NICOLAU SAIÃO

OS VERBOS IRREGULARES (6)
Entrevista ao Dr. Jagodes

“SOU UM ADEPTO CONVICTO DAS PAPAS DE MAIZENA!”
- declarou com impetuosidade ao “Le Figueiró” o Doutor José Jagodes
(Pelo nosso correspondente em Paris Francis Boursemain)

 

  Encontrei-me com o Doutor José Jagodes num banco do Parque Monceau onde o conhecido pensador tem o hábito salutar de passar as primeiras horas da manhã. Ainda que não esteja propriamente aposentado, esta grande figura lusitana há 16 anos sediada na Cidade Luz tem no entanto o suficiente à-vontade para se “desenfiar” - expressão dos seus tempos militares, como nos confidenciou – da Sourbonne, onde rege Mecânica Existencial, para poder fruir alguns momentos proveitosos para si mesmo em geral e, em particular, para todos os seres cultos que apreciam a filosofia de ponta em que é nome incontornável e meditabundo.

  Havendo actualmente uma crise, mais conhecida por Campanha para as Europeias, além dumas coisitas com a economia e as finanças, natural foi que procurássemos trocar algumas opiniões com o autor de “O fluxo e o refluxo em Jaime Borsalino nas suas relações com o deserto do hemisfério sul”, palpitante incursão sobre as grandezas e misérias da natureza tecnológica.

  O Professor Jagodes, que se tornou conhecido da população ibérica não só pelos seus livros de amena e profunda feitura mas também pela lapidar e, porque não dizê-lo, corajosa resposta dada ao estadista sr.primeiro-ministro aquando duma governação aberta em que este, indo a um café contactar com as massas (onde JJ, por acaso, estando em férias curriculares, estacionara)  lhe disse incisivamente como é seu timbre “O amigo não quer tomar um cafézinho???...”, recebendo em tom martelado um impressionante “Não, senhor engenheiro!!! Comigo é só o chá!!!” que, de imediato, foi retransmitido em todos os noticiários durante 3 dias, fazendo as delícias do acúmulo de oposicionistas e até do Prof. Marcelino Ribeiro da Silva, antigo e feroz oponente de José Jagodes num talk shaw famoso que nos dispensamos de sublinhar.

  E enquanto o governante, lívido, abandonava o estabelecimento ladeado pelos guarda-costas – sem ter aliás sorvido a bica  – José Jagodes era entrevistado pelo Newark Times onde, a certa altura, soltaria a sua jaculatória-piada  que se tornou célebre “Sócrates só o Grego...e não é sempre!” que daria volta ao planeta noticioso.

  Foi esta figura impar que tive o privilégio de entrevistar há um par de dias.

O DR. JOSÉ JAGODES NOS SEUS TEMPOS DE MAIO 68
Foto de João Garção

Le Figueiró (LF) – Doutor Jagodes, que me diz do actual momento português?

 José Jagodes (JJ) – Digo que me agrada muitíssimo. Como deve intuir, já sou meio gaulês e, portanto, adepto do famoso conceito que um meu antigo condiscípulo divulgou por aí: “A imaginação ao poder!”. Durante anos os sociólogos tentaram apoucá-lo com o pretexto de que era uma utopia. Pois sim... Rejubilo por ter sido na minha pátria que ela cobrou foros de realidade: basta ver as magníficas frases com que o sr. conselheiro Diaz Louceiro se desentranha, bem como aquelas em que o dr. V.T. Constança se desenreda...e está feita a constatação de que Portugal, se já não tem continentes para descobrir, tem mundos de oratória para deslindar! 

LF – Já vejo... Ora bem, corresponde à verdade, que tem sido aflorada em certos mentideros políticos, de que o Dr. Jagodes esteve para ser candidato pelo PSS às Europeias? 

JJ – Desminto formalmente. Fui, isso sim, sondado numa fase muito remota. Mas ao saber que aquele que você sabe se inclinava para o Senhor da Cana Verde, retirei a sonda de imediato! 

LF – Como? O que me diz?! Mas...quem está como candidato não é o Senhor da Cana Verde, é o Avô Cantigas como diz um articulista no 28 Horas! 

JJ – É a mesma coisa. 

LF – A mesma coisa?!  

JJ – A mesmíssima coisa! Embora não sejam parecidos fisicamente, o impacto é semelhante. 

LF –  O impacto... Fico ciente... Com essa é que o doutor me fulmina... Mas adiante! Leu as declarações sobre a unidade nacional proferidas, respeitavelmente, pelo Sr. Presidente de Belém? 

