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Do Teatro como uma das Belas Artes
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Este ano
não há Carnaval.
Ou antes, texto de Carnaval.
Por outras palavras: como eventualmente os de poderosa memória
recordarão, todos os anos, de há meia-dúzia a esta parte, escrevo um
texto cruel e simultaneamente amorável (estranham os qualificativos? que
queriam? que eu dissesse que eram textos sem tempêro? era o que
faltava...), que faz as eventuais delícias (?) dos que lhes colocam os
lúzios em riba nos diversos areópagos interactivos e papelactivos onde
espanejo o meu talento às massas.
Mas este ano há a crise.
Gelou-se nos beiços a boa disposição.
Assim sendo, e em vista do dramático da hora presente, optei por algo
mais taciturno - sem deixar contudo de ser apelativo e como que à guisa
de "proveito e exemplo" de um Esopo, um La Fontaine, um LePrince
Beaumont...
Para uma leitura de inimigos fiéis da crise carnavalesca, aqui vos deixo
com uma vénia razoavelmente circunspecta o texto que segue.
O boneco adjunto é para iluminar a vossa críptica olhadela.
Bom Entrudo! |
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Carnaval em
crise |
As fraudes literárias |
1. Neste
caso teatro de sombras, de silhuetas difusas, de hipóteses... De coisas
muito reais deliberadamente colocadas sob o signo da aparente
brincadeira que afinal tem a ver com os equívocos da literatura e das
ainda mais equívocas circunstâncias circenses que por vezes lhe andam em
torno.
Mas eu
explico-me já.
De há uns
tempos a esta parte, principalmente depois de haver sido “caçada” uma
conhecida e talentosa plagiadora, tem sido razoavelmente falada no
milieu nacional a questão das fraudes literárias. Das quais duas - se
lhes podemos chamar fraudes - ficaram famosas no século que há 8 anos se
finou. Refiro-me, como os de melhor memória terão já percebido, aos
affaires de "A caça espiritual" (Rimbaud) e de "Gros Calin" – O
lambe-botas, (Romain Gary/Emile Ajar).
Já vamos
dar-lhes uma rápida olhadela. Mas importará, em jeito de leve rol,
referir que as chamadas fraudes se dividem em vários grupos, a saber: o
plágio puro e simples (que tem sido o mais praticado muros adentro); o
livro escrito com questionável qualidade mas valorizado por um “nome” de
prestígio já a fazer tijolo; o livro de qualidade que todavia o autor
nunca escreveu; o livro de qualidade, de facto escrito por um autor de
renome mas atribuído a um desconhecido e que antes de ser premiadíssimo
vários editores espertalhaços não agarraram com as quatro mãos. Ainda,
numa estância subsidiária, o livro que simplesmente não existe (apenas
composto por maravilhosos fragmentos bem artilhados) e o livro
convincente mas criado de cabo a rabo com o único intuito de mostrar os
limites do que se conhece sobre uma personalidade histórica (e há alguns
bastante célebres: sobre Napoleão, Rasputine, Erskine Caldwell...).
Falemos no
caso do falso Rimbaud.
Certo dia, os
eruditos académicos Maurice Saillet e Pascal Pia (que já havia editado
falsos Baudelaires, Pierre Louys e Apollinaires...) disseram ao mundo
que o arquifamoso e perdido "A caça espiritual" estava nas suas mãos.
Começara a grande tourada...
Imediatamente
desmascarado como falso por André Breton, que se baseara apenas no
conhecimento interior da obra rimbaldiana, a titarada arrastou pelos
bas-fonds da ignorância, da jactância, da sobranceria académica e da
tolice literata muitos dos "trutas" das letras francesas mais armados em
arco. Afinal, a deliciosa brincadeira fora pensada e executada por dois
actores/estudantes que tinham resolvido dar uma lição aos emproados.
Curiosamente,
diz-nos um comentador do caso que apesar das evidentes provas dadas de
caducidade mental e societária, os génios da crítica em causa
continuaram a dispor de respeitabilidade, ainda que a sua credibilidade
tivesse ficado muito abalada nos meios menos atoleimados.
Ou seja: o que
por vezes parece contar (e por cá há maviosos exemplos) não é de facto
nem o talento nem a seriedade estudiosa mas a classe de poder onde os
pássaros bisnaus se incrustam.
