NICOLAU SAIÃO

DETRÁS DA CORTINA – A Contra Informação
Subsídios para um conhecimento

“ - A questão – disse Alice – está em saber se tu podes fazer com que as palavras tenham o sentido que tu desejas que tenham.
- A questão está em saber quem é que manda – retorquiu Humpty Dumpty”. Lewis Carrol

“A contra-ínformação consiste na arte de fazer do preto branco e do branco preto…e vice-versa”. Jacques Bergier

“Uma imaginação muito viva reduz tudo a uma brincadeira de crianças”.
Sir Charles Belfrage

Introdução

Winston Churchill disse um dia, no decorrer dum debate parlamentar, que a política era a arte de através de conceitos acertados fazer previsões adequadas e, depois, conseguir explicar bem porque é que tudo falhou…

Pois bem. Em traços largos, a contra-informação é a “técnica artística” de justificar, explicar, esbater, transformar e melhorar os factos desse falhanço, levando a população, ou determinados sectores dela, a considerar que os acontecimentos, afinal, traziam dentro deles um confirmável sucesso possibilitado pelas qualidades de quem os pôs a correr, ou seja os seus fautores, em geral governantes ou operadores públicos de topo.

Antes de passarmos a considerar os vários continentes em que se exerce a contra-informação (laica, fideísta, oficial e oficiosa, departamental ou global, etc.) interessa definir os tipos sociais que a configuram: legítima ou ilegítima, governamental e particular (nos diversos ramos societários: científicos, desportivos, artísticos, económicos e industriais – uma vez que a partir dos princípios do século vinte a contra-informação se sofisticou, desenvolveu e plurifacetou, não só devido à expansão dos meios existentes como à criação de outros – jornais de grande tiragem, rádios com apelo nacional, cinema, televisão e, por último, o universo interactivo.

Em suma: os meios que possibilitam a manipulação quase instantânea do consciente e do inconsciente colectivo, que é o mundo para o qual a contra-informação aponta. Pois a contra-informação é antes de mais, nua e cruamente e como diria La Palisse, o contrário de informação. Informação, naturalmente cabal e exacta.

Importa referir, desde já, que por vezes se confunde (deliberadamente ou não) contra-informação com propaganda ou, mesmo, com publicidade. (Um género específico e peculiar de publicidade, de ideias ou de meios para as atingir). Evidentemente que se em certos aspectos se interpenetram nalgumas franjas, são de índole totalmente diferente. No que respeita ao segundo íten isso deve-se ao facto de que a cimentação do marketing (ponto social de grande relevo) e de todas as técnicas (ou truques) que o acompanham, pode em certos casos servir para operações de fases da contra-informação. Mas isso são detalhes laterais que ao longo desta exposição ficarão, creio, aclarados.

Penso que deverei dizer, ainda, que o mundo da contra-informação – e refiro-me agora e somente à contra-informação oficial, classifiquemo-la desta maneira - assim como o da sua análise, do seu estudo, da sua frequentação enquanto matéria avaliada e que parte de uma realidade insofismável, é extenso, complexo e até extremamente apelativo.

Deixa-nos, depois de nele entrarmos para escrutiná-lo, uma sensação de que o espelho da existência está doravante mais iluminado, ainda que simultaneamente fique muito mais inquietante: sente-se mesmo, por vezes, uma sensação de medo, pois o contacto com os verdadeiros meandros pelos quais se move o poder e os seus áulicos, donos de nós todos porque donos das sociedades organizadas, pode ser assustador e durante alguns segundos pelo menos receia-se perder o pé. (Não era por acaso que nos regimes totalitários o cidadão vulgar não podia debruçar-se sobre o universo da contra-informação, sob pena de prisão no mínimo, dado que tais matérias eram secretas ou, no melhor dos casos, bastante reservadas por razões que será desnecessário salientar. Mesmo nas sociedades democráticas por extenso, ou tendencialmente democráticas como a lusitana, tais matérias não são bem-vindas à colação, uma vez que permitem divisar a abertura do jogo em que os dignitários se acobertam, elite que são e das mais privilegiadas).

Por outro lado, hoje é pacífico que nenhuma formação partidária ou de intervenção pública deixa de ter uma task force de contra-informação, mesmo pequena e ainda que muitas delas sejam simplesmente amadoras ou dependendo da chamada prata da casa com algumas leituras ou contactos, emergindo mais da frequentação eventual de acervos aparentemente conhecedores do que dum conhecimento sistematizado.

Finalmente, deverá salientar-se que se a contra-informação oficial fôr tratada pelos seus operadores de forma digna, democrática e cívica, poderá prestar altos serviços às nações onde estes se inserem. Mas infelizmente as classes dominantes com frequência entendem utilizá-la preferencialmente para trasfegarem os seus jogos de influência, quantas vezes sórdidos ou pouco transparentes, submetendo os cidadãos a verdadeiras lavagens ao cérebro, tratando-os como mentecaptos ou como primários – o que desenha perfeitamente a efígie com que, no entanto, aqueles tentam posicionar-se para a História.

