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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
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JOAQUIM SIMÕES |
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Dois poemas por Lisboa |
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Regresso
(pour faire joli)
Ao longe, ao fundo, o farol,
pedra branca a enfeitar
a pele verde e azul do rio
perfumada pelo mar.
Uma vela e uma nuvem,
deslizando par a par,
vão-nos desvelando a luz
que vive dentro do olhar.
Mas por sobre o casario,
como asa que o sobrevoa
e o sombreia, calada,
há uma névoa em que ressoa,
vago, difuso e etéreo,
temivelmente discreto,
uma espécie de mistério
que se tornasse concreto
no acostar de um navio
rangendo aventura e mágoa,
na risada de um menino
que apanha estrelas na água,
numa prece iluminada
pela visão do craveiro
que Deus fez subir à fresta
de uma cela do mosteiro,
num tom de cio e tristeza,
a vibrar como guitarra
cravada no coração
com a crueza de uma garra,
num bocejo de revolta
e num rugido de medo,
num relógio que bate horas
sempre tarde ou ainda cedo.
Algo que é como saudade,
lucidez ou desatino,
do desejo da vontade
de amar o nosso destino.
Algo que vem lá do fundo
do mundo de cada um,
como se um fosse todos
e todos fossem nenhum.
E há, por fim, uma voz,
dentro da alma, que ecoa
fazendo-o entrar em nós:
“Aterrámos em Lisboa!”
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A saber de Lisboa
Em Lisboa já se sabe
o Tejo é lume
que ilumina a madrugada
dos amores
a Sé ergue até ao Céu
vício e ciúme
e a Ribeira é o castelo
dos sabores
Em Lisboa já se sabe
há uma ponte
que são duas a olhar
p’ra um cacilheiro
a singrar por entre as ondas
do cansaço
de quem vem já atrasado
do Barreiro
Em Lisboa já se sabe
a lua espreita
por detrás do reposteiro
do horizonte
vendo o caminhar furtivo
de quem vai
a esgueirar-se p’la viela
que é defronte
Em Lisboa já se sabe
há sempre um gato
que apregoa pelos telhados
o Janeiro
e uma boca a segredar
que veio nua
à varanda a vizinha
do terceiro
Em Lisboa já se sabe
vive um puto
a fintar o mundo inteiro
pelas esquinas
e azulejos onde moram
sorridentes
São Vicente Santo António
e as varinas
Em Lisboa já se sabe
há mil gaivotas
e mil pombos mil pardais
mil andorinhas,
que num golpe d’asa varrem
mil derrotas
para dentro do braseiro
das mil sardinhas
Em Lisboa já se sabe
cada rua
é um novelo de passos
de ninguém
e nas fendas da calçada
nascem flores
que
por vezes nos dão ares
de ser alguém
Em Lisboa já se sabe
há um poeta
a beber pelos cafés
a sua sombra
e o fantasma do futuro
que nos cerca
com a vela de um navio
que nos assombra
Em Lisboa já se sabe
há uma voz
que a guitarra não permite
sossegar
a lembrar o que será
de todos nós
na cidade que ainda está
por inventar
E tudo o mais que há
sem nunca haver
todo o mal e todo o bem
e o que não cabe
mas nos cabe no viver
e no morrer
há e cabe em Lisboa
já se sabe
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Joaquim Simões nasceu em Paço d’Arcos, em 1950.
Licenciou-se em Filosofia, na Universidade Católica Portuguesa.
Frequentou o mestrado em Cultura Clássica da Universidade de Lisboa, sob
orientação do Professor Victor Jabouille, tendo sido investigador da
Linha de Acção 1 do Departamento de Línguas e Cultura Clássicas da mesma
Universidade, abandonando, porém, ambas as actividades por motivo de
doença.
Foi
professor do Ensino Secundário em diversas escolas da área de Lisboa e,
para além da actividade docente, exerceu funções de orientador de
estágio profissionalizante e de representante de uma delas em alguns
encontros, nacionais e internacionais, sobre multiculturalidade.
Em
1979, publicou um livro de poemas em edição de autor, com prefácio de
Manuel Grangeio Crespo.
Entre
1980 e 1983 participou no projecto de teatro para a infância e juventude
do Teatro do Nosso Tempo, em Lisboa. Em 1982, em parceria com o músico
Francisco (Xico Zé) Henriques, constrói um espectáculo, “Astrolábio”,
composto por canções feitas a partir de poemas seus.
Entre
1989 e 2010, colaborou permanentemente com Manuel Almeida e Sousa e a
Mandrágora em diferentes realizações na área da performance teatral.
Em
2010, colabora com Maria Morbey Henriques no espectáculo “Banjazz – Um
bichinho esquisito”, levado à cena, em Fevereiro, no Centro Cultural de
Belém. |
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