NICOLAU SAIÃO

UMA MAIS DUAS SÃO DOZE

Não todas as vezes, mas algumas vezes. Basta fazerem-se as contas de maneira especiosa.

Especiosa ou específica? Bom, creio que as duas expressões estão correctas. 

Ou melhor, apropriadas – se as encarreirarmos na direcção certa…

Troco já tudo por miúdos, antes que me digam que estou a falar por enigmas (?) e, consequentemente, me apliquem uma qualquer punição (levezinha), no entanto e se calhar totalmente merecida.

Acontece que nos últimos tempos não tenho andado bem. Pelo motivo de ter (segundo alguns que se têm dado ao trabalho de me alertar anonimamente pelo telefone e pelas ribas da Net) andado a falar demais, sinto em volta de mim, de novo, um negrume pesado, que me provoca grande angústia, como nos últimos tempos do antigo regime em que por duas vezes me levaram a ver o sol aos quadradinhos.

Se eu fosse um sujeito rico, além de obviamente inocente como esses que integralmente o são, era fácil: punha a boca no mundo, através da TV, e descansava sobre o corpanzil dos meus guarda-costas e sobre a alma impoluta dos meritíssimos magistrados.

Mas eu sou apenas e tão só um pobre vate, dobrado de pinta-monos, das miríficas terras transtaganas e, confessemo-lo aqui entre nós – não estou de facto inocente.

Tenho sim senhor falado demais.

Até tenho chamado alguns bois (salvo seja) pelo nome, posto etiquetas em certos maiorais. E na região onde eu vivo isso costuma pagar-se caro.

E sem que esteja, como o Outro (e que Outro!) a vitimizar-me, não sei… mas não me sinto com a cera muito junta, como por aqui se diz!

 Nicolau Saião: «Coisas do meu encanto»

Vai daí, recorro à velha arma dos artistas pobres – toca a fazer coisas artísticas para canalizar a amargura e efectuar o justo “refoulement” como dizem os psiquiatras e psicólogos ao serviço de…de quem se sabe ou se calcula.

E mando-as para exposições – para que, se me suceder alguma coisa, ao menos durante algum tempo o meu nome ecoe pelas quebradas e durante meia-dúzia de dias se lembrem de mim… Acalento esta eventual ilusão!

Já vêem que sou um caso muito sério – mas como estou em país de Direito os senhores do mesmo cuidarão da minha inquietação e pôr-me-ei em devido tempo são como um pêro.

…Já me esquecia, raios, mas inda vou a tempo da tal explicaçãozinha: estes bonecos fizeram parte, alguns, da mostra de mail art “Em Trânsito”, levada a cabo em Lisboa pelos CTT para assinalar xis anos de existência das Comunicações. Os outros, de outras duas, o que perfaz as tais doze obrinhas ao todo, estiveram há pouco tempo no Brasil e no Canadá, respectivamente.

Desejem-me sorte…!

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.