Nicolau Saião: Detrás da cortina

1. A Contra-Informação na História – pequeno enquadramento

“Eu nunca minto, a não ser que seja absolutamente necessário”
G.K. Chesterton

Quem não conhece a famosa cena da série televisiva “Missão Impossível” em que numa gravação é dito por uma voz anónima para o comandante da task force, depois da designação das tarefas a efectuar e antes da fita áudio se auto-destruir: “Se decidir aceitar a missão, Jim, tenha em conta que se algo correr mal o Secretário de Estado negará tudo”.

Isto é um dado proveniente duma das regras da contra-informação: lançar-se um véu sobre acções programadas, que evidentemente não existem. Cabe aos operacionais, através da escrita ou de outro meio similar, mostrar essa evidência (assim como, noutro plano menos amável) lhes cabe desmentir eficazmente conluios, actos ilegais, manigâncias e outras amenidades das entidades que devem “proteger”, servindo-lhes de anteparo racional).

Esclareço desde já que nenhum mal haveria nestas regras, nestes procedimentos – desde que o que estivesse em causa fosse uma actuação para defender a liberdade democrática e a civilização humanista. O campo da “struggle under cover”, ou na expressão lusa “luta nas sombras ” não é propriamente um relvado desportivo, mas sim um terreno vago, muitas vezes mal frequentado, onde se joga frequentemente o futuro de populações ou de conceitos e práticas existenciais.

Haja em vista, por exemplo, o belíssimo trabalho que as equipas de contra-informação desempenharam na luta contra o nazismo e outros totalitarismos, já defuntos ou entretanto emergidos, ou contra o crime organizado. A este propósito veja-se que até a Máfia possuía/possui grupos e palavras de ordem contra-informativas, que estabeleciam slogans e conceitos defensivos-manipulatórios de inegável êxito como o célebre “A Máfia não existe, é uma invenção dos jornais e da polícia” ou o actual “Já não actuam através de meios violentos”…

De uma maneira geral podemos considerar que (apesar de dum modo mais ou menos ingénuo ou titubeante a contra-informação existir há centenas de anos e ser usada por mentores religiosos, entidades reinantes ou chefes guerreiros) modernamente e duma forma consistente oficial e/ou estatal estabeleceu-se com eficácia e boa operacionalidade por volta de 1860 em França com Napoleão III e na Alemanha com o chanceler Bismarck (o criador do depois famoso “Fundo dos Répteis”, robusta verba secreta com que estipendiava publicistas venais, o que mais tarde seria norma bem assente em geral, clássica, em qualquer lado).

Até aí, uma vez que a propaganda era fundamentalmente de tipo pessoal, festejando em regra as capacidades do monarca ou do chefe (como em relação a Luís XVI ou o general Boulanger), a contra-informação a ela ligada era apenas de tipo fragmentário, eventual e muitas vezes mais utilizada pelos membros da espionagem que pelos operadores especializados na sua retórica peculiar que em seguida se formariam e iriam ter uma função própria e bem determinada e que afinal só por ligeira osmose têm a ver com os agentes de “cloak and dagger”, ou seja “de capa e espada” na gíria do milieu.

Em vez de serem grandes possuidores de potentes atributos musculares e alta desenvoltura física, os operacionais da contra-informação dispõem sim de inegáveis qualidades intelectuais e de uma cultura razoável que lhes permita articular as denominadas “jogadas”, desta ou daquela índole, possibilitando-lhes dar seguimento eficiente às “manipulações” necessárias para determinados fins considerados satisfatórios ou imprescindíveis. Porque, se a contra-informação se norteia por regras e manejos muito próprios, também é fortemente fecundada, quando calha, por “ideias luminosas” deste ou aquele profissional (ou amador dotado…) como sucedeu no caso do célebre “envelope canadiano” com que um par de advogados ardilosos, operando nas faldas do Partido Republicano pré-nixoniano, num lance bem manobrado deram cabo num ápice duma candidatura dos rivais democráticos.

Eis como se explica que muitos operacionais da contra-informação sejam recrutados nos estabelecimentos de ensino, ou entre cultores e artistas da palavra, etc. Curiosamente, poucos provêm dos meios jornalísticos, sendo que é mais usual a esses especialistas efectuarem habilmente nesses meios as suas “plantações” através dos chamados “tiros ao lado”, “fontes localizadas e/ou bem informadas”, “observadores fidedignos” etc.

É voz corrente que autores de qualidade como Somerset Maugham, Ian Fleming, John Le Carré, etc. foram eficazes e competentes membros do sector da contra-informação no seu país natal.

Os exemplos poderiam aliás multiplicar-se vindos de outras nacionalidades.

2. A contra-informação nas suas obras vivas

“Ninguém precisa dos mortos”
Bryan Forbes

As acções de contra-informação exercem-se porque existe um público do outro lado que ou está atento aos acontecimentos nas diversas áreas societárias (políticos, económicos, científicos, fideístas) ou, não o estando ainda, é susceptível de disponibilidade uma vez para eles chamada a sua atenção mesmo que de forma especiosa, forjando-se um movimento de simpatia ou de recuo conforme as acções sejam activas ou reactivas.

