COMO NÓS VEMOS A SUIÇA
A Suíça já foi para muitos moçambicanos não um país mas o nome de uma
missão religiosa. A Missão Suiça implantou-se no Sul de Moçambique,
enfrentando terríveis suspeitas do regime colonial português.
Henri Junod foi expulso de Moçambique em 1895 porque ensinava as
chamadas “línguas dos nativos”. O missionário ajudava moçambicanos como
Eduardo Mondlane a moçambicanizarem-se enquanto, nesse processo, ele
mesmo se africanizava, acabando por solicitar que fosse enterrado em
terras de Moçambique.
Setenta anos mais tarde, um outro suíço converteu-se numa figura de
dimensão quase mitológica. Tratava-se do médico René Gagnaux, uma
espécie de filantropo da nova vaga, um homem que dedicou a sua vida a
atender os mais pobres. A Suíça, para muitos, era a terra do Gagnaux. Um
dos seus filhos, agora moçambicano, lidera uma das principais forças
politicas a nível da cidade de Maputo.
Hoje temos da Suiça uma percepção mais moderna e designamo-la por via de
um nome curioso: “país doador”. O mundo está hoje dividido entre os que
dão e os que recebem. Como se fosse uma condição natural, genética,
perpétua. Nós, os receptores daquilo que se chama “ajuda” já tivemos
outros nomes: fomos Terceiro Mundo, países em vias desenvolvimento,
territórios do Sul, países sub-desenvolvidos, nações da periferia.
A dança dos nomes não terminou. Agora, no quadro do politicamente
corrigido, nós temos, pela primeira vez, o direito de partilhar de um
mesmo nome: somos ambos, ricos e pobres, chamados de “parceiros”. Este
novo nome é mais simpático mas ele colide com uma questão de princípio:
não se resolve nas palavras aquilo que não está resolvido na substância.
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Mia Couto nasceu na cidade da Beira, Moçambique. Depois de um início de carreira na área do jornalismo, consagrou-se à literatura. As suas obras, dotadas de um estilo original, encontram-se já traduzidas em várias línguas: holandês, sueco, norueguês, italiano, francês e espanhol. Mia Couto dedica-se também teatro e à biologia. |