2. Em 1973 a editora "Gallimard" recebeu um inédito intitulado "Gros
câlin" (O lambe-botas), relato prenhe de sustância, força, pundonor e
novidade de escrita. Intimidada, porque o texto era de facto inovador e
ia contra a corrente dos romances que a época e as vendas em montra
festejavam, a publicação foi recusada.
Dias mais
tarde é o "Mercure de France" que recebe o dactiloscrito. A sua
responsável, Simone também de apelido Gallimard, pesados os prós e
contras dá-o a lume. Olhado a princípio com certa incomodidade pela
crítica, a pouco e pouco a obra impõe-se. Começa a sua marcha triunfal e
é proposta para o prémio Renaudot. O nome do seu autor, Emile Ajar, por
ser desconhecido começa a suspeitar-se que cobre um autor de gabarito:
para uns, Raymond Queneau; para outros, Louis Aragon. E outros mais...
Mas um dia, o
dia do lançamento de um volume depois célebre, "La vie devant soi", o
mistério descripta-se: o seu autor Emile Ajar era o nome com que Paul
Pavlovitch, o sobrinho do já galardoado e consagrado escritor Romain
Gary (autor, por exemplo, de "Racines du ciel", "La promesse de l'aube"
de "Lady L") dera a lume o livro que, logo a seguir, receberia o prémio
Goncourt, venderia mais de um milhão de cópias e seria traduzido em 23
línguas...
Paul
Pavlovitch torna-se uma coqueluche do "tout Paris": repórteres seguem-no
de Monte Carlo até à Côte d'Azur, é visto nas festas e nos bares de luxo
em companhia de belíssimas actrizes e meninas finas do "demi-monde". Um
lindo e saudável forrobodó que não desagradaria, suponho, a se calhar
mais de metade dos austeros romancistas lusos...
No princípio
de 79 outro livro de Ajar vem à luz: o belíssimo "L'angoisse du roi
Salomon", novo êxito de criar bicho. E é então que em Março outro
escrito da autoria de Romain Gary, "Vie e mort d'Emile Ajar" revela o
imbróglio: os livros eram produto da sua pena, o sobrinho fôra apenas o
actor escolhido para esta partida aos literatos – partida tanto mais
gostosa se nos lembrarmos que o Goncourt não se pode atribuir/receber
duas vezes...
Ou seja: então
como resolver a bambochata? E os gabirús da literatice desesperavam!
Na sequência
deste seu último livro, pois logo a seguir, profundamente ferido pela
morte de sua mulher e amada, a célebre actriz Jean Seberg, Gary
suicidava-se - deixara um bilhetinho irónico colado na testa:"Diverti-me
a valer! Até à vista e obrigado...".
Sem ser só por
isto - mas também por isto, por esta manifestação de excelente senso de
humor e de alto talento que a passagem dos anos não crestou - sugerimos
vivamente, a quem porventura os não conheça, a leitura dos livros de
Romain Gary. É um dos que, a par de Marcel Scipion, Jean Husson, Philip
Claudel e Jacques Borel (ou seja, dos chamados “descentrados” das letras
gaulesas) valem muito a pena ser lidos – com os olhos, com as orelhas,
com a ponta da alma.
E com um leve
risinho absolutamente colorido…
ns
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Nicolau Saião –
Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista,
actor-declamador e artista plástico.
Participou em
mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália,
Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter
exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris,
Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi,
Sevilha, etc.
Em 1992 a
Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio
Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor
ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro
(1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O
desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a
sair).
No Brasil foi
editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e
plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a
Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique
(2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro
cantos”(antologia).
Fez para a “Black
Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de
Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou,
o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana
“Bichos” (2005).
Organizou,
coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na
surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na
Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.
Tem colaborado em
espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto),
“Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”,
Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu),
“Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”,
“Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”,
“Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de
Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”,
“Laboratório de poéticas”(Brasil)...
Prefaciou os livros
“Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas”
de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários”
de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).
Nos anos 90
orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no
“Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”,
suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O
Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.
Organizou, com
Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o
Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art
“O futebol” (1995).
Concebeu,
realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na
Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de
poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no
álbum “Canciones lusitanas”.
Até se aposentar
em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos
José Régio, na dependência do município de Portalegre.
É membro
honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município
da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e,
em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de
actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de
Mérito Municipal. |
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