Assim sendo, é necessário analisar-se argutamente esse público, perscrutando as suas características conformativas: grau cultural, preconceitos ou tendências, nível de exigência ética ou humana, capacidade de empenhamento, etc.

Em seguida, estudar-se a forma de confeccionar um discurso apelativo, facilmente reconhecível para que haja uma boa adesão, moldável mas nunca integralmente falso ou desbocado (não deve nunca descer às injúrias, como é de uso estar a suceder nos tempos já interactivos modernos em fóruns ou espaços afins, aliás geralmente ineficazes ou sem qualidade), nem arvorar violências verbais desbragadas (que o público em geral não partilha ou de que não gosta). Esse discurso quase credível deve ser conformado ora por pequenas nuances, pequenos detalhes habilmente distorcidos mas partindo de bases reais, ora discretamente repetidos (técnica da lente de aumentar), ora vindos das razões do adversário, mas modificados e moldados como num reflexo (técnica da imagem no espelho ou da inversão).

Em toda este verdadeiro rol de situações específicas, os contra-informadores competentes nunca perdem de vista o contexto em que os factos estão integrados, o seu timing e a sua possível eficiência e operacionalidade. Muitas tiradas contra-informativas até usam aparecer em público travestidas de trechos analíticos cinéfilos, desportivos, de sociedade…

Basta lembrarmo-nos do que sucedia nos tempos da segunda guerra mundial, ou nos tempos da guerra fria, ou nos da actual détante ocidental vigiada de perto pelo fanatismo islâmico - e ficará feita a constatação.

Em suma: a contra-informação competente, sendo activa, cria um ambiente massivo favorável à eventual propaganda que se lhe segue, imediata ou mais espaçadamente (por vezes é necessário que certas ideias ou conceitos sedimentem suficientemente, para ficarem melhor incrustados nas cabeças dos alvos a manipular com intuitos salvíficos ou maléficos). Sendo reactiva, pode conseguir rasurar de forma capaz situações de risco propiciadas por dirigentes relapsos ou por dificuldades legítimas no mundo da confrontação entre estados.

Como corolário, conclua-se que existem bons e eficazes serviços de contra-informação (não estamos, obviamente, a referir-nos à sua bondade social, mas à sua qualidade operativa). Os da ICAR são um exemplo positivo, tanto mais que têm a vantagem de ser servidos pelas características e afinidades do seu público mapeável. Outros serviços mais ou menos exemplares: os britânicos, cuja experiência vivificada pela grande confrontação mundial contra os nazis e as forças de leste nunca se viu irrevogavelmente posta em cheque. Em certos campos, legitimamente, também os serviços americanos conseguem bons desempenhos, ainda que nos casos de Rosswell e dos montes Palomar, por exemplo, tenham ficado um bocado de calças na mão como sói dizer-se.

No que aos soviéticos respeitava, se em certos campos, principalmente da propaganda tout court, conseguiam resultados muito razoáveis, ajudados aliás pelos adeptos das suas doutrinas vivendo no Ocidente, a nível de contra-informação viam-se limitados pela retórica matraqueante dessa mesma doutrina, que internamente era algo ineficaz e pouco credível porque confrontada pelas realidades que os cidadãos viviam quotidianamente.

Nos países islâmicos a contra-informação é praticamente inexistente enquanto disciplina reservada, tendo sido substituída ou tendo sempre existido sob a feição de discurso intensivo feito a partir das doutrinas religiosas que os enformam.

Em conclusão: a contra-informação sempre foi um dado que explicava muito razoavelmente uma certa sociedade, uma certa maneira de viver, um certo continente existencial se observado com alguma penetração.

Nos nossos dias, o que não deixa de ser, e é mesmo, absolutamente significativo e muito característico duma sociedade que vive sob os signos mediático e interactivo, a contra-informação que conseguimos detectar (uma vez que os sigilos reais e perfeitamente afastados do homem comum controlados pelos condutores da coisa pública e da casta de topo são indubitáveis) ela começa a ser a dona e senhora de um certo ambiente, de uma certa quotidianeidade, de uma certa existência social.

Um algo inquietante “estado de normalidade”, como muito apropriadamente escreveu neste espaço Maria Estela Guedes?

Franca e sinceramente, eu não levantaria voz nem figura para formular expressão diferente ou para discordar!

Bibliografia de base:

A escola dos ditadores – Ignazio Silone

A informação – Fernand Terrou

A caçada sem fim – Bryan Forbes

O terceiro Reich visto por dentro – Albert Speer

A propaganda política – Jean-Marie Domenach

El medio media – Lorenzo Gomis

Ofício de espião – Allen Dulles

Eu não sou uma lenda – Jacques Bergier

História da minha vida – Sir Winston Churchill

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Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.