O falso sentimento de desperdício
A opinião pública na Europa e nos EUA mantém a ideia de que Africa pode
sair da situação de crise se gerir bem os fundos doados. A ajuda apenas
é insuficiente
porque é mal usada.
É certo que parte das doações tem sido desviadas em benefício de elites
minoritárias. Algumas dessas fortunas roubadas estão aqui, bem no
coração da Europa, na forma de criminosas contas bancárias. Mas a grande
verdade é que, mesmo bem usada, a actual ajuda não resolveria os
problemas vitais das nações empobrecidas. Pelo contrário, o actual
quadro da ajuda poderá estar agravando a condição de miséria do Terceiro
Mundo.
Regressemos à ideia dominante de que os valores da ajuda são
astronómicos. Na verdade, é necessário colocar essas quantias no devido
contexto. Os cidadãos
americanos acreditam, por exemplo, que o seu país destina 15 a 20 por
cento do seu Orçamento para a ajuda externa. Estão errados. Os EUA
gastam menos de 1 por centro nessa ajuda, uma ninharia comparada com os
milhões que o governo paga por ano aos fornecedores de armamento.
Um escritor sabe contar, não sabe fazer contas. Mas um economista amigo
ajudou-me a fazer umas somas e gostaria de partilhar os resultados
convosco. Com os 175 biliões de USD que os EUA já gastaram na guerra do
Iraque desde Marco de 2003 seria possível fazer o seguinte:
1) Instalar 40.000 pequenas e médias empresas produtivas relativamente
modernas e competitivas na África Sub-Sahariana, gerando directamente 12
milhões de novos postos de trabalho com salários e condições de trabalho
acima da actual média.Deste modo se arrancaria de forma permanente cerca
de 60 milhões de Africanos das malhas da pobreza. Além disto, este
investimento tornaria possível às economias africanas tirarem proveito
efectivo das oportunidades comerciais que hoje já existem, como sejam o
caso do AGOA (comércio preferencial com os EUA) e o EBA
(everything-but-arms, comércio preferencial com a União Europeia). Isto
significa que num espaço de tempo relativamente curto, o Produto Interno
Bruto per capita da África Sub-Sahariana poderia ser triplicado, não à
custa de ajuda mas com base em desenvolvimento e crescimento real da
economia e uma melhor distribuição do rendimento gerado.
2) Além dessas empresas, com o dinheiro gasto no Iraque seria possível
também construir mais 600 escolas técnico-profissionais de alta
qualidade, onde poderiam ser formados, todos os anos, cerca de 300.000
trabalhadores qualificados para impulsionarem o desenvolvimento da
agricultura, agro-indústria, pesca, indústria, turismo, serviços, etc.
Este treinamento permitiria que as empresas mencionadas acima pudessem
funcionar bem com força de trabalho qualificada, com repercussões
imediatas na produtividade e do nível de vida da maioria dos Africanos.
Ou refazendo as contas: os bilhões de dólares gastos no Iraque são
suficientes para empregar mais 4 milhões de professores primários por um
ano, ou para imunizar todas as crianças do Mundo contra diferentes
doenças por 58 anos, ou para alimentar o Mundo durante os próximos 7
anos, ou ainda para terminar com o flagelo da malária em África e
construir 2 milhões de novas habitações básicas.
Estes outros destinos a serem concedidos aos bilhões de dólares talvez
fossem uma forma mais efectiva de combater a insegurança. Porque há um
terror invisível que pode estar alimentando o terrorismo internacional.
Esse é o terror da fome, da pobreza, da ignorância, o terrorismo do
desespero perante a impossibilidade de mudar a vida.
Caros senhores,
Finalmente, quase nenhuma das nações desenvolvidas cumpriu aquilo que
foi estipulado há trinta anos pelas Nações Unidas: destinar 0.7 por
cento do seu orçamento para a ajuda externa. Em média, esse apoio não
ultrapassa hoje os 0.25 por cento. Como se pode ver, não são apenas os
países pobres que não estão cumprindo as obrigações internacionalmente
assumidas.
O mais grave, porém, é que aquilo que nos é dado numa mão nos é retirado
pela outra mão. Calcula-se que o proteccionismo e os subsídios retiram
aos países pobres 2050 milhões de euros. Ou seja muitíssimo mais daquilo
que é o valor da ajuda. Para além disso, os subsídios agrícolas na
Europa e EUA representam um contra-senso na lógica que nos é imposta em
relação aos mecanismos reguladores da economia. Numa palavra, os
profetas do liberalismo de mercado não fazem em casa aquilo que propalam
publicamente.
Mais grave ainda: está provado que 40 por cento do valor que se acredita
dar aos países pobres é destinado a pagar a consultores internacionais.
Na realidade, há hoje mais expatriados em África do que havia no tempo
colonial. Quer dizer: uma parte do dinheiro está sendo absorvido pelo
circuito dos países ricos. Com este dado, o valor da ajuda desce de 0.25
do orçamento para menos de 0.1 por cento. Afinal, não se está dando
tanto quanto os cidadãos dos países ricos acreditam.
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