Antonio Mercader:
Rugidos de léon
(entrevista)

Antonio Hohlfeldt:
Erico Verissimo: nem tão perto, nem tão longe

Biografia de Érico Veríssimo

O CENTRO CULTURAL ÉRICO VERÍSSIMO:
História do prédio

Obras de Érico Veríssimo

O sobrado

Antonio Hohlfeldt
Erico Verissimo: nem tão perto, nem tão longe

Conheci Erico Verissimo quando, repórter de cultura do "Correio do Povo", fui encarregado pelo editor, Paulo Fontoura Gastal, de entrevistá-lo por ocasião do lançamento de um novo romance. A imagem ainda é recente: a chegada à casa, a entrada na biblioteca, onde soava Bach, a pequena espera até que o escritor me recebesse.

O ambiente era aconchegante. Uma grande sala rodeada de prateleiras e, nelas, os livros. Erico logo me colocou à vontade. Evidentemente, eu vinha recomendado pelo editor, que tinha certa afinidade com o escritor. Novato, mas aspirante a me tornar também um escritor, tinha enorme respeito por Erico Verissimo. A entrevista foi antecedida de uma espécie de questionário do conhecido romancista sobre mim, e parou em meu sobrenome, considerado por ele de difícil grafia e memorização. Logo me adaptava aquela designação para uma espécie de tradução livre, que passei inclusive a usar na assinatura de alguns artigos que publiquei no jornal quando, numa mesma edição, saíam mais que dois textos de minha autoria.

Voltei poucas vezes a sua casa, talvez mais duas ou três. Procurei evitar incomodá-lo, a partir de um comentário de um conhecido que me dissera: "Coitado do Erico, sempre rodeado de chatos e de puxa-sacos". Na verdade, a casa de Erico era parava obrigatória de todas aquelas figuras notáveis - artistas ou políticos - que viessem a Porto Alegre. E eu ficava me imaginando como deveria ser incomodativo para ele ter de ser simpático, ao receber aquelas pessoas que, na verdade, estavam, quem sabe, atrapalhando-o na constituição de um novo livro ou evitando sua convivência mais íntima com a família.

Quando de sua morte, participava da montagem da edição especial do "Caderno de Sábado", suplemento literário que o "Correio do Povo" publicava aos sábados - e daí seu nome - em homenagem ao escritor, que estava a completar 70 anos de vida. Fizéramos contatos com dezenas de intelectuais de todo o país. Os artigos haviam afluído de tal forma, inclusive os não solicitados, que nos obrigáramos a programar um segundo caderno, na semana seguinte, para dar vazão a todos eles, o que prova a imensa popularidade do escritor.

Alguns anos depois de sua morte, tive a oportunidade de escrever um pequeno livro a seu respeito, editado pela Tchê, onde tenho a pretensão de ter buscado enfocar alguns aspectos diversos de sua vida e obra, destacando especialmente os livros infantis e as obras de viagem, que sempre me agradaram. Tive igualmente acesso ao arquivo de Erico, já então em fase de organização por Maria da Glória Bordini, primeiro na casa de Petrópolis, residência dos Verissimo e, depois, transferido para a PUCRS e, finalmente, hoje em dia, no Centro Cultural Erico Verissimo, vinculado à CEEE. Tive, assim, a oportunidade de revelar um ou outro documento até então desconhecido, como a carta que ele escreveu à mãe, comentando o suicídio de Getúlio Vargas, já que Erico se encontrava, a convite, nos Estados Unidos.

Nesse momento do centenário, convidado pela Cia. das Letras, acabo de escrever um pequeno prefácio para "Música ao longe". Ao mesmo tempo, a pedido da Editora Moderna, produzi outro livro, desta vez dirigido aos alunos de 2º grau, como introdução à obra de Erico Verissimo, no âmbito de uma coleção muito bonita.

Durante o curso de Doutorado em Letras, que concluí em 1998, pela PUCRS, tive oportunidade de voltar à obra de Erico Verissimo, aproximando a trilogia de "O tempo e o vento" à trilogia "U.S.A.", de John dos Passos, a quem, aliás, Erico conheceu pessoalmente, mostrando aproximações e dissemelhanças entre os textos de ambos, ainda que as intenções dos dois escritores tenham sido provavelmente muito semelhantes.

Em resumo, se não freqüentei tanto a casa de Erico Verissimo como, quem sabe, teria gostado, e como muitos outros o fizeram, tenho podido freqüentar, de modo constante, e sempre de modo a me mostrar novas facetas de sua obra, a literatura de Erico Verissimo.

Não me canso de repetir que, ao lado da qualidade estilística do escritor, de sua mais do que comprovada comunicabilidade com seu leitor, da amplitude de seus conhecimentos e informações, o que sempre lhe permitiu escrever romances marcados por personagens fortemente caracterizados por psicologias complexas, Erico Verissimo teve a guiar sua obra e sua vida um conjunto de princípios éticos e morais absolutamente sólidos. E foi coerente com eles ao longo de toda a sua vida, o que muitas vezes lhe valeu a incompreensão, atacado de comunista e imoral pelos conservadores; tachado de reacionários pelos pretensos revolucionários de última hora. Erico, contudo, nunca se preocupou muito com isso. Apegado à família, que valorizava mais que tudo, talvez numa tentativa de compensar as frustrações enfrentadas na adolescência, quando da separação de seus pais, Erico manteve ao longo de toda a vida um conjunto de referenciais que o fizeram, sem favor algum, dos escritores mais importantes de nossa literatura. O contador de histórias, como o apodaram, em determinado momento, numa tentativa de diminuí-lo, foi, antes de tudo, um observador atento e um crítico arguto da realidade.

Assim, todos nós, mesmo os que não freqüentamos sua casa, temos plenas condições de freqüentar sua obra, e isso, na verdade, é o que mais importa.

A atual República Oriental del Uruguay, enquanto Província Cisplatina, gerou dezenas de homens que só orgulharam o Brasil. Hoje, em que as duas nações independentes mantém laços de cordialidade, de apoio recíproco e de respeito, é um orgulho podermos trazer a este país um projeto que visa homenagear aquele que é o maior escritor sul-rio-grandense, Erico Verissimo, sobretudo porque, ao narrar a saga e a epopéia do Rio Grande do Sul, ele também narra, de certo modo, para nosso orgulho e felicidade, acontecimentos que, mesmo de forma indireta, integram-se igualmente à história pampeana do Uruguai.

Compomos uma só pampa – Argentina, Uruguai e Brasil – compomos uma só alma de gaúcho. Lemos os mesmos poemas, cultuamos as mesmas tradições, orgulhamo-nos do mesmo passado: um passado de luta e um passado de persistência, sem o que nossos países não se teriam construído.

Espero que esta programação possa ser vista pelos nossos hermanos del Uruguay como nossa melhor maneira de dizer o quanto nos sentimos semelhantes.

 
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