Como foi largamente noticiado, faleceu no passado
dia 23 de Março de 2015, em Cascais, Portugal, o poeta Herberto Hélder,
uma referência incontornável, se não a mais significativa, da poesia
portuguesa da segunda metade do século XX.
Caraterizada pela sua fulgurância estética, mas
sobretudo pela sua pujança verbal, Herberto Hélder é, essencialmente,
o poeta mítico da modernidade portuguesa
contemporânea, não só pela intensidade particular da sua obra (quer
considerada em conjunto, quer na simples leitura de um único dos seus
versos) mas também pelo seu estilo de vida discreto e avesso a todas as
manifestações da instituição literária, pelo menos nos últimos anos.
Herberto Hélder Luís Bernardes de Oliveira, HH, de
seu nome completo, nasceu no Funchal 23 de novembro de 1930. Frequentou a
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mudou-se para Lisboa, onde
exerceu profissões como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador
de rádio. De 1971 a 1974, trabalhou em Luanda, onde foi redator da revista
Notícia, editada pela empresa
Neográfica, cujo capital era dividido pelo grupo Vinhas, da CUCA, a
primeira cervejeira de Angola, e pelo banqueiro português Cupertino de
Miranda, dono do Banco Comercial de Angola, BCA.
Ao contrário do que aparece nalgumas biografias
publicadas, Herberto Hélder nunca fez reportagens de guerra, não só porque
não estava decididamente vocacionado para tal, mas porque no
Notícia havia um repórter
especializado nisso, com todas as credenciais do exército, o Fernando
Farinha, que, antes de mais, era fotógrafo.
A estada em Angola de Herberto Hélder foi-lhe de algum modo
marcante, pois foi ali que encontrou a segunda esposa, a assistente social
Olga Ferreira Lima, que conheceu num célebre bar que havia em frente à
Escola 15, de Luanda, na rua que sai do Kinaxixe para o cemitério do Alto
das Cruzes, a Mastaba, onde se reunia um escol de artistas e intelectuais
que as forças retrógradas identificavam como do reviralho.
Naturalmente, eu privei com o Herberto Helder, HH,
nos quatro anos em que ele esteve em Angola, assim como depois em Lisboa,
no bar Expresso, do Largo Bordalo Pinheiro, e depois na tertúlia do Solar
das Galegas, no cimo das Escadinhas do Duque, em pleno centro da chamada
Baixa lisboeta. Primeiro, porque colaborava no
Noite e Dia, uma revista
cultural e de espetáculos ligada à empresa do
Notícia, onde ele trabalhava,
depois porque almoçava diariamente com ele, primeiro no mesmo restaurante,
A Sevilhana, de boa memória,
porque se comia muito bem, e depois à mesma mesa, quando descobriu que eu
também me dava com o Aníbal Fernandes. Este, engenheiro de profissão e
formação, que era natural do Lubango, último rebento da conhecida família
Farrica, era diretor dos SMAE, Serviços Municipalizados de Água e
Eletricidade, de Luanda, e hoje continua a ser considerado em Portugal o
maior tradutor de Francês para Português. Traduziu
A Viagem ao fim da noite, do
Louis Ferdinand Céline, os principais livros do Alphonse Allais, entre
muitos outros, os mais difíceis de traduzir, os que era preciso recriar.
Veja-se o catálogo da Editora Ulisseia antiga, e analisem-se bem as atuais
edições da Assírio & Alvim. Fez também a
Antologia do Conto Abominável e
a antologia De Fora para Dentro,
compilações de textos sobre Portugal de grandes autores estrangeiros,
estas editadas pela editora Afrodite, do Fernando Ribeiro de Melo. Diga-se
de passagem que esta última antologia integra um texto que ele foi
descobrir, da autoria do Marquês de Sade, sobre a famosa Rainha Njinga
Mbandi, do reino de Ndongo, que está na base da formação da nação
angolana.
Herberto Helder chegou a Luanda para ficar na
revista Notícia pela mão do
João Fernandes, que anteriormente frequentava com ele o Café Gelo, em
Lisboa, que era o poiso dos Surrealistas. O primeiro texto que HH publicou
no Notícia era uma coisa que
não era reportagem nem tinha classificação para uma revista generalista,
mas, como era diferente, acabou por ser uma pedrada no charco. De vários
modos chamou a atenção para ele, mesmo quando assinava com um pseudónimo
que afinal estava integrado no seu nome completo, Luís Bernardes, o que
acontecia quando sentia que o que lhe mandavam fazer não era bem o campo
dele.
