NICOLAU SAIÃO

A tempestade

(Distribuição pessoal, reservada, nalguns casos confidencial e noutros decididamente secreta, para a edição da próxima terça-feira da Newsreck). Proibida a difusão pública por motivos de editorialidade).

A TEMPESTADE, ESSA, FOI É CÁ! - declarou ao nosso repórter o Dr. Pitta Raposo. O Dr. José Jagodes manteve um fundo silencio iluminado pelo seu célebre sorriso à Mona Lisa.

Jason Peeplewebb, repórter redactor para os Assuntos Inter-Nacionais, foi encontrar os dois Comentadores Residentes com o ar de quem comeu o peru todo. A satisfação brilhava nos seus rostos – um mais seco e glabro, outro mais rubicundo e piloso (nenhuma semelhança com o Costa camarário-comentador ou com o salubre Perneco Parreira). A primeira pergunta foi conforme se impunha.

Newsreck (N)Caros Doutores, satisfeitos com o resultado destas Eleições?

Pitta Raposo (PR)/ José Jagodes (JJ) – Eu por nós não diria tanto!

N – Como? Mas julguei que...dado que os resultados confirmaram as vossas previsões e mesmo a opinião escrita de um de vós...

JJ – Claro que estamos contentes, isso não sofre dúvida! Mas o que o meu amigo perguntou foi se estávamos satisfeitos...

PR - ...e isso é muito diferente! O meu amigo é estrangeiro, não conhece as nuances da língua portuguesa...

JJ - ...aliás uma das mais belas e mais ricas do mundo! E dou-lhe já um exemplo concreto: ouviu o discurso do senhor primeiro ministro secretário geral? Era um homem claramente satisfeito, como ele próprio afirmou, embora não estivesse contente – isto digo eu porque o percebi tão bem como o boçal, digo Vital...

PR - ...e eu direi mesmo mais – satisfeito mas não contente! A não ser, claro, o saudoso Almeida e Santos, que esse estava também contente...

JJ – ...mas aí havia outros quês... Foi por causa do Benfica ontem não ter perdido!

N – Homessa! Mas se ontem não houve campeonato...!

JJ – O que corrobora a minha declaração!

PR – Exacto! Quer algo mais claro? Não podia ter perdido, de todo!

JJ – Mas já que falamos em contentamento, contente estava mesmo o sr. Ministro da cultura, na sua pré-declaração ao ser entrevistado por um seu colega da TV lusitana...

PR – Disse e com verdade que a abstenção se deveu às pessoas não saberem nada de nada, estarem desinteressadas da política a sério!

JJ – Ou seja, por serem muito estúpidas. Ele não disse isso porque é delicado...

PR - ...as pessoas de grande talento, como é o caso, são sempre delicadas...

JJ - ...excepto no caso do premier Berlusconi, que afirmou brutalmente que o Saramago era uma espécie de delinquente!

N – Peço desculpa...desculpe se o corrijo... mas foi ao contrário, a afirmação sobre a delinquencia, que Você classifica como brutal, foi do Saramago e não do outro!

JJ – Ó diabo!

PR – O que prova que a tua afirmação anterior nem sempre é pacífica...

JJ – Han?

PR – Nem sempre uma pessoa...talentosa...é delicada...

JJ – Mas a inversa também poderá ser verdadeira... Pronto, não insistas, meti a pata na poça, enganei-me, mas é a primeira vez, sublinho a talho de foice.

N – Por falar em foice: o PCJ lá ganhou de novo...

PR –... isso não é novidade, ganha sempre...

JJ - ...mas há umas vezes em que ganha mais que outras...

PR - ...até os que abandonam essa formação cívica, como o boçal, digo o Vital, que conforme se ouviu estava bastante satisfeito...

JJ - ...e também contente. Um caso feliz de concomitância eleitoral, que parte do facto de que garantiu ir representar os interesses portugueses com grande intensidade!

PR – Pudera, não!!

JJ – Que queres dizer com isso?

PR – Nada...Foi só um ligeiro àparte...

JJ – Haja respeito mesmo pelos adversários. Apesar de o Vital, ai, o boçal..ou seja, o Vital, ter insinuado que o Ringel andava feito com o BNP, isso não te autoriza nem mesmo de longe a seguir esses robustos métodos...

PR – Mas eu não estava a insinuar nada! E considero que a tua...

N – Meus senhores, então!

JJ – Tem razão, desculpe o nosso pequeno desaguisado. Sabe, não é impunemente que se é comentador residente...sempre a assistirmos a peixeiradas, é natural que fiquemos ligeiramente tocados por esse tique...

PR – Eu diria mesmo mais...Por esse toque!

N – Bom, a entrevista já vai longa...Daqui a bocado tenho que ir para o aeroporto...

JJ – Ó diabo!

PR – Arre!

N- Obrigado pela vossa precaução solidária, mas creio que não haverá motivos de preocupação.

JJ – Também acho, a violenta tempestade foi é aqui...

PR – Com excepção para o...o esse...o Vital! Vai para longe, não corre o risco de andarem sempre a reconhecê-lo cá pelas ruas (risos um pouco relinchantes dos dois comentadores-pensadores).

JJ – Um acho eu que não deverá ter ficado nem satisfeito nem contente...!!!

PR e N -  O Cavaco??? O já europeiamente desegravatado Barão Pomposo?

JJ – Nããão! O Constança.

N e PR – O Constança? Como assim?

JJ – Então não vêem que amanhã vai ter de estar presente, em plena derrota, na inquirição do Banco de Portugal pela comissão do Melo da República?

PR – Pois...E este já disse que nem que tenha de ficar acordado toda a noite vai lá estar de certeza! E não deverá ser para oferecer rebuçados de mentol ao aparentemente sempre constipado Constança...

Um flash de João Garção, da multidão entusiasmada a preparar-se para votar

JJ – Nem lo sempre estimável e amável benefício da dúvida...

N – É muito possível. Bem, obrigado meus senhores pelo tempo que lhes tomei...

JJ – De nada...Boa viagem nesse voo!

PR – E eu direi mesmo mais...

JJ – Sim, e eu também... Boa viagem! Porque a tempestade foi é cá!

PR – E o resto é conversa! Como dizia já não me lembra bem quem!

(Jason Peeplewebb)

(Com um vídeo, também reservado, filmado por Quintino Tarantan)

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

  Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

   Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

  No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

  Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

  Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

  Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

 Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

   Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

  Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

   Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

  Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

     É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.