NICOLAU SAIÃO

(META)FÍSICA DO CORPO

BIBLIOGRAFIA
I

A letra sobe à boca

serena e terrenal

multiplica-se e toca

todo o reino animal

 

Os dedos acompanham

a sua progressão

que o coração evoca

que a nostalgia tece

e o olhar acalenta

 

Leve, a palavra fica

além do mineral

e a pedra é

coisa vegetal

 

Súbito,  é um planeta

uma floresta ou o mar

que se desenham

na folha de papel

e caiem,  juntos

onde as almas e os corpos

se recortam e estendem

sensualmente

quer seja noite ou dia

 

E tudo se ilumina

                                                               

O que se sabe, sabe-se

em palavras e gestos

que contudo, crescendo

se simplificam

no interior, nas vísceras

e por fora de nós

- cabelo, pernas, nervos                                                                               

torso, sovacos, cérebro

 

A figura, se é braço

ou lábio

ou veia, ou ideia

é também solidão

transfigurada.

 

No que escrevo e não escrevo

ponho o mundo e a mão

- que das palavras digo

a escura condição.

II

Tem o corpo que somos uma sabedoria:  uma

apenas - fazer, não fazer. Uma secreta

na manhã que se eleva da sombra e do sono. E mais

outra, caindo na luz que desaparece. E outra

ainda, tão certa   oculta,  caminhando

naquilo que tocamos e

perdemos. Na sua exacta maneira

de espirito e silêncio

material

desenvolve-se a dois, aberta

no negrume que é seu   desde

os pés à cabeça

- na conversa de três

ou quatro   que a ela ascenderam

ou solitariamente -

e que já nada espera

e a que já nada falta:

porém o vento vem

na mão que a solicita

e a língua fica em

 

a lembrança mais alta.

 

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.