Todos os anos, de há um lustro a esta parte, a colectividade popular sediada naquela vila alto-alentejana e orientada pelo etnólogo e folclorista Lino Mendes, leva a efeito uma Sessão denominada Comportamentos, ficando o enfoque dependente da formação específica do convidado que, em geral no salão da biblioteca da Escola Secundária local, leva a efeito uma palestra seguidamente aberta às perguntas da assistência.
A sessão é complementada com um texto previamente dado a lume no jornal de Ponte de Sôr, “Ecos do Sôr”, constituído por perguntas do organizador da sessão e as respostas do convidado.
Os eventos têm sido participados por autores como Nuno de Matos Duarte, Carlos Garcia de Castro, Ruy Ventura...
Neste ano coube a NS, que estivera presente na primeira sessão do evento, debruçar-se sobre as questões comportamentais vistas pelo lado da arte sociabilizada.
E o texto complementar foi o seguinte:
Pergunta 1) - Salvo erro foi Gandhi que disse "não haver democracia se não soubermos ouvir os outros". No entanto, o mundo está cheio de gente que não aceita outra opinião que não a sua, que acaba por impôr se para isso tiver poder. Indo até à ruptura se não tiver esse poder.
Como analisa esta situação, em especial se essas pessoas ocuparem cargos públicos?
Resposta – Partamos deste dado de base: numa verdadeira democracia, que de acordo com pensadores e analistas de vulto, nacionais e estrangeiros, infelizmente não existe ainda em Portugal (o que existe é sim uma “democracia tendencial”, em geral controlada por partidos e “grupos de interesses”) o direito de nos contestarmos, de discordarmos ou opinarmos diversamente e de emitirmos publicamente, se o desejarmos, esses conceitos, é um direito nuclear. Diria mais, um direito fundacional.
Isto quanto ao emissor. Quanto ao receptor, em verdadeira democracia é livre de os aceitar ou não, sem que isso constitua escândalo ou abuso. E a aparelhagem social, naturalmente legítima, se encarrega em consequência, depois, de definir a razão ou não do que ou de quem está em causa.
Mas, uma vez que a democracia neste país é apenas tendencial, ce om penosas consequências (corrupção ética, desleixo ou laxismo no Sistema Judicial, fragilidade ou desqualificação eventual das instituições, controle frequente destas por díscolos ou medíocres ardilosos) os detentores dos poderes públicos com frequência tripudiam sobre o cidadão, que infelizmente e por seu turno por vezes não age verticalmente mas usando de sofismas que, no fundo, possibilitam aos outros o abuso.
Este quadro de imoralidade sócio-legal é, evidentemente, muito prejudicial para a comunidade e a ocupação de cargos públicos por esse tipo de gente deve ser firmemente denunciada e combatida mediante os meios legais ainda disponíveis (caso os inibam, recorrer a instâncias internacionais ou entidades, como por exemplo o juiz Baltazar Garzón).
2) - Alguém afirmou que não punha a opinião ou decisão no papel, para que depois possa dizer que não disse aquilo que todos sabemos que disse. Que manda"recados " em vez de o dizer directa e frontalmente.
Como classifica tais pessoas?
Resposta – Esse tipo de gente, a meu ver, só pode ser classificada com a expressão de Santo Agostinho: “De tais percevejos, Senhor, livra a enxerga onde, por tua bondade, repousa este teu humilde servo”.
Sem ser simbolicamente, agora no mero plano comportamental civilizado, gente desse género devia ser imediatamente impedida de ascender a lugares de mando.
3) - Eu sempre considerei o autarca como um "político diferente", no entanto...
Pensemos que um autarca não consegue "controlar" determinada associação e avança para o apoio, na sombra, ao aparecimento de uma outra, naturalmente com o objectivo de combater a outra.
O Nicolau acredita que esse autarca possa existir? Em caso afirmativo como o define?
Resposta - Em primeiro lugar quero referir que, também eu, considero que os membros de autarquias são políticos diferentes, para usar a sua expressão. Em parte porque o seu trabalho é específico, mais perto do país real e, por isso, mais controlável por um lado e mais positivamente imediato por outro. E isso é reconhecido, tanto para bem como para mal, pelas populações que os colocam nesses centros de decisão como seus representantes.
No exemplo que aponta como “hipótese de trabalho”, como sói dizer-se em sociologia, não conheço nenhum caso real, mas acredito que possa existir dado que na sociedade global o ambiente é propício a esses factos.
Definiria o eventual protagonista como abusador, naturalmente, pois tal procedimento não é legítimo no espírito público desses cargos.
4) - Acredita que possa haver um político que possa fazer chantagem com pessoas ou familiares suas dependentes?
Resposta – Gostaria de não acreditar. Suspeito, entretanto, pelo que certos órgãos de informação nos dizem com alguma frequencia, que isso parece ser uma realidade, que evidentemente não sei até onde vai em gravidade. É algo que contradiz as raizes da democracia e a sua essência profunda – além, claro, de ser ilegal.
Embora neste momento já não vivamos propriamente em país de Direito, como ficou definido por operadores específicos e publicistas nas conferências de Roma e de Madrid, em Junho transacto, há mecanismos internacionais para obviar a esses casos, a existirem realmente.
5) - E a terminar: existe Liberdade? Existe Liberdade de expressão?
Resposta – A sua pergunta refere-se a Portugal? Existe ainda liberdade, mas cada vez mais ténue e pontual. Claro que me reporto à verdadeira liberdade, a de o cidadão existir de acordo com a lei, o Direito e a Razão tradicionais, não à “liberdade” de depredar, assaltar e abusar dos outros mediante a impunidade estimulada pelo Estado e os governos, na última década ocupados alegadamente por clientelas e membros dependentes de associações duvidosas como certos grupos económicos e outros círculos argentários, mediante a desertificação consentida pelos turiferários do Sistema Judicial.
A liberdade de expressão que neste momento existe no mundo societário é por vezes residual e em certo grau mantida por pequenas publicações, pois os grandes órgãos estão geralmente controlados ou nas mãos dos asseclas do poder e da influência.
Neste particular, não posso deixar de saudar os operadores desses pequenos órgãos, que têm desempenhado um papel fundamental na salvaguarda da liberdade de que ainda tenuemente disfrutamos.
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