JJ – Por acaso não li, mas li as do Liedson sobre o que fez perder o Campeonato ao Sporting.  Substitui-as com vantagem. Não o iria jurar, mas são muito mais ecológicas. 

LF – Ecológicas? Como assim? 

JJ – Então não está a ver? São verdes... Logo, cheias de ecologia. Fazem contraste com as do senhor de Belém, que ou são cinzentas ou em maré de  azul azarado como o actual Belenenses! (risos

LF – Aqui no Le Figueiró percebemos pouco de bola... Somos mais da política, dos grandes factos políticos... 

JJ – Portanto, bola! É o que eu dizia... Aliás que diferença é que o meu amigo encontra entre o Quique e a Dra. Manuela ou o Dr. Portas? Hein? 

LF – Eu não os acho extremamente parecidos, mas o doutor dirá o que se lhe oferece... 

JJ – Não são parecidos, não, o Quique vê-se que apesar de algumas parecenças é claramente andaluz...! Mas a postura tem muitas semelhanças: onde um perde contrataques pelos extremos, os outros perdem ocasiões de ataque pelos avançados. É o mesmo! 

LF – Talvez... Outro assunto, se não se importar de responder: confirma que endereçou uma carta ao Dr. Alcazar Barzon – aliás seu correlegionário na prática do golfe... 

JJ - ...do golfe nas pradarias de Almeria... 

LF - ...na qual refere, entre uma que outra fina graçola, que a seu ver o estado a que o sistema judicial chegou se deve principalmente à magistratura? 

JJ – Confirmo inteiramente. Aliás, se bem notar, chegará à conclusão de que os grandes e os pequenos processos, que aliás se entremeiam sem que percebamos muito bem o que são uns e o que são outros, são sempre presididos por uma pessoa da magistratura. Repare que não o são por um calceteiro, terrestre ou marítimo, uma florista, uma cozinheira de restaurante ou, mesmo, um bailarino da antiga companhia do Balet Gulbenkian...Ou mesmo por um farmacêutico! Até aquele senhor, que aparece de vez em quando na TV a dizer que há por aí uns duques, uns condes e uns marqueses nas promotorias distritais, terá decerto esta convicção.  

LF – E quanto ao senhor ministro da Justiça? 

JJ – Continua a ter a postura serena de um sacristão.  

LF – Não, doutor, não era isso que eu queria abordar...A minha pergunta dirigia-se à actuação. Ao trabalho intenso desenvolvido! 

JJ – Ah! Percebo. Pois bem, acho que poderá, sem desdouro, ir aos próximos Jogos Olímpicos! 

LF – Aos Jogos Olím...Não estou a entender bem o que quer dizer... 

JJ –  Ó homem, não seja titaúcha! Então não está a perceber? Levantamento de pesos, salto à vara... 

LF - ??? 

JJ – Para erguer a balança da equidade sem que, falhando-lhe o músculo, lhe caia em cima da cabeça... Salto à vara para se safar dos que o comprometem com pressões de que um titular de um cargo só se safa pulando com energia...!   

LF – Ah!  Sim, já lá cheguei... E uma última pergunta: qual a sua sincera opinião sobre o homem que tem ainda neste momento o nosso destino nas mãos? 

JJ – Não quero pronunciar-me sobre o estimado presidente do Benfica.  

LF – Não! Interpretou-me mal, referia-me ao senhor primeiro-ministro! 

JJ – Tenho por ele franca simpatia, pois é um homem de consensos e que provoca unanimidade. E segundo sei é, como eu, um apreciador de papas de Maizena! Como sabe, este salutar produto é ultimamente muito recomendado a quem quer ter uma boa performance governativa/ministerial. 

LF -  Está bem... Mas consensos? Unanimidade? Nunca me apercebera, mas enfim... 

JJ – É o que lhe digo. Então não vê que ele gerou um consenso alargado sobre a necessidade de desconfiarmos de tipos que vistam incessantemente fatos de cor azul ferrete? E criou a unanimidade junto de professores, funcionários públicos, forças militares e militarizadas, barbeiros e gerentes de orquestra, etc, sobre a necessidade de o devolvermos com rapidez para o Peloponeso? Não me diga que não tem reparado... 

LF – A minha função é apenas de repórter, não me cabe opinar! Bom, obrigado pelo tempo que lhe tomámos e.. até sempre Doutor Jagodes!

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.