exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris,
Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi,
Sevilha, etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio
Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor
ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro
(1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O
desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a
sair).
No Brasil
foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e
plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a
Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique
(2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a
“Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os
fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e
ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato
Suttana “Bichos” (2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na
surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na
Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.
Tem
colaborado em espaços culturais de vários países: “DiVersos”
(Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”,
“Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil),
Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),
“Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”,
“Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”,
“Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista
365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires”
(Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...
Prefaciou
os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de
portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do
Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno
Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros
Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural
publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de
Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.
Organizou,
com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o
Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O
futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na
Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de
poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no
álbum “Canciones lusitanas”.
Até se
aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de
Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município
da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e,
em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de
actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de
Mérito Municipal. |
|
|
|