Já agora, vou lembrar um episódio passado com ele,
exatamente por altura de quando em Portugal se passava o episódio da
tentativa das Caldas, a 16 de Março de 1974, pouco tempo antes do 25 de
Abril. Estava ele de serviço no Lobito, e eu igualmente no mesmo hotel, o
Belo Horizonte, a fazer a cobertura do II Festival Internacional de Cinema
Amador, quando o encontro ao jantar, e lhe dou conta de que um dos
melhores filmes dessa tarde era inspirado num poema dele,
Esta terra não existe. Não
descansou enquanto não conseguiu que eu contatasse a organização e lho
fossem mostrar em projeção privada no Lobito Sport Clube, instituição que
à data era um organismo modelar.
O filme era assinado pelo arquiteto Crinner y
Dintel, lisboeta de gema que por sinal é um grande artista plástico,
apesar de quase desconhecido, e desta estória o HH deu notícias no livro
Photomaton & Vox, conforme há
anos me chamou a atenção o poeta angolano Zetho da Cunha Gonçalves, a quem
tinha contado o caso.
Caso que não acaba aqui. No dia de regresso a
Luanda o HH quer-me convencer a regressar a Luanda com ele e o fotógrafo,
Eduardo Guimarães, - hoje no Brasil, - para não se aborrecerem muito nos
500 quilómetros. Sopesando as coisas, apesar de gostar mais de viajar de
automóvel, para ver paisagens e pessoas, acabei por recusar, no fundo
estava morto por chegar a Luanda.
Livrei-me de boa. Os dois tiveram um acidente,
obrigando-os a internamento hospitalar durante várias semanas, nunca se
tendo ressarcido completamente, no aspeto físico.
Embora aparentemente
desligado, cabe referir que, ao mesmo tempo que HH, coincidiu em Luanda a
estada do grande poeta surrealista português José Sebag, que veraneou pela
Emissora Oficial de Angola durante uns tempos e assinou crónicas
exemplares na revista Notícia.
RODRIGUES VAZ
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Rodrigues Vaz
nasceu em 1944, em Beira Valente, concelho de Moimenta da Beira, onde fez
os estudos primários e secundários. Depois de ter concluído o curso do
Magistério Primário em Lisboa, em 1962, seguiu para Angola, onde trabalhou
como formador de professores do ensino primário rural até 1966, ano em que
foi chamado a cumprir o serviço militar, o que decorreu até 1971, no
Centro de Instrução de Comandos, na Secção de Acção Psicológica e
Mentalização. Desde o início da sua estada em Angola colaborou nos diários
A Província de Angola e Diário de Luanda e nas revistas Noite e Dia,
Semana Ilustrada e EF. Em 1972 entrou como redactor no Diário de Luanda,
tendo sido promovido a sub-chefe de Redacção em 1973, ao mesmo tempo que
fazia a coordenação do suplemento Artes e Letras. Após o 25 de Abril fez
parte da equipa que reabriu o matutino O Comércio de Luanda, onde esteve
até Setembro de 1974. A seguir entrou nos quadros da Emissora Oficial de
Angola e depois integra o quadro fundador da Televisão Popular de Angola,
TPA, com o escritor Luandino Vieira, de que foi adjunto até Maio de 1977,
regressando à Rádio Nacional de Angola com o cargo de Chefe do Serviço
Internacional. Em Portugal exerceu, de 1982 a 2000, o cargo de chefe da
Secretaria da Redacção do Correio da Manhã, onde, ao mesmo tempo, manteve
uma vasta colaboração no âmbito cultural, designadamente no sector de
divulgação de Artes Plásticas. Actualmente é editor, sócio-gerente da
Pangeia Editora, continuando a colaborar nas revistas Tempo Livre e África
21, e é editor da revista Cadernos Culturais de Telheiras. Em Luanda, além
de ter trabalhado durante vários anos como assistente de programação da
Angola Filmes, publicou o livro O Alvorecer do Cinema, edição do Círculo
Universitário de Cinema de Luanda, 1969, de que foi co-fundador e
responsável pela execução dos programas. Em Portugal, além de ter
elaborado textos para mais de uma centena de catálogos de exposição de
artes plásticas, e de fazer tradução literária para as editoras Vega e
Hugin, publicou Albino Moura – A Cor do Imaginário, Universitária Editora,
1994; À Roda da Fogueira, Universitária Editora, 1996; Albino Moura – O
Inventado Olhar, Inquisição, 1997; João Patrício, Um Poeta em Paço de
Arcos, Câmara Municipal de Oeiras, 1997; A Simbólica nos Desenhos de
Troufa Real, Galeria Hexalfa, 2001; Angola, Estórias Esquecidas, Hugin
Editora, 2003; Os Galegos nas Letras Portuguesas, Pangeia Editora, 2008.
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