Moralizar aquilo que se pode exigir aos outros
Parte dos que nos pedem não é historicamente realizável. Os países mais
pobres devem liberalizar as suas economias num período mais curto do que
foi alguma vez exigido aos países desenvolvidos. Algumas vezes,
coloca-se como condição de libertação dos fundos o cumprimento de metas
que são impraticáveis.
Espera-se que façamos em 5 anos aquilo que outros levaram séculos a
alcançar. Algumas das nações europeias que nos cobram pela
descentralização estão muito longe de cumprir, elas próprias, esse
processo de descentralização.
Alguns dos que hoje nos exigem clareza, transparência e boa governação
apoiaram golpes de Estado em África, patrocinaram o assassinato de
líderes e apoiaram
agressões a regimes sob o único pretexto de estarem do lado errado no
período da Guerra Fria. Ainda hoje a ajuda que se ergue como um “dever
moral” continua sendo condicionada politicamente. Quem fala, por
exemplo, da ditadura infame da Guiné Equatorial? Em 1994, a embaixada
dos EUA fechou e os americanos romperam com o regime da Guiné Equatorial
por acharem inaceitável o regime de Teodoro Obiang. Um ano depois,
quando foram descobertas importantes jazidas de petróleo, os EUA
regressaram correndo, aceitando aquilo que antes era intolerável. O
petróleo é um poderoso diluente de ditaduras.
Algumas das vozes que reclamam moralidade dos regimes africanos
estiveram caladas perante a injustiça do apartheid. Ao menos, o meu
pequeno país foi capaz de
se erguer não apenas contra o poderoso apartheid sul-africano mas contra
o regime rodesiano de Ian Smith. Para defendermos essa coerência de
princípios perdemos 17 bilhões de dólares, considerando apenas os custos
directos da desestabilização lançada contra o nosso país. Esse divida
financeira e moral não entrará nas contas com a chamada comunidade
internacional. Como não entrará nas contas a guerra de
desestabilização que por quase duas décadas martirizou a nação
moçambicana. Hoje fala-se de guerra civil em Moçambique como se esse
conflito tivesse tido apenas
contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi
gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada
estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul.
No meu país o espectro do terrorismo não começou com o Onze de Setembro.
Milhares de crianças estão desde há mais de vinte anos espreitando com
medo o chão que vão pisar. Mais de um milhão de minas anti-pessoais foi
semeada durante a guerra. Milhares desses engenhos mortais continua
semeando o terror no seio de cidadãos inocentes. Quantos dos países
ricos que se mobilizam contra terrorismo assinaram a convenção para o
banimento da produção de minas?
|