COMO A EUROPA VÊ ÁFRICA
Os continentes são, sobretudo, representações feitas e refeitas de
acordo com os tempos. A África de hoje é uma co-produção
euro-afro-americana. A versão mais recente dessa co-produção é marcada
pela morte e decadência. Cadeias de TV estão confirmando essa agonia,
entre doenças e guerras. O excesso de imagens dos dramas de África teve
um efeito perverso: o continente deixou de ser visível. Perdeu
visibilidade porque tudo parece estar já visto. Aos olhos do resto do
mundo, África (ou uma parte dela) deixou de existir. Do mapa cor-de-rosa
se passou ao monocromático mapa do desespero.
O apocalipse africano esteve demasiado tempo na montra, foi
excessivamente filmado, fotografado, torcido e retorcido para uso da
compaixão. Deixou de existir disponibilidade para entender o que está
por detrás dessas imagens. Afinal, a fome a guerra são apenas os sinais
de uma tragédia mais funda e mais antiga. Essa tragédia assenta em
razões internas mas assenta também no lugar periférico de África e nas
trocas desiguais do comércio internacional.
Uma certa esquerda europeia transitou da simpatia para um pessimismo
militante. A lágrima solidária foi substituída pela indiferença e pelo
descrédito. Os africanos, por seu turno, foram eternizando um sentimento
de culpabilização dos outros, acreditando tratar-se da continuação de um
“complot” antigo para os dizimar.
De um e outro lado, se acumularam desilusões e impaciências. Uma mesma
ignorância do Outro foi transitando ao longo da História. Aos profetas
do socialismo seguiram-se os profetas do neo-liberalismo agitando
apressadas receitas financeiras para salvar os pobres. Mas a pobreza
insiste, teimosa como uma incurável doença que nos devora do outro lado
do Mediterrâneo.
A opção para os países doadores parece simples: dar mais ou deixar de
dar. As recentes notícias mostram que, nos próximos tempos, se irá dar
um pouco mais.
Pelo menos em algumas nações terá vencido a alternativa mais
humanitária. Contudo, poucos se interrogarão sobre a necessidade de
mudar a qualidade da relação entre o Norte e o Sul.
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