NICOLAU SAIÃO

A nudez de Deus e do homem

(Texto feito a propósito do Caso Rubens Pilegi, pintor
que quiseram processar no Brasil por ter efectuado
uma performance em que por alguns segundos se desnudava)

A nudez tem um sinal de transfiguração religiosa. Religião vem de religare, que significa tornar a ligar. E a ligar o quê? O que, naturalmente, foi separado. Por entidades, pela natureza. Sim, mas fundamentalmente pelo mito que se dá como fundacional.

Assim sendo, a figura central da maior religião de re-ligação, a religião cristã e católica, é um corpo nu, o corpo de Jesus, o Cristo. Nu quando nasce e é exposto no Presépio, nu enquanto é baptizado no Jordão por João Baptista, nu quando na cruz expia a condenação a que foi submetido pelo poder enroupado (a roupa do sumo-sacerdote Kaiphás é decisiva e caracterizadora do poder de facto) judaico-romano.

Torturado na cruz, morto em estado de nudez (embora nos ícones apareça com uma faixa de tecido que lhe tapa as partes pudendas para que o beatério não se sinta afrontado) Cristo desce ao sepulcro e aí permanece envolto num lençol de linho cru até dali ser resgatado pelos dois anjos do Senhor que o retiram nu do mausoléu para depois o cobrirem com um manto não conspurcado pela morte.

Nu no seu corpo divino e humano, igualmente se nos apresenta nu - ou seja, despido - de mentiras, de preconceitos, de hipocrisias e de cizânias enquanto ser de espírito e de intelecto, logo de razão que vai além da desrazão que constituíra o suplício, a Paixão.

Nesta perspectiva, a aversão que os modelados pelos próceres de alguns sectores da Sociedade manifestam pelo corpo nu do Homem (e Cristo foi Deus mas também Homem) só pode ser de origem satânica, relapsa, infra-universal,  contrária ao lema de Cristo e à sua mensagem sublime de bondade, de paz e de concórdia.

ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

  Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

   Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

  No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

  Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

  Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

  Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

 Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

   Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

  Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

   Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

  Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

     É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.