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Mia Couto........Mia COUTO.................MIA COUTO
MOÇAMBIQUE, 30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

Mia Couto numa Conferência Realizada em DEZA TRAVERSE Suíça, celebrando Moçambique, 30 anos de Independência. 16 de Junho 2005

COMO A EUROPA VÊ ÁFRICA

Os continentes são, sobretudo, representações feitas e refeitas de acordo com os tempos. A África de hoje é uma co-produção euro-afro-americana. A versão mais recente dessa co-produção é marcada pela morte e decadência. Cadeias de TV estão confirmando essa agonia, entre doenças e guerras. O excesso de imagens dos dramas de África teve um efeito perverso: o continente deixou de ser visível. Perdeu visibilidade porque tudo parece estar já visto. Aos olhos do resto do mundo, África (ou uma parte dela) deixou de existir. Do mapa cor-de-rosa se passou ao monocromático mapa do desespero.

O apocalipse africano esteve demasiado tempo na montra, foi excessivamente filmado, fotografado, torcido e retorcido para uso da compaixão. Deixou de existir disponibilidade para entender o que está por detrás dessas imagens. Afinal, a fome a guerra são apenas os sinais de uma tragédia mais funda e mais antiga. Essa tragédia assenta em razões internas mas assenta também no lugar periférico de África e nas trocas desiguais do comércio internacional.

Uma certa esquerda europeia transitou da simpatia para um pessimismo militante. A lágrima solidária foi substituída pela indiferença e pelo descrédito. Os africanos, por seu turno, foram eternizando um sentimento de culpabilização dos outros, acreditando tratar-se da continuação de um “complot” antigo para os dizimar.

De um e outro lado, se acumularam desilusões e impaciências. Uma mesma ignorância do Outro foi transitando ao longo da História. Aos profetas do socialismo seguiram-se os profetas do neo-liberalismo agitando apressadas receitas financeiras para salvar os pobres. Mas a pobreza insiste, teimosa como uma incurável doença que nos devora do outro lado do Mediterrâneo.

A opção para os países doadores parece simples: dar mais ou deixar de dar. As recentes notícias mostram que, nos próximos tempos, se irá dar um pouco mais. Pelo menos em algumas nações terá vencido a alternativa mais humanitária. Contudo, poucos se interrogarão sobre a necessidade de mudar a qualidade da relação entre o Norte e o Sul.

 

Mia Couto nasceu na cidade da Beira, Moçambique. Depois de um início de carreira na área do jornalismo, consagrou-se à literatura. As suas obras, dotadas de um estilo original, encontram-se já traduzidas em várias línguas: holandês, sueco, norueguês, italiano, francês e espanhol. Mia Couto dedica-se também teatro e à biologia.